27 de abril de 2009

Obrigado por nada, indústria fonográfica

Na sexta-feira passada (17 de abril), a justiça sueca sentenciou os donos do site de torrents Pirate Bay a um ano de prisão por cumplicidade na violação de direitos autorais. Eles também deverão pagar multa de US$ 3,65 milhões às gravadoras, aos estúdios cinematográficos e às desenvolvedoras de games que entraram com o processo contra o site por perdas e danos. Os advogados de defesa deverão recorrer da decisão.

Apesar de toda a expectativa contrária, pelo menos da minha parte, a decisão já era esperada. Dentro dos tribunais, representantes da indústria fonográfica ganham de goleada da turma pró-download. O pioneiro Napster foi também um dos primeiros a experimentar o que é ser intimado pelas gravadoras. Em 1999, época em que a conexão discada era a lei, o criador do programa, Shawn Fanning foi condenado por violar copyrights e seu servidor foi fechado. Alguns anos depois, o Napster retornou das cinzas, mas totalmente desfigurado (pago e servindo de capacho da indústria), como se tivesse sofrido uma lobotomia. Limewire, Grokster, Morpheus e outros programas P2P também não tiveram muita sorte nos julgamentos e tiveram que ser desativados. Recentemente, no Brasil, a comunidade Discografias não aguentou a pressão das majors e teve que ser fechada -mas parece que está retornando aos poucos.

O caso do Pirate Bay tinha tudo para integrar essa lista -e de fato integrou. Mas a sagacidade dos réus levou esse julgamento a um novo patamar. Se o motor do site era a coletividade, nada mais lógico que os usuários ajudarem conjuntamente na defesa do site. Uma das ofensivas começou com a criação de um blog para acompanhar o andamento do caso, só que tudo narrado de um jeito muito sarcástico, como se tudo o que acontecesse lá fosse fruto de um grande circo -o que não deixa de ser verdade. Só é uma pena que boa parte dos textos tenha sido deletada.

Durante o processo, ficou evidente a ignorância das gravadoras quando o assunto é internet. O Pirate Bay teve até que chamar um especialista para explicar como funciona o sistema Bittorrent, explicando o porquê deles não poderem ser considerados culpados pelos downloads ilegais e que sua extinção não significaria o fim dos downloads. Seria o mesmo que acusar o Google de incitar a violação de direitos autorais só porque divulga links de sites de mp3. Coisas da web 2.0.

Para exemplificar melhor esse quadro e ainda fazer uma graça, a defesa usou o bizarríssimo argumento King Kong, que foi bastante comentado nos blogs: "É preciso haver uma ligação entre os perpetradores do crime e os usuários. Esta ligação ainda não foi comprovada. O promotor precisa mostrar que Carl Lundström (um dos criadores do PB) interagiu pessoalmente com o usuário King Kong, que pode muito bem ser encontrado nas selvas do Camboja". Pelo que eu li por aí, qualquer relação com a tese Chewbacca, do South Park, não é mera especulação.

Do outro lado, John Kennedy, presidente do grupo de gravadoras que entrou na justiça, deu seus argumentos contrários à distribuição ilegal de músicas na internet. Ele disse que as vendagens de CDs caíram, nos últimos dez anos, de US$ 27 bilhões para US$ 18 bilhões. Em 2001, o CD mais vendido daquele ano tinha comercializado 13 milhões de unidades, enquanto que, em 2008, o campeão Coldplay havia vendido só a metade disso. Certamente, a culpa é das pessoas que baixam arquivos pela internet e não a incompetência estratégica da indústria. Faltou pouco para o pessoal do tribunal passar uma sacolinha de doações para as pobres majors.

Este é o fim?
É chover no molhado dizer que a indústria fonográfica está em uma eterna crise. Acho que os fatos dizem por si. Mas não exatamente uma crise econômica, como se pode ver, e sim uma crise de identidade. Desde o começo da década, os analistas mais conservadores já davam como certo o fim da mídia física. Com o advento da banda larga, as coisas só pioraram para o lado dos produtores. Porém, ao que tudo indica, as gravadoras ainda estão aí, firmes e fortes.

É fato dizer que as gravadoras ainda vendem discos por causa de alguns poucos puristas, como eu, que preferem ouvir músicas em seu estado de natureza (entenda-se Lossless) a mp3 ultracomprimidos de 128 kbps, que conseguem fazer o prato de uma bateria soar como um "tssss" constante. Só isso pode explicar, já que os artistas não ganham nada por vendagem de discos mas por royalties, e mesmo assim eles ainda conseguem ser roubados. Portanto, comprar disco original só porque gosta da banda é um grande erro de lógica.

