14 de fevereiro de 2009

A peleja entre Little Joy e Marcelo Camelo

Diferentemente do que o título possa sugerir, não farei aqui nenhum duelo de morte entre essas duas bandas/artistas. Fazer comparações do tipo “esse é melhor por causa disso ou daquilo”, e decretar um vencedor levantando seu punho cerrado aos olhos da plateia ensandecida, seria tão chato quanto inútil do ponto de vista musical, já que os dois têm estilos e propostas totalmente diferentes. Seria como colocar o Pink Floyd e o Ramones em uma rinha sonora. A ideia aqui é mostrar que os álbuns deles (Sou e Little Joy) são mais complementares do que antagônicos, mesmo que tenham bebido de fontes variadas.

A explicação para esse aparente paradoxo é óbvia. Ambos os CDs são resultado de projetos particulares dos dois principais mentores do Los Hermanos: Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante. E, lógico, embora tenham gostos parecidos, eles têm cabeças completamente diferentes. Talvez a melhor definição que já ouvi sobre isso foi em um bar, quando alguém disse: "O Camelo é mais intelectual do que músico, enquanto que o Amarante é mais músico do que qualquer outra coisa". Ou algo assim.

Na verdade, isso pouco importa. O fato é que ambos os álbuns são bons, mas como tudo é relativo quando se trata de música, vamos relativizar. Quem curte um MPB bom e diferente, vai curtir Sou. Mais ainda, quem gostou de 4, o último CD do Los Hermanos, vai, no mínimo, se identificar com este. Não tem o som pesado de "Horizonte Distante", mas é carregada daquela coisa intimista de "Dois Barcos" e "Sapato Novo". Agora, se Bloco do Eu Sozinho é o que mexe com você, possivelmente haverá pouca empatia.

As faixas são bem trabalhadas musicalmente, em parte graças à qualidade técnica do pessoal do Hurtmold, que faz o apoio. Já as letras seguem aquele espírito meio intelectual do ex-hermano. Não chega a ser um Chico Buarque, mas "Copacabana" é uma empolgante crônica do bairro carioca em ritmo de marchinha, enquanto que a bela "Liberdade" soa como uma ironia à essa dicotomia entre fingir viver e sonhar. Mas é lógico que as chances de eu estar completamente equivocado são altas. Em uma entrevista à Folha, ele falou que compunha meio que de improviso, jogando frases ao léu e montando seu próprio quebra-cabeça. Não sei se esse é o melhor jeito de escrever, mas para mim soa bastante interessante.

Ouvindo algumas vezes o disco, ideias estranhas pipocaram repentinamente. Com o tempo tive a percepção de que Camelo tentou fazer de Sou um Sgt. Pepper's da MPB. Uma hipótese herege para alguns, eu sei, mas que para mim faz sentido (talvez influenciado por um livro que li sobre essa mística obra da música pop). O fato é que o produtor, no caso o próprio Camelo, resolveu deixar algumas "falhas sonoras" no disco, como a conversa entre os músicos antes e depois das música, longos silêncios e efeitos de transição pseudo-psicodélicos entre as faixas. Coisa típica dos anos 60, quando a contra-cultura ditava regras de conduta aos descolados.

Ele também acrescentou, na faixa 9, a instrumental "Saudade". E, como se não bastasse, a faixa 13 é a mesma "Saudade", só que ao invés de tocada no piano, ela é acompanhada por voz e violão. E o acordeon de Dominguinhos, que faz participação especial em "Liberdade", não seria uma alusão à cítara de "Within You Without You"? E o quarteto de cordas em “Santa Chuva” à la “She's Leaving Home”? E o poema concretista na capa? Transgressão é pouco. Praticamente um tapa na cara da nova MPB, o que não quer dizer muita coisa.

Aliás, já que o assunto é anos 60, aproveitarei para falar do Little Joy, o projeto criado por Amarante, Fabrizio Moretti e Binki Shapiro, a namorada deste último. Logo depois de ouvir o disco inteiro, foi difícil não associar a banda com o Velvet Underground, só que (muito) mais despretensioso. Tanto que uma das faixas tem o ambíguo nome de "How to Hang a Warhol" (Como pendurar um Warhol, em tradução literal). Para quem não entendeu, uma vaga explicação: o artista plástico Andy Warhol foi o principal mentor e patrocinador do Velvet Underground, tanto que a banana estilizada desenhada na capa do mítico álbum Velvet Underground & Nico foi feita por ele. Pois bem, essa sensação de déjà vu se acentuou com as canções "Unattainable" e "Don't Watch Me Dancing", ambas cantadas por Binki, cuja voz lembra muito com a de Nico.

Mas, o disco é muito mais heterogêneo do que isso. Além de VU, outras influências se sobressaem. As primeiras faixas remetem ao som do The Kinks, do The Animals e até do The Beach Boys, se formos forçar um pouco. Depois, "Shoulder to Shoulder", "Keep Me in Mind" e "How to Hang a Warhol" tem muito da pegada do The Strokes. E a última canção, "Evaporar", é Los Hermanos puro.

