23 de dezembro de 2010

O Fim do Universo*

Quem lê com alguma frequência o blog e acompanha o cinetoscópio sabe que gosto dos filmes do Kevin Smith. Mas encontrar alguém que conheça bem sua filmografia por aqui é tarefa das complicadas, ainda que perfeitamente compreensível. Seus filmes são sobre absolutamente nada, e seus roteiros são basicamente sobre cultura pop, religião, sexo e algumas "dick and fart jokes", que estão mais para "dick and dick jokes". Ou seja, filmes cômicos, tragicômicos, romanticômicos ou religicômicos. Ele cria diálogos com a mesma preocupação que a minha agora em usar um termo que não existe. E assume isso muito naturalmente.

Eu costumo dizer que o Tim Burton sempre faz o mesmo filme, com os mesmos perfis de personagens, com a mesma direção de arte (principalmente figurino) com a mesma trilha sonora do Danny Elfman e com os mesmos atores, principalmente sua mulher e Johnny Depp, enquanto Tarantino usa os mesmos atores para os mesmos personagens em linhas narrativas alucinantes. Kevin Smith faz um pouco disso e um pouco daquilo. Usa os mesmos atores para os mesmos personagens e os mesmos atores para personagens diferentes, o que gera confusão para o olho destreinado, como nas piadas do Império do Besteirol Contra-ataca. Ele usa os personagens do View Askewniverse, ou o Universo da View Askew (nome de sua produtora), e tem como fio condutor Silent Bob (Bob Silencioso ou Bob Caladão) e Jay (Jay). Mas depois de Balconista II (Clerks II) essa porta praticamente se fechou.

Esse universo começou com o Balconista (Clerks), premiado por Cannes e Sundance, sobre dois trabalhadores de uma loja de conveniência e vídeo locadora. Depois veio Barrados no Shopping (Mallrats), insucesso de bilheteria, onde reaparecem Jay e Silent Bob para ajudar TS e Brodie a reconquistar suas namoradas. Segue para Procura-se Amy (Chasing Amy), em que a sabedoria de Bob ajuda Holden a entender seus sentimentos por uma lésbica, e passa por Dogma na tentativa de deter o Apocalipse. Depois vem o Império (Jay & Silent Bob Strike Back), onde nossos heróis procuram seus direitos de imagem depois de terem suas personas copiadas para gibis e filme e termina com Balconista 2 em que, para quem conhece a história do universo, há um ponto final na vida desses personagens. Mas de certa forma, também uma mudança de rumo na carreira do cara.

Talvez o filme mais conhecido dele por aqui seja "Pagando bem, que mal tem?", que é muito parecido com os do Askewniverse mas com personagens diferentes. O filme não garantiu um mercado maior para ele no Brasil, e o primeiro filme que ele dirigiu e não escreveu, Tiras em Apuros (Cop Out / A Couple of Dicks) mal passou pelo cinema, mesmo tendo no elenco Bruce Willis e Tracy Morgan. Mas a sensação que fica é que há uma rejeição enorme aos seus filmes, e isso acontece nos Estados Unidos também. Coisa que não tem nada a ver com elenco. Ele já colocou em seus filmes atores e comediantes do calibre de Alan Rickman, Ben Affleck, Matt Damon, Jason Lee, Chris Rock, George Carlin, Will Ferrell e o ignorante número de participações especiais para Impérido do Besteirol, entre elas Carrie Fisher e Mark Hamill (Hey kids! it's Luke Skywalker) (Aqui está a lista completa). Enfim, mesmo para o gênero "comédia", se ouve mais críticas que elogios. As pessoas acham que, pelo fato de o cara ter ganho o prêmio dos novos talentos em Sundance, viria a tona um novo gênio do cinema independente que fez um filme de 27 mil dólares render 3 milhões, e o que pensaram ter visto depois foi mais do mesmo