O fato é que as gravadoras precisam mirar no público certo, e o público certo é aquele que compra discos pela qualidade do produto e não porque está na moda, como se fazia anteriormente. É aquele mesmo cara que pode ficar horas discutindo a qualidade superior do vinil sobre o CD, ou que pretende trocar toda a sua coleção de DVD pela de Blu-ray. Nesse sentido, comercializar discos de qualidade superior, como a EMI pretende fazer com a remasterização do catálogo dos Beatles, é uma boa para ganhar uma sobrevida -inclusive quando se sabe que na internet já rolam arquivos em FLAC de alta qualidade dos LPs dos Fab Four que dão uma surra nos CDs lançados em 1987. E para o resto da patota, o negócio é investir em downloads pagos.

Confesso que até eu ri quando surgiu essa história de pagar para baixar músicas, mas hoje vejo que é um negócio tão louco que pode até dar certo. O Radiohead, o iTunes e o site Trama Virtual mostraram que isso é possível, cada um usando seu modelo, o que dá margem para a criação de outros métodos de comercialização via internet.

Agora, o que é imoral é o fato das majors investirem pesado para coibir a distribuição de músicas, sejam elas pagas ou não, e tratarem os usuários como criminosos periculosos, como faz nosso amigo abaixo.

Desenho feito por Dylan Horrocks. Tradução desconhecida

15 de abril de 2009

Jogador é jogador, músico é músico e jogador-músico é jogador-músico

Já ouvi o Washington cantando sertanejo, o Rogério tocando Pink Floyd e até o Pelé cantarolando em prol das criancinhas. De fato, futebol e música são tão próximos quanto Jorge Ben e o Flamengo. Mas, na crônica esportiva, poucos chegaram a estabelecer um elo definitivo entre esses dois universos, sendo que minha memória só consegue alcançar o nome de Ronaldo, goleiro ídolo/garoto-problema do Corinthians nos anos 90.

Em 1997, quando ainda atuava pelo time paulista, ele decidiu formar uma banda, alcunhada Ronaldo e os Impedidos, e que resultou em um álbum homônimo. É de se perguntar como é que ele conseguia treinar, ficar em concentração, jogar nos fins de semana e ainda sair em turnê, mas isso poucos podem responder. O caso é que a audaciosa empreitada artística provou de uma vez por todas que não é juntando duas coisas legais, como futebol e rock, que necessariamente vai resultar em algo bom.

Isso porque, no conjunto da obra, a qualidade musical do disco não passa do mediano, porém há um detalhe sórdido: o peso do lado exótico nisso tudo. Assim como essas bandas nada a ver de hoje em dia, como Cansei de Ser Sexy, Ronaldo e os Impedidos estavam envoltos por uma aura de ruidosa curiosidade, como se as pessoas se perguntassem: "Isso é para valer ou estão tirando uma com a minha cara?" Aos incautos, só restava arriscar e nem todos devem ter levado isso numa boa.

Por exemplo, parece faltar consistência ao som da banda. Tanto que um amigo meu disse, com absoluta razão, que parece aqueles grupos que tocam nos barzinhos de rock da 13 de Maio, em São Paulo. Não que isso seja muito ruim, mas também não é bom. Os Impedidos parecem ficar entre o blues, passando pelo hardrock dos anos 70 e desaguando vergonhosamente no pop rock dos anos 90, em que se mistura o pior do ska, do punk e do hardrock em um massa amórfica sem sabor. Mas para dizer que não falei das flores, o guitarrista solo é muito bom e consegue se destacar facilmente. Mas, no geral, sinto que faltou o dedo de um bom produtor nessa história.

O que impressiona mesmo são as letras, embora ainda não tenha certeza de quem seja o autor (inclusive, faltam informações confiáveis desse CD na internet. Sem falar que é impossível achá-lo no Mercado Livre, o que dá a impressão de ser tão raro quanto o mítico LP Racional, do Tim Maia). Lógico que é preciso levar em conta que o que estava em voga na época eram bandas como Companhia do Pagode, Tiririca e Katinguelê, então é difícil fazer uma comparação minimamente justa.

Em "Linda Mulher", a canção que abre o álbum, a banda faz uma homenagem ao filme Uma Linda Mulher (O RLY?). Na música, Ronaldo canta as agruras e os sonhos das mulheres da vida, com direito a uma frase filosófica: "Preço está no que se perde e não no que se vende", colocando uma pimenta na lógica marxista de que o trabalhador vende sua força de trabalho ao dono dos meios de produção. Nesse caso, a profissional estipula o preço não tomando como base seu valor produtivo, mas naquilo que ela poderia fazer se não estivesse trabalhando, o que não faz nenhum sentido.

Na segunda faixa, "Ouro no Dente", Ronaldo parece tratar de coisas ocultas, como aparições macabras no meio da noite em plena encruzilhada. Saca só o clima sinistro: "Começou a escurecer, fiquei com medo/ Sai correndo e me perdi", narra o ex-goleiro, ao ritmo de rock blues. Mas o detalhe inusitado é que o tal tinhoso tinha "ouro no dente". Lógico que o goleiro, que não é bobo nem nada, não ficou para perguntar e picou a mula sem olhar pra trás, deixando a besta-fera comendo poeira.

