14 de janeiro de 2008

Uma retrospectiva musical tardia



Pretensioso que sou, estava para escrever esse post antes da virada do ano, mas por um capricho da natureza acabou saindo somente agora. Bom, a idéia aqui é pegar os cinco discos que eu ouvi pela primeira vez em 2007 (ao estilo Alta Fidelidade), com suas devidas críticas e seus comentários:

5. Novos Baianos - Acabou Chorare (1972)

Fazer listas ordenadas e criteriosas é sempre um problema, vide esta ao qual escrevo. Por isso, recebi com algum ceticismo a matéria da Rolling Stone que lista os 100 maiores discos da música brasileira. Acabou Chorare, segundo álbum dos Novos Baianos, lançado em 1972, ficou com a primeira colocação, deixando para trás Tropicália ou Panis et Circenses (2º) e Chega de Saudade, de João Gilberto (4º). Um fenômeno, eu diria.

Mas de qualquer modo, resolvi ouvir o disco e constatar com meus próprios ouvidos, e acabei reconhecendo a qualidade do álbum.

Acabou Chorare começa com duas músicas de sucesso: "Brasil Pandeiro" e "Preta Pretinha". A primeira foi composta originalmente nos anos 40, e foi indicada pelo pai da bossa nova e padrinho da trupe, João Gilberto. A segunda foi escrita por Luiz Dias Galvão para uma moça que ele conhecera no Rio de Janeiro e tocou sem parar nas rádios, assim como a faixa-título, "Acabou Chorare". Outros destaques são "Besta é Tu", "Swing de Campo Grande" e "Mistério do Planeta", que exibem a criatividade de Moraes Moreira na criação de melodias.

É interessante ressaltar que o álbum marcou uma época de transição musical dos Novos Baianos, em que eles deixaram a pegada rock mais de lado e, graças a João Gilberto, começaram a fazer experimentações dentro de ritmos nacionais, mais notadamente na bossa nova e no samba. Lembrando que, nessa época, havia uma rivalidade entre os partidários da tropicália e da bossa nova, e os Novos Baianos conseguiram transitar como ninguém pelas duas vertentes.

Mas, mesmo assim, é difícil dizer se a primeira colocação é merecida. Como diz o texto da Rolling Stone, essas listas são reflexos da época atual e da maneira como vemos o passado. E com todo esse revival setentista, acabou sendo natural a consagração de Acabou Chorare, um disco de altíssima qualidade e envolto por um grande hype.


4. Radiohead - In Rainbows (2007)

A jogada do Radiohead foi perfeita para o lançamento de seu sétimo álbum, In Rainbows. Chamaram a imprensa e anunciaram como divulgariam o trabalho: entre outubro e dezembro, qualquer pessoa poderia baixar o CD e pagar o valor que quisesse, inclusive zero real - o popular, na faixa. Nessa brincadeira, eles arrecadaram 3 milhões de libras só em downloads - o maior lucro da história da banda, sendo maior que a soma de todos os outros seis discos juntos. Isso porque o CD físico foi lançado só no começo de janeiro.

Para aqueles que resolveram contribuir pagando pelo download do álbum (não foi o meu caso), certamente valeu a pena. Segundo a imprensa especializada, o álbum é um dos melhores desde Ok Computer, a obra-prima do Radiohead. E, como em todos os CDs anteriores, eles conseguiram inovar novamente, porém deixando aquela marca inconfundível da banda.

Exemplo disso é a música que abre o álbum, "15 Step", que começa somente com samplers, dedilhadas na guitarra e a voz de Thom Yorke. À primeira vista nem parece Radiohead, mas com a entrada hipnotizante do teclado, próximo do fim da faixa, notamos o contrário.

Depois vem "Bodysnatchers", uma música ao estilo grunge psicodélico-caótico, com efeitos sujos na guitarra e nos vocais. Mais para frente temos "Weird Fish / Arpeggi", excelente canção progressiva que vai crescendo de intensidade aos poucos - começa com bateria, baixo e guitarra - até cessar e entrar em um grandioso solo.

A "House of Cards", uma das melhores do álbum, é uma baladinha de amor envolta de muito psicodelismo, efeitos eletrônicos e de um riff simples. Na canção seguinte, "Jigsaw Falling Into Place", eles novamente voltam a se basear no grunge.

Por fim, em "Videotape", a curiosidade fica por conta da semelhança da música com as do Coldplay, que por outro lado sofreu inspiração do próprio Radiohead. Em outras palavras, a criatura inspirou seu criador.


3. Vanguart - Vanguart (2007)

"Com ousadia, Vanguart vai da folk music à psicodelia". Foi com essa manchete, do Folha Online, que fui fisgado a conhecer essa excêntrica banda de Cuiabá (MT). Afinal, os caras misturam duas coisas ao qual aprecio musicalmente: a batida rancheira do folk, representada por Bob Dylan e Neil Young, e a construção musical bem trabalhada do rock progressivo, como do Pink Floyd. E toda essa mescla dá certo.

Não é a toa que os caras alçaram rápido a condição de grandes nomes do rock brasileiro atual, tocando no Tim Festival e até na Rede Globo. O som é de qualidade, a vocal de Hélio Flanders é de arregaçar e as composições são tocantes, tanto em português quanto em inglês ou espanhol.

O CD, distribuído pela revista OutraCoisa (aquela do Lobão), abre com "Semáforo", uma das melhores e mais conhecidas deles. Começa somente com o violão, bateria e voz, mas com o decorrer da música, baixo e guitarra entram e ganham espaço, com uma letra que beira o delírio. Depois segue o mais puro folk-rock com pitadas de punk em "Just to see your Blue Eyes see", e a country "Hey Yo Silver". Outros destaques são a latina psicodélica "Los Chicos de Ayer", a balada "Enquanto Isso na Lanchonete" e a incógnita "Cosmonautas".

