31 de outubro de 2009

Se eu soubesse, não iria.

Era Agosto quando eu joguei uma ideia na mesa de bar. "Acho que a gente devia ir pra Oktoberfest". Era uma mesa de bar, a sugestão foi muito bem aceita. Era Setembro e ninguém havia sequer mexido um pau para tentar colocar a ideia de Agosto em pratica.
Como fui eu quem fez todo o brainstorm, deixei a parte burocrática para os outros.
No meio de Setembro nós só tínhamos a certeza de que queríamos ir, e que talvez no ano seguinte não teríamos tanta preguiça para resolver toda a logística de uma viagem longa.

Mas eu estava obstinado. Fui resolver o primeiro problema, que era o da hospedagem. Vinte e sete superquinzes depois consegui um quarto de hotel para cinco pessoas por um preço absurdamente salgado. Não poderíamos pagar aquela quantia se o quarto fosse para doze pessoas, quanto menos cinco!
Mas com mais 7 ligações, encontrei a luz. Uma acomodação nas montanhas catarinenses que (como garantiu a dona da pousada) não corria risco de deslizamento. Um preço que combinava com nosso orçamento de bolso furado, e um depósito na conta bancária mais tarde tínhamos onde dormir e transporte ida e volta garantido para 6 pessoas.
Faço muito bem em lembrar que saímos no lucro com o lance do transporte. Andamos bem mais do que aquilo que pagamos. Na ida o ônibus quebrou, tivemos que passar por Curitiba para trocar de carroça e uma viagem que deveria durar aproximadamente 10 horas levou 15 para terminar. No ônibus a conta das horas perdidas (e ainda não podendo usar as pernas e por cima disso completamente sóbrios) colaborou para a frustração e raiva gigântica que sentíamos daquele motorista filho de uma meretriz.

Na chegada a Blumenau providenciamos um par de táxis, despachamos as malas, fizemos contato com os locais e demais turistas e descobrimos que o taxista era de Porto Alegre e torcia pro Flamengo! Não entraríamos naquele táxi de novo tão cedo, e logo rumamos para o centro, ladeira abaixo, onde, no Tunga, a festa estava começando a ficar quente.
Como manda a tradição, logo tomamos posse de um tirante e uma caneca cada. Eu poderia mentir e dizer que foi uma busca árdua e cheia de elementos sagrados, envolvendo toda a misticidade de estar presente na Festa da Cerveja, mas a real é que uns vinte e cinco reais resolveram essa parada, e o próximo passo era gastar esse mesmo valor e uns trocados mais na próxima hora em forma de líquido dourado chope. Ainda sobrou dinheiro para comprar um chapéu de poderes mitológicos que garantia ao usuário um boom de ânimo.

De tarde a festa é na rua. Alguns bares, muitas chopeiras, muita gente, música alta. De noite não é diferente, mas a festa sai da rua e vai para a Vila Germânica/PROEB. Na primeira noite Jesus nos mostrou o caminho, e ainda bem que ele estava lá, porque foi uma peregrinação de uns 50 minutos para chegar. Seria pouco se houvessem lugares para comprar mais cerveja no caminho. Como não tinha, o jeito foi ir meio seco, urinando quando necessário ou em químicos ou nas vielas, perdendo a embriaguez gota por gota.

Quando chegamos na Vila tive uma noção melhor do evento. Três galpões abarrotados. Se cada galpão tivesse um tema, o tema dos três seria cerveja. Chopes artesanais ou Brahma. Nas filas para trocar a ficha por combustível vários flertes. "Me pega um chopp?" era a frase mais inteligente para se dizer. Mas qual chope pegar? Eisenbahn? Bierland? Opa Bier? Todos tinham a mesma artilharia: um pilsen, um escuro, um de trigo, um de vinho (para as moças), mais fermentado, menos... Que se dane a química da coisa, você já chega lá no estado de não querer se preocupar com o sabor, mas os artesanais realmente eram a melhor opção, principalmente levando em conta que pra tomar chope Brahma aqui em São Paulo você pode ir no bar homônimo.

Foram dois dias e noites da mesma coisa. Acorda. Um almoço pra forrar. Festa na rua. Fila para pegar chope na rua. Caminhada pra vila. Fila para comprar entrada na vila. Festa na Vila Germânica. Fila pra comprar o chope. As mesmas músicas (todas curiosamente rimando com "pega no meu pau"). 04:30 a música acabava. 05:00 paravam de vender fichas. 6:00 paravam de servir chopp e davam a noite por encerrada. Tomamos chuva na volta nos dois dias, e íamos procurar um jeito de voltar para nosso quarto, entoando cânticos que denunciavam nossa paulistanidade, correndo, ou como eu gosto de pensar, simplesmente estando bêbados.