Na música seguinte, infelizmente, a banda destroi o clássico "Proud Mary", do Creedence Clearwater Revival, em uma versão bem mal-feita, então não vou nem comentar. Mas, em seguida está a canção de trabalho deles, "O Nome Dela", uma música de amor e amnésia (alcóolica, provavelmente). Tudo leva a crer que o cara estava tão loki que não lembrava nem do nome da garota e, certamente, tomou um pé na bunda da tal desconhecida -caso contrário, ela fez um péssimo negócio. Em se tratando de melodia é a melhor música do álbum, já que adota aqueles elementos básicos para uma canção de sucesso: refrão pegajoso, riff simples que atravessa a música inteiro, e o uso correto de backing vocals.

Na única balada do disco, "Mesmo que eu me engane", Ronaldo mostra estar mais angustiado do que um goleiro na hora do gol. Na real, essa música de amor, enfeitada só pelos acordes de violão, parece uma continuação da anterior, como se a sobriedade tivesse batido como uma pedra pesada, já que nessas horas o lamento é seu melhor amigo.

E para barbarizar, em "Rockixe"*, o polêmico goleiro parece rasgar o verbo para falar do universo das drogas, como o haxixe, que há anos alimenta o rock. Ao que parece, é uma canção cifrada e sem sentido, como fazia Bob Dylan antes de virar um coroa pé-no-saco. Portanto, isso pode derivar de acordo com as interpretações, mas um trecho específico parece mostrar qual é a real disso tudo: "Eu sou o anjo do inferno que chegou pra lhe buscar / Vim de longe, vim duma metamorfose / Numa nuvem de poeira que pintou pra lhe pegar". Muito tenso.

Como já foi dito aqui, o CD não tem nada de genial, nem mesmo uma canção que te faça cantarolar por horas a fio. Talvez por isso tenha vendido, segundo dados não-oficiais, cerca de 40 mil cópias, o que era igual a nada na era pré-mp3. Não sei ao certo o que aconteceu com as unidades não vendidas (há quem diga que elas foram enterradas em um deserto no Novo México, EUA), mas é bem provável que as poucas que foram adquiridas possam valer ouro no mercado negro. Ou isso, ou os compradores já se livraram de seus exemplares há bastante tempo.

Edit: Clique aqui para baixar o álbum completo.

*Descobri agora que essa música na verdade é do Raul Seixas.

6 de abril de 2009

Tempo para nada.

Muitas pessoas reclamam de “ter rotina” argumentando que o tempo passa mais rápido que o normal. Esta é a invenção do século. O tempo continua sendo contado por horas, e o dia sempre se forma das mesmas vinte e quatro delas. O raciocínio dos rotineiros é na verdade a derivação da ideia de que não existe tempo suficiente para se realizar todas as tarefas desejadas. O tempo é, em alguns casos, superestimado. Poucas pessoas percebem isso exatamente porque lhes falta tempo.

Difícil é o tempo de sobra. Quando não temos rotina e tarefas a coisa complica. É preciso pensar com cuidado tudo o que vamos fazer, pois devemos levar em conta a importância do ato caso fôssemos rotineiros. “Eu posso fazer isso, mas se eu fosse uma pessoa ocupada, sem tempo, provavelmente não o faria”.

Isso me aconteceu há algum tempo, e seguindo o pensamento acima resolvi ler um livro. Achei que um livro não seria perda de tempo caso eu não tivesse tempo para ler livros, pela importância cultural da coisa.

Não podia ser um livro da prateleira (empoeirada), pois isso me daria a sensação de que poderia ler um livro a qualquer hora que não aquela em que eu tinha tempo livre. Só o fato de achar que eu não perderia tempo era pouco, então como bom sovina que sou, decidi comprar um livro novo, e partir do princípio que caso eu decidisse cerrar a leitura antecipadamente não só perderia meu tempo (que exatamente por estar sobrando se tornou muito mais valioso) como também arcaria com o desperdício monetário.

Escolhi “A arte de produzir efeito sem causa”, do Lourenço Mutarelli, que trata justamente de um cara que perde o emprego e começa a ter tempo livre demais. É uma leitura simples e rápida. Júnior, o personagem principal, fica louco à medida que perde interesse nas coisas e começa a fazer nada (este é um trocadilho muito bom). No fim das contas eu gostei do livro. Não tinha lido nada do Mutarelli ainda, e o interesse só apareceu por causa d'O Cheiro do Ralo que vi no cinema. O melhor Selton Mello. O Mutarelli acerta o personagem aí: Todo mundo é um pouco louco, fetichista e paranóico com alguma coisa.

Quando sobrar tempo leio mais alguma coisa dele.
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