14 de abril de 2011

"No one's getting this for free"

3 anos 6 meses 17 dias e 33 segundos depois de um riff interminável, muito por causa da ansiedade, a voz de Dave Grhol deve ter sido ouvida em muitos cd's, vendidos mundo afora.

Claro que não. Wasting Light vazou na internet antes da data prevista para lançamento e vários fãs puderam matar a saudade. O álbum ter vazado não foi nenhuma surpresa. É técnica boa e atual para promover álbuns, e bandas do calibre de Foo Fighters sabem que tem público para vender por quantia consideravelmente inferior na internet suas faixas e sair enchendo o bolso de dinheiro com shows caros mundo afora. Também não surpreende pois uma música já tinha sido lançada pelo grupo na internet ("White Limo", com direito à participação de Lemmy do Motörhead), além de riffs e teasers de 30 segundos de "Bridge Burning" e "Rope", além do clipe da última, com exclusividade da MTV e transmitido para o mundo inteiro via internet.

Além disso, o Foo usou a tal White Limo para fazer diversos shows nos Estados Unidos em algumas praças que eram definidas via twitter horas antes do som começar a rolar. $10 dólares por ingresso, 1 ingresso por pessoa, nenhum em casa de shows com capacidade astronômica. Mas agora que a poeira baixou, quem ainda fala alguma coisa do álbum? Ninguém.

Qualquer pessoa que conheça a banda deve concordar que dificilmente existe clima ou saco pra conseguir ouvir um CD inteiro do Foo Fighters sem pular duas músicas quaisquer. As letras das músicas, com algumas excessões, não chegam perto de fazer muito sentido e o forte deles nunca foi inovar. Mas a química funcionava muito bem e a cada dois anos a banda lançava um novo trabalho, com um pouco de mais do mesmo, algo que deve ser visto como um elogio aqui. Alguém pode argumentar que aos poucos o som foi ficando menos pesado, menos rock, mais água com açúcar, mas disso eu discordo. Com a excessão do CD acústico de "In Your Honor", que é muito bom, todos os discos conseguem balancear tranquilamente a equação pop/rock e agradar o ouvinte. Isso é fato. Você conhece alguém que não goste de Foo Fighters? Você pode conhecer alguém que não conheça, que não faça muita questão de ouvir, mas que não goste, do tipo Legião Urbana, é bem difícil.

Mas dessa vez os caras conseguiram criar uma coisa que nunca tinha acontecido antes, um CD que é entediantemente chato de ouvir. Talvez "Wasting Light" possa ser rebatizado "Wasting Time". Wasting Time gravando, Wasting Time produzindo e definitivamente Wasting Time ouvindo.

Mas não bastou lançarem um CD ruim, eles começam o álbum com as duas únicas músicas que prestam, e criam a expectativa de que o que você vai continuar ouvindo a seguir pode não estar no mesmo nível de qualidade, mas não deve ficar muito abaixo. Mas bem, eles devem ter enganado muita gente assim. Depois de Bridge Burning e Rope segue uma quantidade infinita de músicas cujo refrão me fazem lembrar Bon Jovi, e isso é o que eu posso dizer de mais agradável sobre as faixas. Nenhuma música específica do Bon Jovi, só aquela ideia de que a música que eu estou ouvindo poderia muito bem ter sido feita por ele. Elas são vazias na letra, longas na duração, repetitivas na guitarra e sem criatividade na bateria. O Foo Fighters lançou um CD que não parece Foo Fighters, e não fosse a voz de Dave e seus cada vez mais raros gritos guturais, alguém poderia até se confundir.

A impressão que fica é que não deveríamos esperar 4 anos para ouvir isso, ou que esperaríamos outros 4 para ouvir algo com o mínimo de qualidade que sempre houve no trabalho deles. E ainda, talvez tenham lançado o álbum só para manter as aparências. Dave Grhol já tocou no mesmo palco que várias lendas da música e sempre tem um projeto novo para trabalhar, o último sendo o "Them Crooked Vultures". Nate Mendel toca na Sunny Day Real Estate. Taylor Hawkins tem o Coattail Riders e Chris Shiflett integra o Jackson United e o Me First and The Gimme Gimmes. Todos estão ocupados com diferentes projetos e é normal que o Foo Fighters não seja a principal atenção em todos os casos. Mas a banda já tem 17 anos. Quantas bandas ainda existem por aí com tanto tempo de estrada que nunca fizeram um álbum pra ser esquecido? Bem, o Foo Fighters entrou mais nesse Hall da Fama.

Segue aí um faixa a faixa.

1 - Bridge Burning
Nenhum CD do Foo começa tão tradicional quanto esse. Começam as guitarras, entra a bateria, e meio minuto depois Dave. A expectativa funciona toda vez que você ouve. Empolga e prende a atenção.

