29 de outubro de 2010

Trololó parte 3

Desde que começou a campanha eleitoral, a oposição tem divulgado que o PT é contra a liberdade de imprensa. Até faz sentido, porque historicamente só a esquerda promoveu a censura. Mas há uma coisa nisso tudo que não se encaixa: a afirmação deles é baseada no relatório do PNDH-3, no qual um dos artigos traz a defesa ao controle social da mídia.

Ora, qualquer bixo casperiano sabe que controle social da mídia não tem nada a ver com censura. Para ficar mais claro, vamos por partes. A mídia em questão são os serviços públicos de radiodifusão que utilizam as concessões outorgadas pelo Estado. O que se pretende é regulamentar a utilização dessas concessões de rádios e emissoras de televisão por empresas privadas. Portanto, os jornais estão fora da parada.

A justificativa dos defensores dessa ideia, como Venício de Lima, é que a norma consta na Constituição de 1988, mas nunca foi promulgada. Na Constituição está escrito que o detentor das concessões deve promover a cultura regional, estimular a produção independente, regionalizar a produção cultural, artística e jornalística, e respeitar os valores éticos e sociais, além de proibir monopólios e oligopólios dos meios de comunicação, entre outras coisas.

Sem o controle social da mídia, a única alternativa ao cidadão que esteja insatisfeito com o que assiste é boicotar ou enviar um e-mail de reclamação à emissora e esperar que ela responda, medidas válidas mas que não resolvem totalmente a questão. Por outro lado, no Reino Unido, a agência reguladora Ofcom tem poder de punir as empresas midiáticas que veicularem conteúdo ofensivo ou que não estejam dentro das normas.

Nesse sentido, é de se pensar o que tem a temer as empresas que são contra a regulação da mídia, como as emissoras de direita e as igrejas evangélicas. Assim como é de se pensar porque quase a totalidade da imprensa está do lado de Serra.

Está registrado no Diário Oficial do Estado de São Paulo que o governo do PSDB fechou contratos milionários, sem licitação, de assinaturas de jornais e revistas para as escolas. O total dessa transação, desde 2004, foi R$ 250 milhões. Por curiosidade, a Carta Capital não foi agraciada nessa negociata. Já a Globo conseguiu uma bolada de R$ 58 milhões com contratos do Telecurso, da editora Globo e de otras cositas más.

De boa, se isso acontecesse na Venezuela, Hugo Chávez seria enforcado em praça pública. Como aconteceu em São Paulo, tá tudo bem.

28 de outubro de 2010

Trololó parte 2

Invariavelmente, sempre em época de eleição, o espírito intelectual do Pelé baixa no corpo da maioria das pessoas, que não tergiversam e vomitam com toda pompa e estilo que o brasileiro não sabe votar. Na verdade, na boca da classe média, isso soa mais como “pobres não sabem votar”, já que quando se trata de generalizações o autor automaticamente se torna exceção à regra.

Não que o brasileiro seja um ótimo votante, mas isso mostra o quão soberba é a nossa querida classe média. Por exemplo, não é incomum ouvir reclamações, com uma certa razão, da alta taxa de impostos no Brasil. Qualquer cidadão que pira num iPod ou mesmo em um simples Big Mac sabe que pagamos muito caro por esses produtos em comparação com outros países. Daí para acusar o governo de corrupto é um pulo. E sempre que sai uma matéria sobre tributos, o pessoal trata de repetir os mantras da imprensa como se fosse a liturgia da palavra, sendo o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo sua cruz.

O problema é que a questão central sobre o tributo não é debatida a sério nos meios de comunicação. Em geral, os jornalistas embarcam na ideia do empresariado de simplesmente abaixar o nível dos impostos, como se isso pudesse resolver tudo. Só que isso é inviável para o funcionamento da máquina estatal, que, com pouco dinheiro em caixa, não poderá atender a toda população e ficará à mercê dos próprios empresários.

