5 de maio de 2011

Como vencer um debate sem precisar ter razão

A internet não criou, mais ajudou a disseminar um arquétipo comum desde os tempos da Grécia antiga: o sofista de boteco. Essa figura que povoa o inconsciente coletivo é conhecida por manejar a arte da crítica pela crítica, lançando argumentos embasados somente no senso comum ou na pseudo-obviedade e cuja retórica serve apenas para mostrar uma posição qualquer de contrariedade, como se isso fosse uma prova de sua inteligência. Tal qual na Jornada do Herói, a retórica neossofista mítica segue algumas etapas universais que costumam se repetir, e isso vale tanto na internet quanto na vida real:

1) O lugar-comum: toda discussão vazia que se preze começa com um neossofista usando lugares-comuns para defender uma ideia. Brasileiro é folgado, classe média é alienada, político é corrupto, qualquer generalização cabe aqui. Quando algum incauto fisga a armadilha, a aventura começa.

2) A dialética minimalista: Diferentemente do método dialético habitual, o neossofista cria a maior quantidade possível de teses para que se criem cada vez mais antíteses. Isso porque se a discussão chegar a uma síntese, a coisa complica para o nosso anti-herói, então quanto mais teses forem criadas, melhor. A premissa básica dessa técnica é a de tomar posse do jogo, cadenciar a bola, tocando de lado e evitando os contra-ataques.

4) O rali: Outra técnica usual de um sofista é o de rebater todo e qualquer argumento adversários, por mais lógico que ele pareça. Se disserem não, diga sim. Se disserem sim, diga não. Não importa muito se o que o outro diz faz sentido, o importante é não dar munição ao inimigo.

3) Desvio da rota: Quando o sofista começa a perder o controle da situação e a discussão se aproxima do ponto central do debate, é hora de mudar de assunto. Como um zagueiro que despacha a bola para fora da área, o sofista cria um novo tópico completamente diferente do que estava sendo discutido. Essa medida de desespero serve somente para ganhar tempo já que o adversário continua na pressão dentro do seu campo.

5) Ataque ao argumentador: Chegamos ao clímax da trama. Quando a situação estiver crítica e nada mais funcionar, o sofista passa a atacar o argumentador ao invés do argumento. Normalmente, o primeiro passo é criticar a gramática do adversário. Depois, qualquer característica do seu modo de vida que não corresponda à moral e aos bons costumes está valendo. Se essa etapa não acontecer, possivelmente o debatedor não é um neossofista.

6) A martirização: Esse é o golpe mais sujo, mas também o mais fatal de um sofista – tipo o especial de apagar as luzes do Akuma. Nesse ponto do debate os argumentadores de ambos os lados já estão trocando insinuações e ironias, mas só o sofista usa esse artifício para acusar falta grave. A dor moral de ter sido insultado após distribuir acusações rasteiras a torto e a direito tem o objetivo de amolecer o coração da plateia ingênua, um último respiro antes do fim.

7) A última palavra: O archievement de um sofista é ter a palavra final de uma discussão. Nem que seja para escrever um simplório “ok”, o importante é ser o último a comentar. Uma outra saída é a de dar o ponto final no entrave unilateralmente, afirmando “não vou mais discutir esse assunto” ou algo do tipo. A derrota é óbvia, mas ter a palavra final é como perder de 1 a 0 do Barcelona: é muito melhor do que tomar de 5, mas ainda é uma derrota.
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