2 - Rope
Na segunda faixa eles continuam acertando a mão, já mostra um estilo diferente na melodia, mas o peso da guitarra e o duo com a bateria na ponte para o solo e a volta do refrão colam bem com o resto.

3 - Dear Rosemery
Aqui começam a forçar a barra. Uma música de 4 minutos e meio onde tudo se repete. A construção de verso e refrão não tem nenhuma variação na harmonia e a letra, além de melosa, não tem mais que 45 palavras diferentes. Parece que apostaram para ver quantas vezes conseguiriam repetir as mesmas palavras. Dear Rosemery é igual Big Me. Talvez alguém vá falar que a música é bonitinha, mas ela só serve pra quebrar o ritmo das duas músicas anteriores. Nenhum outro CD do Foo Fighters tem uma terceira faixa tão ruim quanto esse.

4 - White Limo
É uma música engraçada. O clipe é divertidíssimo. Mas não faz nenhum sentido ter ela ali. Parece muito com Weenie Beenie. Curta o som e os gritos, dê umas risadas e acelere para a próxima faixa.

5 - Arlandria
Estava gostando bastante dessa música... até chegar no refrão. Aqui é que eu lembrei do Bon Jovi, então isso responde muita coisa.

6 - These Days
Outra baladinha. A música começa com um simples violão e voz, tenta esquentar, mas não sai do lugar. Prestando atenção na letra você começa a achar que esse CD parece coisa de dor de corno. Se você ainda não pulou para a próxima vai ver que o ritmo se perde de novo e volta pro violão e voz só pro Dave Grhol arranjar uma desculpa para sair dando um berrão animal.

7 - Back and Forth
É a música que dá um pouco de esperança caminhando para o fim do CD. Não é nada brilhante, mas é mais divertida, tem um ritmo mais intenso e, mesmo sendo também uma baladinha, tem um pouco de humor. "I'm looking for some back and forth with you". Faltou um solo melhorzinho.

8 - A Matter of Time
Essa música não faz sentido nenhum pra mim. Tem um instrumental confuso pra cacete com algumas quebras de ritmo estranhas. É só uma questão de tempo até ela acabar e todos sermos mais felizes.

9 - Miss the Misery
Está faltando pouco para acabar o CD, e Miss the Misery seria melhor valorizada se não estivesse do lado de tanto lixo. A música não consegue se destacar no CD, e o coro a la U2 não ajuda.

10 - I Should Have Known
Coloque qualquer outra pessoa pra cantar essa música e a última banda que vai passar pela sua cabeça na hora em que ela estiver tocando vai ser Foo Fighters. Uma coisa tão chata de ouvir não precisava de 4 minutos.

11 - Walk
Assim que você acabar de ouvir essa música, a primeira coisa que você vai pensar é: Hoje que todo mundo é mais crítico, gosta de ouvir algo bem produzido, consistente, em que a ordem das faixas é importante para manter a atenção e o interesse, como é que resolveram socar 11 músicas aí só pra ver no que ia dar? Walk fecha o CD e é uma música que lembra muito "New Way Home", mas pior. Aliás, The Colour and The Shape é o CD mais parecido com esse. Muita variação de ritmos, guitarras pesadas, baladinhas, um pouco de confusão e falta de ordem. Mas o segundo CD tem melhor repertório.

8 de abril de 2011

Quebrando a banca

Em certo momento da vida, Milton Friedman, nobel de Economia e tudo o mais, teve a ideia de que o melhor para todos era o mercado ser liberal. Em outras palavras, acabar com esse papo do Estado botando o bedelho onde não é chamado. A economia deveria ser livre, assim como são as pessoas. É fato que essa não era uma ideia nova, Adam Smith já tinha concebido o mesmo com sua laissez-faire, a mão invisível do mercado. Mas os EUA tinham acabado de enfrentar umas das mais graves crises financeiras de sua história, o crash de 29, e só evitaram uma catástrofe por causa da intervenção estatal no melhor estilo da escola keynesiana. De qualquer maneira, a ideia começou a tomar corpo no começo da década de 80, quando Margaret Thatcher, na Grã-Bretanha, e Ronald Reagan, nos EUA, promoveram uma série de reformas liberalizantes, cortando gastos sociais, diminuindo os impostos e desregulamentando o mercado.

Um salto no tempo, e na década de 2000 ninguém mais questionava Friedman e o liberalismo econômico. Aliás, quem era contra era alcunhado “viúva do muro de Berlim”. A economia do mundo inteiro estava se modernizando, as empresas estavam mais eficientes e novas tecnologias surgiam a todo instante e se popularizavam. A internet era a prova viva de que a liberdade individual de cada um criava um bem comum a todos. Países que fizeram medidas macroeconômicas liberalizantes, como a Irlanda, surfavam na onda da bonança financeira. Só que uma hora o sonho acabou e a realidade pareceu desagradável demais.