Um fato interessante é que todas as músicas são diferentes uma da outra. "Cachaça", por exemplo, tem uma cara de canção pop com algo de rock dos anos 70, enquanto que "The Last Time I Saw You" lembra muito Bob Dylan, com um violão dando o ritmo preciso. Isso, logicamente, é fruto da gama das (boas) influências musicais da banda, como Beatles, The Beach Boys, Velvet Underground, Nick Drake e Raul Seixas. O resto é consequência.


2. Gotan Project - La Revancha del Tango (2001)

Em 2007, o trio franco-suíco-argentino Gotan Project fez duas apresentações no Brasil - ambas memoráveis, segundo a imprensa. Na primeira delas, em junho, fiquei curioso em conhecer uma banda que recebeu tantos elogios e destaque na mídia. Misturando tango (vem daí o nome Gotan) com ritmos eletrônicos, a sonoridade é única, com belos arranjos tirados do bandoneón, do violão, do piano, outros intrumentos de cordas e de samplers.

No disco de estréia, La Revancha del Tango, a mistura eclética de ritmos criou um som envolvente e, por vezes, dançante. Os solos do bandoneón são dignos de um solo de jazz (bem ao estilo Piazzola), enquanto que a base criada pelas batidas, pelos efeitos eletrônicos, pelo violão e pela marcação do baixo criam um clima de contemplação.

Apesar dos intrumentos darem vidas às músicas, o vocal de Verônika Silva ajuda a completar a harmonia. Em "Una Música Brutal", ela demonstra alguma sobriedade, deixando a emoção de lado. Já em "Vuelvo Al Sur", a canção que fecha o álbum, sua voz aparece repentinamente aos 3min28s, cantando com imponência: "Vuelvo al Sur / como se vuelve siempre al amor".

Também se destacam as músicas "Queremos Paz", "Santa Maria (Del Buen Ayre)" e "El Capitalismo Foraneo", além das covers "Chunga's Revenge", de Frank Zappa, e do filme "Last Tango in Paris".

De fato, o álbum consegue atrair a atenção tanto de quem não é fã de música eletrônica, quanto de quem nunca se interessou muito por tango - como é o meu caso. Acho que mesmo para os mais puristas, a experiência é, no mínimo, interessante.


1. Arcade Fire - Neon Bible (2007)

Quando surgiu na mídia, em 2005, o Arcade Fire mostrou que era muito mais que uma banda alternativa, vinda de um país alternativo no cenário musical (Canadá). Eles mostraram que tinha qualidade e inovações para mostrar. Uma delas é que os sete membros tocam praticamente todos os instrumentos. É como se o Carrossel Holandês de Rinus Michels fosse aplicado em uma banda. Isso sem falar na sonoridade sem equivalentes de suas canções, graças as influências musicais que vão do pós-punk dos anos 80, passam pelo o folk-rock e pelo rock experimentalista dos anos 70 e desembocam nas bandas alternativas contemporâneas, como Sonic Youth, Radiohead e Belle & Sebastian.

Por isso, a expectativa com o lançamento do segundo álbum da banda, Neon Bible, era grande. Mas mesmo sentindo a pressão que era preceder Funeral, o aclamado disco de estréia, eles parecem nem ligar para isso. A sonoridade continua complexa, com o acréscimo de um órgão, uma sanfona (de corda) nos intrumentos, uma orquestra sinfônica inteira, entre outros. O resultado são músicas menos catárticas e depressivas, como em Funeral, e mais bem trabalhadas sonoricamente.

Um dos resquícios dessa época é "Black Mirror", que abre o álbum. A canção possui uma letra sombria, assim como a harmonia carregada dos instrumentos, mas ao fim a música começa a ganhar imponência e força. Depois vem "Keep the Car Running", uma das melhores do álbum. Os acordes da sanfona de corda e a marcação pelas batidas de palmas e pelo baixo são simples mas perfeitos, e o tempo acelerado da bateria parecem realmente fazer a música correr.

A lado mais dark e dramático do Arcade Fire retorna com a canção "Intervention", no qual o órgão é quem lidera os arranjos. A letra é forte, inspirada na situação calamitosa do Haiti, onde nasceram os pais da vocalista e instrumentista Régine Chassagne: "We can’t find you now / But they’re gonna get their money back somehow / And when you finally disappear /
Will they say you were never hear?"

Mais para frente temos "The Well and the Lighthouse", uma música muito bem trabalhada e que alterna um começo rápido e frenético com um fim mais melódico e lento. Em seguida, está "(Antichrist Television Blues)", mais uma canção cheia de nuances e com fino trato na parte dos arranjos instrumentais e vocais.

A penúltima música é "No Cars Go", também uma das melhores do álbum e exibe o lado mais puro rock da banda, sendo rápido, sem muita frescura mas com um belo trabalho de arranjo. E para fechar o CD, a canção mais depressiva: "My Body is a Cage", tocada quase que totalmente no órgão.

Uma vez mais, o Arcade Fire mostrou, com criatividade e estilo próprio, porque se mantém como uma das melhores bandas da atualidade, e que seus discos já se tornaram verdadeiros clássicos na história da música.


Menção Honrosa:
Velvet Underground - Velvet Underground & Nico (1967)

Não há muito o que falar desse álbum, tão revolucionário para a música que é uma pérola de 1967, juntamente com Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, e The Piper at the Gates of Dawn, do Pink Floyd. Apenas leia e ouça.

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