13 de agosto de 2009

Ainda estou certo*

*Originalmente publicado com o título "Know-how" no agora-falecido Epítetos Espiclondríficos.

Outro dia estava em um ônibus, voltando para casa. Era um daqueles ônibus das frotas novas da capital, cheio de degraus e desconforto. Estava com o habitual mau-humor de quem acorda aos sábados para marcar presença em aulas de faculdade. Na verdade, aquele seria o último sábado atendendo os interesses universitários, e logo naquele dia algo de extraordinário teria que acontecer, começando pelo número ameno de pessoas por m².

Já estava acomodado em um assento individual quando, passados três pontos, entram neste ônibus uma senhora e seu neto (Se não era neto é porque a dona tardou a ter filhos). Havia outras crianças no veículo, mas esta era cheia de si. Devia ter uma ideia errada sobre o que é a vida ou pior, tinha um complexo de egocentrismo exacerbado. - O leitor pode achar que minha azia em relação ao garoto é gratuita e que eu devo odiar crianças. Para ser sincero eu odeio algumas crianças, sim, mas deixe-me contar a história sobre esse infante ingênuo. – Começou quando o menino pediu para que um senhor mudasse de lugar para que ele pudesse sentar ao lado da avó (ou mãe). Conseguiu. Lá foi o senhor para o banco do meio do fundo do ônibus, abrindo espaço aos lugares da esquerda (de quem olha de frente) na simpática janelinha de fundo de ônibus, onde a mulher e o neto (ou filho) descansaram suas ancas.

“Olha, ‘tá garoando” – disse o garoto, interpretando alguns pingos d’água no chão, que não passavam de gotas provenientes da lavagem da calçada, e ignorando os estonteantes 32º que o faziam usar uma regata azul ‘mamãe acho que sou gay’. “Não, meu filho - sem dar certeza de que era realmente filho, e lembrando que avó chama neto de filho às vezes, principalmente quando quer reclamar de alguma coisa. Ex: Que dor nas costas, meu filho; Isso é muito caro, meu filho; No meu tempo, meu filho; etc. – é só o homem que lavou a calçada”.

E logo quando estávamos falando em calçada, surge – para o deleite dos fanáticos por trânsito – bem à frente do ônibus um caminhão-betoneira que carregava o concreto que seria utilizado na construção do que parece ser uma sede administrativa do HCor. “Qual o nome desse caminhão?”, perguntou inofensivo o garoto para o... senhor que havia lhe cedido o lugar. Muito pacientemente o velho responde “Um caminhão-betoneira”. A avó complementa: “Ele carrega concreto”. “E o que é concreto”, pergunta o garoto. “É o que eles usam pra fazer calçada”. “Hmmm – disse o garoto – não gosto de concreto. Vou chamar de cimento”. “Mas concreto é feito com cimento também”, alertou a dona. “Não tem problema. Vou chamar de cimento”.

Na verdade a história só vai até aí. Só quis relatar porque lembrei de um diálogo fantástico do livro “O Guia do Mochileiro das Galáxias” que será transcrito de maneira pífia. É a história de uma baleia que ganha vida à 20km de altura da terra e está prestes a cair no chão, não na água (e não que fosse fazer muita diferença, agora que parei para pensar). “Nossa. Que sensação boa. O que é isso? Sinto pelo meu corpo todo. Não sei o que é, mas vou chamar de vento. Depois descubro o que o vento faz. Olha só. Eu consigo mexer isso aqui pra lá e pra cá. Vou chamar isso de cauda. E o que é essa coisa grande e marrom que fica crescendo cada vez mais? É muito grande! Vou chamar de chão. Será que vou ser amigo dele?” E a baleia finalmente se espatifa no chão.

Não querendo criar paralelos - mas não tendo outra saída – isso é exatamente o que vai acontecer com o garoto esnobe do ônibus. Mal sabe ele que algumas palavras como “desemprego” ou “tristeza”, quem sabe até “solidão” não mudam de sentido, indiferente do seu cimento. X³ + Y ² + Z = 77, como ele aprenderá, não é 0, indiferente do que ele quer pensar que seja em alguma prova de matemática no futuro. Nem que Kant é um filósofo, enquanto o garoto do ônibus acreditava que fosse um jogador de futebol da Holanda.

Pensando melhor, Kant tem a ver com isso. O conhecimento empírico é justamente a queda da baleia. A experiência derradeira. Passar pela vida, e ela te ensinar que você está errado. Dói.
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