No último dia um almoço, arrumar as malas e se preparar mentalmente para encarar 10 horas de viagem. Na volta o ônibus não quebrou. Nos despedimos dos amigos no metrô, e cada um foi tocar sua vida. A caneca, o tirante, os espólios voltaram na mala, evidências de um acontecimento que não pode ser encarado com leviandade. Essa viagem está marcada na memória. Superou minhas expectativas, que eram muito altas. É uma pena ter que esperar tanto tempo para fazer isso acontecer de novo. A volta é arrasadora. Se eu soubesse, não iria. Agora resta esperar.
Hoje é fim de Oktober.

29 de outubro de 2009

Microrresenhas da Mostra de SP

BANANAS! (BANANAS!) - 2009 - Suécia
O documentário narra a batalha judicial entre trabalhadores de um bananal na Nicarágua e a empresa americana dona da plantação. No centro da discussão, o uso ilegal de um pesticida nocivo à saúde. O diretor Fredrik Gertten conseguiu tirar leite de pedra, pois o assunto torna difícil obter boas imagens, mas a figura do excêntrico advogado Juan Dominguez deu brilho à história.
Avaliação: Muito bom

FIQUE CALMO E CONTE ATÉ SETE (ARAM BASH VA TA HAFT BESHMAR) - 2008 - Irã
Drama conta a história de um garoto que espera o retorno do pai após este ter levado clandestinamente algumas pessoas para fora do Irã. Paralelamente, um homem que faz contrabando de produtos vê seu casamento se deteriorar. O filme tem o melhor do cinema iraniano: belas imagens e o uso inteligente e criativo da câmera. Mas a narrativa se perde em alguns momentos.
Avaliação: Bom

19 de outubro de 2009

10 razões para não acreditar em listas

Em tempos de crise, a jogada de marketing mais marota do jornalismo é produzir listas sobre qualquer coisa só para turbinar as vendas e conquistar o bolso do leitor incauto. O assunto não importa, muito menos sua legitimidade, o que importa é que haja uma lista. Mas será que elas merecem o tanto de atenção que recebem?

Conheça agora os dez motivos para não acreditar em listas:

10) Tirando as listas de coisas mensuráveis (do tipo "os maiores prédios do mundo"), qualquer outro critério de escolha pode ser contestado, por mais cartesiano que pareça. No ranking da FIFA, por exemplo, sempre tem uma seleção brincalhona entre os melhores, neste caso a Croácia, embora seja utilizada uma fórmula de física quântica para calcular os pontos.

9) Questões culturais tem influencia direta no resultado. A escolha das mulheres mais bonitas do mundo podem ter resultados diferentes se for feita no Japão ou no Brasil. E os filmes que os europeus assistem nem sempre são os mesmos que os americanos gostam.

8) Listas baseadas em média de notas normalmente não dão muito certo. Ou como explicar que o nada criativo GTA IV esteja em segundo lugar no GameRankings?

7) O critério de uma lista pode até ser científico, mas eles não resistem aos "ses". Nada contra dizer que Pelé é melhor que Maradona porque ganhou mais títulos e fez mais gols. Mas e se Pelé tivesse jogado na Europa? E se o campeonato brasileiro fosse minimamente mais organizado nos anos 60? Como ele jogaria no esquema tático pós-Carrossel Holandês? Ou com o nariz cheio de pó?

6) Como já mostrava o filme "Alta Fidelidade", o que importa numa lista são os cinco primeiros. O resto poderia ser embaralhado que dava na mesma.

5) A maior prova de que muitas listas são feitas de qualquer jeito é o famoso caso do jogador moldavo Masal Bugduv, que foi incluído na lista das 50 maiores promessas do futebol pelo The Times sendo que ele sequer existe. Bugduv não passava de um "hoax", termo usado na internet para "pegadinha do Mallandro".

4) Listas nada mais são do que um reflexo do presente. Na eleição dos melhores álbuns brasileiros, "Acabou Chorare", dos Novos Baianos, ganhou menos pela sua importância histórica do que pelo revival tropicalista que rolava há uns três anos por causa do retorno dos Mutantes. Se uma lista desta for feita novamente hoje, o resultado certamente será diferente.