O lance do imposto no Brasil é seu sistema injusto. Segundo um estudo do Sindifisco, os impostos indiretos representam 54,9% da carga tributária recolhida no país, enquanto que os impostos diretos são apenas 30,66% de tudo que o governo arrecada. Isso merece uma rápida explicação: impostos indiretos são atreladas ao consumo, portanto estão embutidos no preço de um produto. Dessa forma, uma pessoa que ganha R$ 100 paga o mesmo tanto de tributo em um saco de arroz que alguém que ganha R$ 100 mil. Já os impostos diretos são relativos ao patrimônio e à renda do cidadão. Assim, quanto mais rica é a pessoa, mais taxa ela paga. Só para efeito de comparação, nos EUA e no Canadá cerca de metade da carga tributária é de imposto direto, enquanto que 17% são de tributos sobre o consumo.

Como se tudo já não fosse ridículo demais, existem ainda algumas distorções. Por exemplo, jatinhos, helicópteros, iates e lanchas de luxo não pagam IPVA, já que o imposto incide somente sobre veículos terrestres. Além disso, o imposto sobre grandes fortunas (IGF) até hoje não foi regulamentado, apesar de constar na Constituição de 1988. A proposta mais concreta partiu dos deputados do PSOL em 2008, e está para ser votada na Câmara.

Isso se for colocada em pauta, porque qualquer tentativa de mudança mais justa no nosso sistema é um parto. Em 2003, o governo Lula enviou para o Congresso uma proposta de reforma tributária que alterava essas distorções. Porém, todas os artigos com mudanças nos impostos diretos foram retalhados ainda nas comissões temáticas pelos políticos conservadores e ricaços.

Depois disso, a única medida (que eu me lembre) que Lula conseguiu implementar foram as novas alíquotas no IR, que abaixou o imposto para quem ganha menos. Porém, ele não aumentou nossa alíquota máxima, de 27,5%, que ainda está longe da do Chile (40%) e da Argentina (35%).

Se o Lula fracassou em tornar nosso sistema tributário mais justo, FHC conseguiu ser pior. Ele mudou a legislação de maneira a atrair maior investimento estrangeiro, oferecendo isenção fiscal na remessa de lucros para o exterior e em aplicações do capital estrangeiro. Também ofereceu renúncia fiscal para distribuição de lucros entre sócios de pessoas juridicas. Dessa forma, um alto funcionário pode declarar ao Fisco que recebe R$ 1.000, quando na verdade ganha R$ 10 milhões por ano de lucros da empresa e, assim, não paga um centavo de imposto de renda.

Além disso, FHC cortou a alíquota de 35% do IR, fazendo com que os ricos paguem tanto quanto a classe média. Em contrapartida, durante a crise cambial de 1999, o então presidente, entre outras medidas, aumentou os impostos indiretos, fazendo a carga tributária saltar de 25% para 37% do PIB.

A proposta que o Sindifisco defende é simples: acabar com as isenções de imposto sobre pessoa jurídica e do capital financeiro, manutenção da correção da inflação na tabela do IR, taxar as grandes fortunas e os veículos de luxo e, aí sim, diminuir gradativamente os impostos sobre o consumo. Assim, o impacto sobre o orçamento nacional seria zero e a classe média pagaria menos imposto do que agora. Mas é preciso explicar tudo isso pra eles.

26 de outubro de 2010

Trololó

Se eu fosse um analista político ou alguma coisa séria do tipo, estudaria o fenômeno do anti-petismo em São Paulo. Como não sou, ficarei aqui somente com minhas teses de boteco.

Antes de mais nada, vamos aos fatos: o estado de São Paulo é governado há 16 anos pelo PSDB. De lá pra cá, muita coisa mudou – em alguns aspectos para melhor e outros para pior. Mas, no geral, é difícil encontrar algum paulista que esteja realmente satisfeito em morar aqui.