A Islândia, um pequeno país europeu, com poucos recursos naturais e quase esquecido se não fosse a Björk e o Sigur Rós, de repente quebrou. Sua economia, baseada basicamente em serviços, entrou num colapso financeiro. Os três maiores bancos estavam com dívidas externas impagáveis, maiores que o PIB do país. Como o governo não regulou as movimentações financeiras, todo o tipo de negociata foi colocada na mesa. Mas a crise na Islândia foi só a ponta do iceberg, a primeira pedra do dominó a cair, e o pontapé inicial do documentário “Trabalho Interno”, do norte-americano Charles Ferguson, vencedor do Oscar de Melhor Documentário em 2011.

Se foi merecido não sei, mas o fato é que bastante didático. Lembro que em um dos filmes do Zeitgeist é dito que o sistema financeiro é complexo por um bom motivo: se ninguém entende como ele funciona, ninguém vai contestá-lo. Mas “Trabalho Interno” mostra que o esquema financeiro é tão simples quanto o conto do vigário que os 171s aplicavam no centro de São Paulo. É tudo uma questão de parecer confiável, saber ludibriar a vítima e sair de fininho quando o estrago já tiver sido feito.

O esquema funcionava assim: 1) Desregulamentação do mercado 2) Criação de derivativos 3) ??? 4) Lucro fácil. Para o primeiro passo, só é necessário promover lobby com alguns politicos, incluindo o presidente da República, e fazê-los aprovar o fim de qualquer tipo de controle externo sobre o mercado financeiro. O segundo passo é mais complexo, mas vale a pena acompanhar.

Em uma situação normal, os bancos fazem empréstimos esperando que eles sejam pagos dentro do prazo estabelecido, sob pena do imóvel ser hipotecado. Pois bem, na época do boom imobiliário os bancos resolveram terceirizar as dívidas para maximizar os lucros. Em outras palavras, eles concediam empréstimos generosos e vendiam o valor a receber para bancos de investimento. Assim, eles não tinham que se preocupar em pegar a grana de volta, portanto quanto mais empréstimos eles fizessem mais grana entrava. E isso inclui a famosa categoria subprime, como são conhecidos aqueles não conseguem honrar suas dívidas.

No outro front, os bancos de investimentos pegavam essas dívidas, davam um nome legal (como CDO) e transformavam em derivativos – ou seja, novos investimentos. Daí vinham os bancos de classificação de risco, que analisavam esses produtos e davam uma boa nota, normalmente AAA, a mais alta que existe. Detalhe inusitado: os bancos de classificação de risco eram financiados pelos próprios bancos de investimento que criavam a coisa toda, algo como colocar o alcoolatra para cuidar da cerveja. A consequência disso tudo é que os produtos foram adquiridos por uma porrada de gente achando que aquilo era um belo negócio.

Até que chegou a bendita hora em que os subprimes não conseguiram arcar com suas dívidas. E sem grana, os investimentos não tem retorno. E investimento sem retorno é igual a lixo. E isso pegou muita gente de calças curtas. O que aconteceu depois todos sabem: o mercado financeiro perdeu credibilidade e os investimentos começaram a derreter como sorvete no verão, até o fatífico dia 15 de setembro de 2008, quando as ações da Lehman Brothers se reduziram a pó e levou o pânico aos investidores.

Karl Marx poderia estar rindo à toa, mas era lógico que quem pagaria a conta seriam os pobres proletários. E quem achava que Wall Street seria punida exemplarmente para as futuras gerações, mais um erro conceitual. Eles não só estão em liberdade quanto continuam usufruindo dos bônus generosos que ganhavam nos tempos de bonança. E aqueles que especularam para que os investimentos virassem água ganharam uma grana violenta. E isso é só uma pequena parte na extensa lista de injustiças.

O fato é que se a Justiça não quis fazer seu serviço, o cineasta pelo menos fez sua catarse. Como numa boa reportagem jornalística, ele deu chance para o outro lado se justificar, sempre, é claro, colocando-os contra a parede sempre que necessário. Os cínicos profissionais malufizaram com maestria, enquanto os mais fracos pareciam não domar a arte da mentira.

Lógico que chega uma hora que esse maniqueísmo todo torna-se questionável, do tipo “nós contra eles”, tão típico dos filmes do Michael Moore. E Fergurson chega ao ápice da apelação ao entrevistar uma cafetina que aliciava garotas para os executivos, em festas regadas a bebidas, drogas e fantasias sexuais malucas. Esse é o tipo de moralismo barato que faz sucesso na imprensa sensacionalista – e possivelmente o público adora – mas é desnecessário pintar um cara de devasso quando há outras coisas a debater.

Pode-se também questionar a edição do filme, mas aí já é um outro papo, pois a tal da objetividade jornalística é uma das maiores farsas da indústria. E na real, o que importa mesmo é o grande potencial de mind-blowing que o documentário consegue provocar mesmo em quem já tem alguma ideologia definida. Permanecer inerte é uma opção só para quem realmente não entendeu nada.

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