3) Normalmente, listas são lotadas de obviedades. A de melhor álbum de todos os tempos sempre vai ter um dos Beatles, assim como o de melhor filme sempre será "Cidadão Kane". E quem não seguir esse dogma, corre o risco de ser crucificado e acusado de querer aparecer. Se é assim, para que fazer uma lista, então?

2) Quando a questão é fazer uma lista democrática, esbarra-se em um dilema: deixar o público eleger ou não? Se sim, corre-se o risco de ter o resultado facilmente adulterado na internet pelo pessoal do 4chan. Caso contrário, pode acontecer o que já foi relatado no item nº 3, já que jornalistas costumam pensar em bloco.

1) A função social de uma lista não é sua capacidade de emitir supostas premissas ou verdades, mas de causar confusão. Quanto mais pessoas discutirem e contestarem seu resultado em uma mesa de bar, melhor.

Portanto, siga essas recomendações e não acredite nela. A verdade é que listas são legais pra cacete, ainda mais quando podemos criar nossas próprias.

4 de outubro de 2009

Muito além do limite






De uns tempos para cá, a mina de ouro de Hollywood tem sido as animações pseudo-infantis em 3-D – digo "pseudo" porque, embora sejam voltadas para crianças, os roteiristas desses filmes adoram colocar piadinhas exclusivas para os adultos mais serelepes darem umas saborosas risadas. Isso levou praticamente todos os grandes estúdios a marcharem rumo ao Oeste em busca da fortuna prometida. Era praticamente uma garantia de grana fácil. Porém, o uso de fórmulas batidas criou uma terra sem lei e ordem. Quando viram que "Procurando Nemo" estava dando altos lucros, alguém teve a criativa ideia de lançar um filme chamado "Espanta Tubarões". Isso sem falar nas constantes sequências de franquias, mostrando que os produtores não estão muito a fim de gastar massa cinzenta para ganhar dinheiro.

Mas nesse universo mais na defensiva que futebol italiano, a Pixar continua sendo uma das poucas a trazer alguma inovação. Depois de "Wall-E", eles trataram de revolucionar novamente a linguagem das animações com "Up! - Altas Aventuras". No filme pós-apocalíptico do simpático robozinho lixeiro, a Pixar elevou as animações em 3-D a um novo patamar, se aproximando pela primeira vez dos filmes de arte: tiraram os diálogos (como no filme "Casa Vazia") e abusaram das referências. Já em "Up!", a narrativa é feita de maneira muito profunda, sendo conduzida pela própria psique do protagonista, ao invés da superficialidade dos tradicionais conflitos internos entre os personagens envolvidos.

O enredo conta a história do velhinho rabugento Carl. Ele vive sua vidinha pacata, sem grandes perspectivas, desde que sua mulher morreu. Para piorar, uma construtora quer colocar sua casa abaixo. Para fugir dos problemas, nada mais lógico que colocar balões em sua própria morada e ir voando até uma cachoeira perdida na América do Sul – lugar que sua esposa sempre quis conhecer. Só que, por acaso, um moleque escoteiro acaba pegando uma carona, alterando os planos de viagem.

A história é bastante simplória, como não haveria de ser diferente – afinal é um filme para crianças e não um "Akira". Mas a questão importante aqui é como ela é narrada. Nos primeiros dez minutos, a vida de Carl é mostrada desde que era um pirralho medroso e tímido até os últimos momentos de sua amada mulher. E tudo é contado de maneira belíssima, com uma espetacular trilha sonora, e abusando do dramalhão, como se fosse uma "Lista deSchindler" em CG.

E é aí que mora a diferença. Assim como em "Os Incríveis", a angústia do personagem transparece de maneira muito clara. Conhecemos na pele seus conflitos, deixando na cara seu apego ao passado. Mas, diferente do Sr. Incrível, Carl não tem como voltar aos velhos tempos – muito menos trazer sua mulher de volta. A solução que encontra é navegar a fundo em suas lembranças, personificada na casa onde moraram e que se torna o último elo com a sua falecida companheira. Porém, aos poucos, ele abandona esse apoio cego ao compreender que as recordações não passam disso: meras recordações.

Não é à toa que "Up" foi o primeiro filme de animação a abrir o Festival de Cannes. Os cinéfilos em geral são loucos por filmes sobre dramas pessoais psicologicamente complexos. E nesse caso, "Up!" cai como uma luva. É só uma pena que o vilão da história não seja tratado da mesma forma, parecendo mais um gênio louco do que um homem injustiçado. E os mais cri-cris podem reclamar de alguns furos mal explicados no roteiro, mas, poxa vida, isso é desenho animado e não neo-realismo.
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