Mas a visão que existe para tudo que é independente na indústria do cinema e também da música é um pouco hipermétrope. As pessoas tem uma tendência incrível de achar que, exatamente por não seguir o mainstream, a coisa é mais difícil de realizar, e portanto o resultado final é melhor. É uma visão errada, preguiçosa e sem devida distância. Tudo que entra na categoria independente é bom para o processo criativo, porque sem dinheiro para investir o realizador se vê obrigado a procurar alternativas eficazes e inventivas, e que diversas vezes criam novas linguagens e efeitos, algo que no cinema toma maior efeito uma vez que não existe "hype" ou "modinha" e sim arrecadação em bilheteria. Isso, entretanto, não significa que o filme independente seja brilhante e excelente. Depois de um tempo assistindo filmes você aprende que existem filmes bons e ruins com recursos milionários e filmes bons e ruins com recursos escassos. Não é pelo orçamento ou pela (falta de) exposição na mídia que se deve julgar talento em entretenimento. E nisso a crítica falha monumentalmente. Quantos artigos alguém já não leu falando sobre tal filme e a "subjetiva inspiração baseada em filme/obra X de tal diretor"?.

Mesmo levando muita porrada, Kevin Smith foi vendo que o chão em que ele pisa hoje está bem além do lugar em que projetou estar na carreira. Começou a participar de Q&As sobre obra e vida. Palestras que viraram festivais de stand-up, onde ele fala de uma rixa com Tim Burton, sua história sobre um documentário com Prince, a fissura anal sem tratamento que ele sofreu e etc. Ele descobriu que tinha um número incontável (na época) de seguidores que gostariam de ouvir qualquer coisa que ele falasse, seja sobre bastidores do cinema, vida pessoal ou vida alheia, além dos projetos de quadrinhos para DC e Marvel.

O último de seus projetos "paralelos" parece ter se tornado o projeto principal. Uma rede de podcasts que tratam de diferentes assuntos, todos os dias da semana, todas as semanas (Smodcast Podcast Network). Ele sabe quem gosta e quem não gosta de seu trabalho, e depois de ouvir todo tipo de crítica resolveu mandar uma banana e voltar sua atenção para aqueles que se interessam em ouvi-lo. Dentro dessa rede, onde ele bate papo sobre notícias e atualidades com o produtor e amigo Scott Mosier, ou comenta as notícias do cinema com Ralph (Frank) Garman (faz algumas vozes no Family Guy e começou a carreira no Sexcetera), ou ainda faz incursões pelo mundo da reabilitação às drogas com Jason "Jay" Mewes, sobrou espaço para fazer um excelente e barato crossmedia para o lançamento de seu novo filme, de terror, "Red State", visando esse público milimetricamente definido.

O que Smith faz é abrir uma sessão de Q&A no Smodcastle, lugar em que ele grava os podcasts ao vivo, exibe um trecho do filme e sedia um debate entre ele, os presentes e algum membro da equipe de gravação, algo que ele define como escola de cinema de graça. Sem distribuidora para o novo longa, sua estratégia para lançar o filme é fazer um leilão, literalmente, assim que a projeção terminar no festival de Sundance em 2011. Quem pagar mais leva os direitos. Orçado em 5 milhões de dólares, o filme não participa da mostra competitiva, mas caso participasse, seria ainda mais bizarro. Já em seu twitter ele chegou a leiloar a exclusividade de pôsters do filme para quem quisesse hospedar a imagem em seu site e receber os devidos créditos dos outros sites. Os resultados foram arrecadações de quase 8 mil dólares para duas instituições. Metade dos sites que compraram os direitos (entre eles um site pornô), e outra metade dele próprio, igualando a oferta na doação.

Essa mudança de estilo vai fazer bem, e, tomara, mostrar que alguém com talento para escrever roteiros não precisa se limitar a gêneros. E para a crítica não limitar sua carreira só à comédia. Porque entre uma piada e outra existem ensinamentos de todo o tipo sobre como as pessoas se relacionam. Amizade, família, amor... "Existem milhões de mulheres bonitas no mundo, mas nem todas elas te levam lasanha no trabalho. A maioria só trai você".

