13 de novembro de 2013

Uma volta no Planeta Terra


Prometi a mim mesmo que não iria escrever sobre o Planeta Terra, primeiro porque certamente há textos por aí muito melhores e mais completos sobre o festival escrito por pessoas muito mais habilitadas para fazê-lo do que eu, e segundo porque não queria fazer qualquer coisa que soasse próxima daquilo que os malditos jornalistas ditos musicais gostam de fazer por aí, seguindo as regrinhas das conceituadas e endeusadas revistas gringas, batendo palmas para os favoritos do Pitchfork e abusando dos termos bizarros e da cretinice rebuscada nas resenhas ao invés de fazer o básico, o arroz e feijão da crítica musical.

Ok. Mas o fato é que as coisas foram além do combinado desde o começo. Os shows foram muito bons, o clima estava quente, mas deu uma amenizada, o local escolhido também ajudou, e ir e voltar de metrô de um show é sempre algo positivo. E ainda tivemos Blur e Beck quebrando tudo em cima do palco, fãs da Lana del Rey fazendo um alegre piquenique e deixando o ambiente mais bonito e a sempre velha desculpa para usar entorpecentes legais e ilegais, tudo isso enquanto rolava uma sonzera de fundo no momento em que você só quer saber se vai dar tempo para ir ao banheiro, voltar para pegar uma cerveja e ir para o outro palco ver o próximo show.

Tudo isso é o clima de um festival, acredite. É o tipo de experiência que faz sentido para quem quer sair para curtir uma música. Se por um lado shows individuais são melhores para quem é fã do artista, principalmente para um artista que sabe fazer shows, os festivais são legais como uma experiência em si mesma. Públicos se misturam e personagens loucos aparecem, tipo o cara que estava fazendo cosplay do Liam Gallagher circa 1995, ou o maluco que levou uma bandeira do Vasco e ficou levantando ela no meio das apresentações. E há lógico aquela galera que não sabe o que está fazendo lá, mas é aquela história: pagou o ingresso, faz o que quiser.

Mas vamos falar do que importa. Pisei dentro do evento e já dava para ouvir o Palma Violets fazendo uma barulho num dos palcos. O público ainda era escasso e estava mais curioso do que apreciando, mas a banda não estava nem aí. Mostraram que tem boas músicas na manga e uma bela qualidade sonora. Mas eles ainda são novos e se tem uma coisa em que a experiência ainda conta é para ter presença de palco e ser goleiro de time grande. Por isso esse tipo de show funciona melhor em espaços pequenos, tipo Cine Joia ou Beco, onde a banda tem mais chances de crescer e agitar mais o público.

Era um bom esquenta, até mesmo para o que ia rolar depois: Travis. Aí sim, uma galera experiente. Eles sabem como fazer um show, são simpáticos e amáveis com o público e certamente agradaram os fãs, que cantaram junto em diversos momentos. Mandaram algumas boas canções no começo e depois emendaram com alguns hits mais deprê, mas aí parei de prestar atenção e fui descansar em meio ao chão de pedregulhos, mas quem viu ficou feliz, segundo os relatos. Mas nada disso era minimamente próximo do que rolou em seguida.

Lana del Rey tem um público cativo e uma bela saúde. E a meninada ficou louca quando ela subiu ao palco, todo adornado com palmeiras. Entrou em estado de catarse quando ela se aproximou da grade e ficou uns bons minutos lá, sendo praticamente venerada. Era como uma estrela de cinema, ou algo do tipo, em meio a uma plateia ensandecida para tocar seu ídolo. Da minha parte, queria tocá-la de outro jeito, e como isso não era possível, fomos embora para ver o Beck.

Ainda estava na fila da cerveja quando Devils Haircut já soava no palco. Me pergunto que tipo de monstro faria algo desse tipo? Começar qualquer show com Devils Haircut é não ter compaixão com o coração fraco alheio. De qualquer maneira perdemos a música, mas a sequência foi arrebatadora com Novacane e One Foot In The Grave na gaita, e Loser, a canção-hino de uma geração bem
esquisita, sendo cantada em coro.

De novo bato na tecla do cara que tem experiência e sabe como conduzir seu público com maestria. Ele usa o palco para hipnotizar a plateia e fazer dela seu servo particular. Deitado sobre o palco, Beck conta histórias de como é sair dos EUA em turnê, chegar à América do Sul longe de tudo e todos, tocar no Chile, na Argentina e no Brasil, e depois emenda: “Alguém aqui quer ser meu amigo?”, no que todos respondem em uníssono: “Sim!”. Nada mal, seu loser. E em dado momento, ele lança a belíssima Lost Cause e saca da manga um Billie Jean, dele mesmo, o Michael Jackson, mas nessa hora estava de novo preso na fila da cerveja. E como se ainda precisasse finalizar em alto estilo rolou o What’s is At? só para quem acha que ele não tem bons hits para tirar da cartola e fazer a alegria da moçada. Tomara que ele tenha se divertido, porque me diverti pacas.

A verdade é que qualquer coisa depois disso seria lucro. O Blur poderia ter tocado três músicas e ido embora que ainda teria sido um dia bacana. Mas não, os caras acharam de bom tom entregar tudo aquilo que eles tinham, e isso realmente era o mais sensato a se fazer. Eles começaram com Girls & Boys, do Parklife. Maravilha. Eles só quiseram tirar o atraso de anos sem vir tocar no Brasil com a faixa que abre o melhor CD deles. Se isso não eleva a expectativa a níveis desnecessariamente altos, não sei o que mais faria.