Lógico que é importante sermos justo, já que nem tudo que é negativo é por culpa exclusivamente do PSDB. Mas mesmo o pior dos analfabetos políticos sabe que tudo tem uma causa, motivo, razão e circunstância, como diz o outro.

São Paulo foi o estado que mais teve empresas estatais privatizadas do Brasil. Mais de vinte foram repassadas para o empresariado, cuja arrecadação rendeu R$ 77,5 bilhões de 1995 a 2006. Esse montante fora usado para o pagamento da dívida pública que, mesmo assim, cresceu 33% em dezembro de 2005. A última privatização no Estado, salvo engano, foi a venda do banco Nossa Caixa por R$ 5,386 bilhões para o Banco do Brasil, em 2008, quando o Serra ainda estava no comando. Só para constar, a Nossa Caixa não registrava prejuízos e em 2007 desembolsou R$ 2 bilhões para ter exclusividade no pagamento de salários de funcionários públicos estaduais.

O resultado disso é que com menos empresas estatais para servirem de fonte de financiamento, menos dinheiro o estado terá para gastar e, assim, menor serão suas despesas. Despesas menores significa serviços públicos piores para a população, principalmente para aqueles que dependem mais do Estado. Um exemplo disso acontece na educação, em que professores temporários representam 46% no quadro da rede pública estadual. Ganhando menos e sem um plano de carreira ou estabilidade, muitos desses docentes também não tem condições de dar aulas.

Há casos também em que todos são afetados, como na segurança pública. As remunerações dos policiais são modestas em comparação com outros estados com PIB per capita menor que o de São Paulo. O resultado disso é mais corrupção e menos sucesso no combate ao crime. Quer dizer, no fim todo mundo se fode.

Isso porque ainda não falamos nos preços e serviços oferecidos pelas empresas privatizadas. A telefonia e a internet no Brasil estão entre as mais caras do mundo, além da nossa banda larga ser uma das mais lentas. E também, graças à privatização, temos que desembolsar mais para pagar a conta de luz.

Isso tudo pode soar bastante óbvio, mas os adversários do PSDB foram tão rasos ao debater esse assunto durante a campanha que eles pareciam não fazer questão de ganhar a eleição. Ninguém mostrou como as coisas realmente acontecem em São Paulo. Pois é lógico que a privatização corre nas veias tucanas assim como o superfaturamento está no sangue malufista. É uma questão de ideologia dos caras, que mesmo se mostrando fracassada e contraditória, eles ainda insistem em seguir pelo mesmo rumo, tal qual os defensores do comunismo soviético. Mesmo assim ninguém, exceto o Plínio, tratou de colocar a ideologização no debate.

Mas a questão central é saber os motivos que levam os paulistas e 30% da população brasileira a darem ainda um voto de confiança a esse projeto político. Como eu falei, o problema do PSDB não é moral, ético ou coisa assim, mas puramente ideológico. Portanto, será que 51% da população de São Paulo realmente acha certo ficar privatizando aos montes nossas empresas estatais quando elas poderiam servir melhor à população se forem administradas corretamente? Se sim, os paulistas merecem estar no buraco em que se enfiaram.

É lógico que o PT também não é algo que se diga “minha nossa, como eles são esquerdistas”, mas eles conseguem ser muito melhores do que a direita-balcão-de-negócios. Só que, por alguma razão inexplicável, falar em PT em São Paulo é como falar de camisinha em uma igreja. Corre-se o risco de rolar uma malhação de Judas sem efeitos especiais. Cada um com seus dogmas.

19 de outubro de 2010

Que beleza.

Eu tenho um amigo.

Mora no mesmo bairro que eu, estudou no mesmo colégio e assim como eu cursou uma faculdade. Estamos em um patamar socio-econômico próximo. Temos poucos interesses em comum.