Enfim, enquanto Janeiro não vem, fica a expectativa do que pode ser o penúltimo filme de Smith. Pelo fato de ser um filme de terror alguma distribuidora no Brasil talvez mostre um interesse maior que durante toda sua carreira. E por fim, em 2012, é a vez de "Hit Somebody", baseado em música homônima, chegar às telas. Kevin Smith completará 18 anos/10 filmes de carreira e provavelmente encerrará seu trabalho como roteirista/diretor por aí. Se espera que esses últimos filmes sejam um merecido ponto de exclamação em sua trajetória. Bem pouco depois do fim do universo.

*Em tempo, o teaser de Red State

5 de dezembro de 2010

Feliz natal, babaca.

Poderia muito bem escrever um texto sobre o término do campeonato brasileiro. Sobre a vitória do Fluminense e do Muricy e o insucesso do Corinthians em seu centenário. Mas assuntos de maior importância e interesse urgem e precisam ser expostos. Sobre o futebol, o tempo e a história dirão.

Mas a bola começa a rolar na última rodada do campeonato brasileiro para definir o título. Emoção garantida eeeeeeeee apiiiiita o árbitro, é fim de luz para um bairro inteiro. A energia elétrica foi expulsa de campo e cumpriu longa suspensão.

O serviço que a AES Eletropaulo oferece para o paulistano é uma merda e merece prêmio. Eu, como cidadão participativo que sou, logo tento entrar em contato com a empresa para avisar a falha, não só para meu interesse, mas também por toda uma região povoada em sua grande maioria por idosos, e sabe-se lá quantos deles não dependem de eletricidade para manter os aparelhos funcionando.

Primeira tentativa: Todas as linhas estão ocupadas. Segunda tentativa: Consigo, através do meu cadastro de número de instalação, avisar que estou sem luz. Mas não fui atendido por nenhum operador para informar/ser informado sobre a situação, mesmo depois de esperar 10 minutos na linha (ultrapassando o tempo limite determinado pelo PROCON). Terceira tentativa: informar via SMS a falta de luz. Nenhuma resposta também.

Aí surgem algumas questões, que precisamos reforçar, principalmente por se tratar de empresa privatizada. Quando eu fico sem eletricidade, a empresa abate a cobrança de ICMS? Os outros serviços que eu pago e dependem de eletricidade, como Internet e TV a Cabo, não deveriam ser compensados por este terceiro (AES), proporcinalmente ao tempo que eu não pude utilizar o serviço por falha dele? Os limites impostos pelas agências reguladoras não são tolerantes demais? Quer dizer, antes que a empresas seja multada, ela pode me cortar a energia de 2,52 a 4,59 horas por mês, 6,10 a 9,19 horas por trimestre e 12,20 a 18,38 horas por ano. Não é demais? Qualquer problema na rede elétrica não demora menos que uma hora para se resolver. Reduzir essa tolerância não significaria uma melhor manutenção preventiva da rede, e portanto menos falhas?

E a fiscalização? Cadê você, ANEEL / Governo Estadual de São Paulo / Municipal? E o reembolso do consumidor/contribuinte/otário aqui? Sempre falo uma coisa: Sabe onde essas empresas ganham a disputa com o consumidor? Dentro de sua própria burocracia. As pessoas pensam que se dar ao trabalho de reivindicar seus direitos é mais caro que pagar por um erro cometido pela empresa.

E enquanto eu estava sem luz por falha de distribuição na rede elétrica pude ver na janela enquanto a noite caia a decoração de natal que colocaram ali na Avenida. Êêêê Filhadaputagem, sempre você!!! Porra, racionamento de energia e horário de verão pra quê, se vão gastar energia com uma merda dessas? Deixa pra fazer isso quem quiser, deixa pros bancos na Av. Paulista que estão com o cu cheio de dinheiro! Montar palco na Paulista, iluminação na Ponte Estaiada, árvore no Ibirapuera? Porra, isso aí não só é um gasto desnecessário como também um belo aperitivo pros sádicos usuários de carro em São Paulo.

Bom trânsito pra você que gosta, seu merda. Enfia uma lâmpada no cu agora e sai pulando de vagalume o resto do ano.
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