Algumas canções, depois de Beetlebum, eles emendam duas obras primas do 13: Coffee and TV e Tender, e este foi um momento insano, senhoras e senhores. Uma sensação estranha sobe pela espinha só de lembrar. Os primeiros acordes de Tender estavam sendo tocados quando o público já cantava em alto e bom som: “Oh my baby, oh my baby, oh my”. Damon Albarn não tinha muito o que fazer nessa hora. Graham Coxon continuou tocando sua guitarra, daquele jeito como quem está alheio ao que está acontecendo à sua volta. Todos aguardavam o momento certo para entrar. Poderia ter demorado cinco, dez minutos, tanto faz, o tempo já não fazia mais sentido. Mas foi então que Albarn começou: “Tender is the night…” e aí não havia como parar.

Até que veio o refrão (“Come on, come on, come on, get through it...”) sendo entoado como um mantra que poderia ter sido ouvido até pelos confins da zona sul da cidade. Se a banda tivesse parado de cantar, é certo que ninguém notaria. E isso até aconteceu no finalzinho da canção, quando a parte instrumental continuava viva por um tempo e a galera mandava "Oh my baby" sem parar. Quem não curtiu esse momento pode ter certeza que não entendeu nada.

Se o show estivesse acabado ali, todos poderiam sair de lá contentes e realizados. Mas ainda tivemos Parklife, End of a Century e, claro, Song 2, no qual, por instinto, fui envolvido em uma bate-cabeça brit-pop hardcore que há anos não entrava. Pessoas ao redor não pareciam ter curtido essa explosão de irracionalidade sem sentido e sanguinária e começaram a se afastar da nossa roda. Mas todos sabem que a roda de pogo é o supra-sumo da violência pacífica, tanto que minha única sequela foi uma dor nas costas (que já me incomodava desde o começo do dia, importante ressaltar) e uma breve falta de ar. O tempo faz mal às pessoas, pelo menos no meu caso.

5 de novembro de 2013

Minha defesa aos candidatos eleitoreiros

A cobertura das próximas eleições é um belo exemplo do espírito do nosso tempo, em que gritos de sem partido são a grande máxima do pessoal politizado, seja nas ruas, seja no Facebook.

Daí abro as páginas dos sites de notícias e vejo que cada notícia relevante do governo é acompanhada das palavras “de olho em 2014”, “mirando a reeleição”, “eleitoreira” e por aí vai. São palavras fortes. Elas costumam deixar uma péssima impressão no cidadão, que se sente ultrajado e enojado, como se o governo tentasse manipular sua mente vendendo boas ações bonitas e sinceras só para abocanhar o voto do eleitor incauto. Bom, é difícil dizer que isso seja mentira, mas aí penso se não é trabalho de todo político e partido buscar sempre se reeleger, pelo menos desde a emenda da reeleição de 1996 (pois é, aquela).

Não votar em um governante porque suas ações políticas podem ser – e certamente – serão usadas como vitrine em algum pleito é um desafio de lógica para profissionais. Se o argumento de ser eleitoreiro é a melhor coisa que a oposição conseguiu para se contrapor ao governo, pode crer que eles ainda não aprenderam nada.

Não estou aqui dizendo que a política seja um lugar bonito e livre de segundas intenções e que governantes são todos uns pobres coitados injustamente incompreendidos pela população. Por exemplo, quando o Alckmin sai por aí inaugurando obras no Metrô, não penso que isso seja eleitoreiro. Só acho que não é mais do que sua obrigação, visto que seu partido está há trezentos anos governando São Paulo e menos de 2 km de linhas são construídas por ano, segundo a BBC. E com um escândalo nas costas envolvendo propinas e fraudes em licitações do Metrô e da CPTM, que tem respingado até no judiciário paulista, não usar o argumento da péssima gestão dos transportes para destruir qualquer fio de esperança de reeleição por parte do governador e do PSDB é loucura.

Agora, acusar de eleitoreiro é o mesmo que dizer nada. É se lamentar porque o cara está fazendo minimamente seu trabalho. Até onde eu sei ninguém foi eleito para ficar em casa jogando Minecraft. É como criticar o marronzinho que sai por aí multando motoristas. Pode não ser agradável, mas é legítimo.
 
Lógico que inaugurar obras do Metrô, fazer um discurso bonito e dar um rolê pelos vagões vazios é um negócio que pega bem nos jornais, e eleitoralmente também. Mas é assim que o jogo é jogado. Sem firula não tem graça e esse é o jogo do governante. A questão é o jornal ou o eleitor não questionar isso e aceitar passivamente. Neste caso, temos um problema.

Porque aceito ver qualquer porcaria em época de eleição, até mesmo curtiria ver uma pancadaria generalizada com cadeiras de metal voando pelo salão, só não quero ficar vendo acusações rasteiras e sem sentido sendo lançadas de um lado para o outro. Pois o candidato que acusa alguém de ser “eleitoreiro”, caso usasse a autorreflexão, veria que ele já fez coisas muito piores. Mas mesmo assim ele segue em frente. E nessa hora a retórica dá seu último suspiro e qualquer tentativa de debate é abortada.

O fato é que criar programas de governo e usar argumentos para vendê-los à população como algo positivo para o bem comum é algo difícil de se fazer nos dias de hoje. Há muita coisa acontecendo por aí: manifestações, black bloc, revoltas populares sangrentas, esquadrões da morte da polícia em plena atividade, leilão do pré-sal, e o caramba e explicar tudo isso em pouco tempo funde a cabeça de qualquer um. Apontar o dedo sujo para o outro e sair andando é sempre uma alternativa mais prática.
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