Esse meu amigo não gosta muito de política, evita comentar ou debater sobre o assunto. Diz que vai votar no Serra. Não apresenta nenhum argumento para justificar sua escolha, mas diz que vai votar no Serra.

O partido do Serra é o partido que está desde 2005 na prefeitura de São Paulo. Também governa o Estado desde que esse meu amigo se conhece por gente. O bairro onde ele mora não tem tratamento de esgoto. A rua onde ele mora tem enchente. Nas redondezas de onde ele mora há uma obra anti-enchentes que está lá desde que eu me mudei para o bairro (há muito tempo). E a taxa de criminalidade nesse bairro é crescente.

Esse meu amigo não usa transporte público. Ele usa o carro dele para ir trabalhar. De vez em quando pega o ônibus. Sempre pega trânsito. Ele trabalha em uma área que foi beneficiada pela política econômica do governo federal e que no Brasil cresceu, apesar de empresas do mesmo ramo que a dele terem quebrado no mundo inteiro. Esse meu amigo já não é ligado em política, quem dirá em economia. Sem se interessar pelo tema, não pode se aproveitar dos debates que ele diz assistir para escolher em quem votar. Mas isso não é um problema, porque ele já tem um candidato.

Tentei debater política com ele, quando certa vez seu carro havia sido roubado. Ele foi assaltado (problema de segurança em São Paulo), não conseguiu fazer boletim de ocorrência (Quando os serviços da Telefonica estão indisponíveis o sistema da Polícia Militar também fica), teve que sair do conforto do carro dele para andar em ônibus abarrotado e chegou atrasado consideráveis vezes ao serviço (problema de transporte público em São Paulo), foi avisado pela polícia que o que sobrou de seu carro foi encontrado num desmanche (problema do crime organizado em São Paulo), e quando comprou outro carro foi beneficiado pela taxa de IPI reduzido (solução do governo federal).

Entrando no clima do debate, ele veio falar comigo sobre o lance do aborto. "Você viu que a Dilma mudou de posição?". Eu falei pra ele que achei isso uma pena. Mentira. Acho que primeiro falei pra ele calar a boca. E depois falei: "Se algum candidato falasse que era a favor do aborto eu votava na hora". Meu amigo é um pouco hipócrita, e um falso-moralista. Alguns anos atrás ele disse que talvez fosse virar pai. Ia ter um filho e não queria. Ele queria pular fora, a menina não. Se fosse dele a decisão, faria o aborto na hora. Acabou que era alarme falso, ele não é pai. Ainda bem. O cara tem um problema sério com drogas e álcool, e é infantil demais. Se ele tivesse um filho, seria um problema para a sociedade (muito por conta da genética do pai). Falei para ele que um dos reflexos diretos da legalização do aborto nos Estados Unidos foi a diminuição da violência.

Enfim... Esse meu amigo não é religioso. Quem da nossa idade é? Mas chega a criticar a falta de religião da candidata. Ele, como a grande maioria, tem dificuldade em aceitar que moralismo não vem da religião, e caso viesse, não caberia ao viciado falar sobre moral. É o tipo de coisa que o brasileiro tem dificuldade em distinguir (Ex: ensino ≠ educação, violência ≠ criminalidade).

Meu amigo é prato cheio para a campanha publicitária do PSDB. Ele não conhece ninguém da idade dele que estudou em escola pública, então tem que acreditar no que o governo diz sobre o ensino. Não usa o transporte público então tem que acreditar que o governo investe bem nas obras da área. Tem um plano de saúde, então não precisa usar os hospitais que o governo oferece. Já foi assaltado, mas acredita que isso está mais para casualidade que para ineficácia da segurança pública. É uma pessoa completamente apolítica. Fale meia dúzia de números para ele e algumas porcentagens e ele vai acreditar como se fosse notícia do Jornal Nacional.

Provavelmente vota no PSDB porque os pais dele fazem isso.
Eu não sei porque ele vota no PSDB.
Mas pior, ele também não.
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