Mas por ser um projeto -como já foi dito aqui- despretensioso, até que essa aparente falta de originalidade não incomoda tanto, principalmente, para ouvidos despretensiosos. Pois é um rock bem trabalhado e gostoso de se ouvir, como era feito nos saudosos anos 60. E há uma grande vantagem, a meu ver, neste disco, que é sua ótima qualidade de gravação. Apesar de serem um trio, Little Joy enche as músicas com sons: desde os básicos guitarra, baixo e bateria, até um ukelele, uma escaleta e diversos instrumentos de sopro e de corda. E toda essa babel foi muito bem captada e mixada pelo estúdio de gravação.

No caso de Sou, por haver talvez muita expectativa, e até alguma ambição exagerada, o resultado final pode ter decepcionado muitos, que esperavam de Camelo uma grande obra, como foi Ventura -e isso, definitivamente, o disco não é. Mas, se em 4 ele já decidira tomar um rumo diferente, quando adotou as guitarras havaianas e o som malemolente inspirado em Dorival Caymmi, não seria diferente em seu disco solo, em que até as marchinhas carnavalescas tiveram espaço. Está certo que, às vezes, ele abusa do rococó, como nas duas desnecessárias versões de "Passeando" e "Saudade", mas tudo bem.

O que importa é que tanto um quanto o outro possuem qualidades e defeitos que podem soar diferente dependendo do ouvinte. Cabe ao fã (ou não) do Los Hermanos decidir qual está mais próximo do seu gosto. Mas, interessante mesmo é ver que a principal semelhança entre Amarante e Camelo, que se tornaram amigos e colegas de trabalho, é o gosto pela música e por sons diferentes. Só que, enquanto o primeiro saltita de projeto em projeto (como na excelente Orquestra Imperial) sempre em conjunto com outros, o segundo chama para si a responsabilidade, correndo os riscos de pisar feio na bola.

Para ouvir:

http://www.myspace.com/marcelocamelo

http://br.myspace.com/littlejoymusic

O lance dos ingressos

Cortando o papo de primeiro post do ano e de que meu camarada aqui no blog não escreve mais no blog, e cortando o papo de feliz ano novo, porque feliz é o caralho.
Antes de mais nada, foda-se a nova regra ortográfica, e uma salva de palmas para o meu mau-humor, com hífen e a puta que o pariu.
Aqueles textos diplomáticos e corretos deixaram o BcF aporrinhador. O que estava faltando era apimentar a discussão com o bom e velho futebol. Parecia déjà-vu, mas aconteceu de verdade. Há não muitas postagens atrás eu falava da distribuição de ingressos em cotas, e cedo ou tarde as palavras te alcançam. Tudo o que leio a respeito sobre o clássico do dia 15 é sobre os malditos ingressos.
Todos já sabem a história. Antes todos os clássicos eram no Morumbi, o mando de campo era da Federação Paulista, que ficava com parte significante da arrecadação, depois dividida entre os dois times, e o que se via na arquibancada eram duas torcidas em um estádio dividido de forma igualitária. Eu sempre achei isso uma palhaçada. Eu que já fui em clássicos sem poder usar a camisa do meu time citaria Galvão e diria que “a física não permite” duas torcidas grandes em grandes números dentro do estádio.
A Federação escolheu ainda ano passado onde seriam disputados os jogos. A decisão do São Paulo em não ceder a carga costumeira de entradas se deve a inúmeras parcerias que o time tem feito e ações promocionais, como a venda do pacote para a primeira fase da Libertadores com o jogo de domingo de brinde, mas, logicamente, tem a ver com provocar o rival. Nos últimos anos os títulos somados à história deram essa característica arrogante ao torcedor e diretoria tricolor. É uma arrogância conquistada dentro de campo. Um direito que se põe em prática, resumidamente.
O destaque dessa história na mídia revolta. Na TV a cabo o São Paulo está certo. Na TV aberta está errado, e é uma afronta à nação corintiana. Esse é o tipo de coisa que se ouve na Gazeta, que apelou de vez para as massas (Vide a matéria em que chamam Kenny G de rapper, e não vou colocar o link porque sinto que os leitores querem tudo de bandeja e estão mal-acostumados). Na Globo, a transmissão do jogo começará com o narrador ou o repórter de campo explicando o desenrolar da história (“Antes do jogo houve a polêmica...” querem apostar?). Mas foi um baque tão grande assim? Para ser repercutido horas depois que o jogo acabar nas mesas redondas da vida, como indubitavelmente acontecerá?
Acho que a notícia é impactante porque o corintiano não faz a mínima idéia do que é ter um estádio. “Honestamente, nunca gerimos um estádio. Nem sabíamos que isso podia ser feito”. Mas o dono da casa escolhe a visita. Aí o Mano, muito malandro, diz que em qualquer estádio que jogar a torcida vai lotar. Então arrumem uma porra de um estádio próprio. Os caras pedem pra ser sacaneados...
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