28 de fevereiro de 2008

15 meses atrás...

Zapeando pelo meu login no computador da Cásper, eu encontrei um texto muito legal que fiz quando estava no segundo ano. Há (quase) exatos 15 meses, no dia 27 de novembro de 2006, eu precisava fazer uma prova substitutiva para a matéria Comunicação Comparada, na época ministrada pelo Luís Mauro, meu atual co-orientador do TCC.

Cheguei atrasado por causa do estágio, o qual completara um mês de labuta intensa, e fui até a minha sala, onde não encontrei uma alma viva por lá. Segui até a sala de Cultura Geral, onde ele costumava ficar, mas no meio do caminho trombei com o bendito. Dali mesmo, no corredor semi-vazio do 5º andar, ele me passou as instruções para a prova: um texto sobre o poder da mídia, usando exemplos reais.

Corri até o computador, esperei meia hora até ele iniciar e comecei a psicografar isso aí:


Conhecimento como verdade e poder

A imprensa de Gutemberg nasceu com uma razão de ser: compartilhar a informação, que antes era restrita aos copistas e monges na Idade Média, para o restante da população. Porém, ultimamente – do século passado pra cá – ela vem tendo um outro tipo de função para a sociedade. Hoje, a mídia dissemina a informação de uma forma rápida, instantânea ao fato, e sem analisar seu contexto, seu momento histórico ou sua história. A notícia tem sua razão de ser nela própria, sem que o conhecimento por completo seja oferecido ao leitor. E é aí que o perigo se esconde.

Jogando a informação no colo do leitor/ telespectador/ ouvinte, a manipulação de informação é mais fácil por parte da mídia. Nada impede que uma rede exponha um fato incompleto, caricaturado ou recheado de argumentos parciais para lubridiar o consumidor da informação sobre certo acontecimento.

É esse o tipo de poder que o filósofo Michel Foucault trata em seus pensamentos. Para ele, o poder não precisa ser autoritário para se estabelecer na sociedade. As inúmeras instituições que cerceiam a vida social das pessoas (família, igreja, imprensa) cada qual possui sua forma e sua intensidade de poder e de exploração do indivíduo. Além disso, o poder de uma instituição não se resume somente na força, mas também no uso do saber ou do conhecimento como arma.

Dessa forma, entende-se que a mídia detém um tipo de poder tão forte quanto a do Estado, já que tanto um quanto o outro podem entrar em conflito – culminando na derrota da democracia. Certos Estados autoritários e ditatoriais já tomaram o controle da imprensa, usando-o a seu serviço, e censurando os opositores. Durante o regime militar brasileiro, o grande porta-voz da ditadura era a Rede Globo, que tratava de omitir certos fatos para alienar a população, como no caso das Diretas Já.

Sendo fonte única e exclusiva de informação, a imprensa ganha dessa forma - atrelada ou não ao Estado - um poder maior do que lhe é verdadeiro. O conhecimento adquire um sentido único e sem contraposição, o que lhe torna autêntico sob a epistemologia de Platão, no qual só é real aquilo que se pode comprovar empiricamente. Quando existe uma unilateralidade por parte da imprensa – uma espécie de discurso comum – a informação adquire uma função de verdade absoluta, quase um dogma, que é difícil de ser desmentido.

Nos tempos de Vargas do pós Estado Novo e do pós-DIP, a imprensa gritava em uníssono contra seu governo democraticamente eleito, tendo somente o diário A Última Hora como apoiador do presidente. Mas o estopim foi o atentado contra o jornalista opositor Carlos Lacerda, alardeado pelos jornais como de autoria de Getúlio. A pressão contra ele foi tão grande que Getúlio se suicidou e, consequentemente, saiu do poder.

Fatos semelhantes ocorreram em 1964 e em 1992. Nos anos 60, a deposição de Jânio Quadros e João Goulart teve total aval da imprensa da época que, mais tarde, foi calada pela ditadura. Em 1992, com o escândalo envolvendo seu governo, Collor foi massacrado pela imprensa, o que foi um passo importante para o impeachment do ex-governador de Alagoas. Portanto, está mais do que comprovado a mídia tem o incrível poder de derrubar presidentes – e eleger, quando lhe convém.

Nota do ombudsman: Eu do passado, só duas coisas. Primeiro, dava para colocar muito mais exemplos da Rede Globo, como aquele caso da manipulação do resultado para governador do Rio, em 1982. E depois, esse finalzinho é bastante dispensável, além de errôneo.

PS: Esse post me lembrou essa tirinha do Calvin & Haroldo.

17 de fevereiro de 2008

O estranho mundo dos seguidores de Aldebaran pt.2

Era hora de forrar o estômago. Cheguei na barraquinha de yakisoba e pedi um yakisoba. Recebi como resposta: "Estamos sem yakisoba". Dei uma checada no estabelecimento de novo e avistei uma plaquinha escrito "Yakisoba". Antes que eu questionasse, com razão, a atendente se prontificou: "Nós ainda estamos preparando. Se quiser, você tem que ir até a barraca lá de trás", disse ela, como se estivéssemos dentro de um jogo de RPG.

Segui o caminho indicado pela moça. Trespassei por uma selva de pessoas e cheguei até as barraquinhas. Mas quando me dei conta, aquele mundaréu de gente parada na verdade era a fila para pegar o tal macarrão chinês frito com legumes ao molho de gengibre. E lá fiquei, plantado por um bom tempo. Certamente, aquele era um dos yakisobas mais demorados do universo. Meia hora depois e já tinhamos dado três passos. "É bom que seja o melhor macarrão do mundo", falei para o meu irmão.

Encontramos um lugar para sentar e degustarmos do tão aguardado alimento. Do banco, avistamos mais figuras inusitadas. Um tiozão gordo barbudo, de boné e óculos, fazia filmagens das moças em trajes indecorosos. "Não parece o Michael Moore?", perguntou meu irmão. "Hmm... certamente ele está querendo mostrar os malefícios da televisão nas crianças", respondi. Depois, apareceu um cara vestido de sacerdotisa do Ragnarok na nossa frente. "Não lembro de ter visto homens travestidos desde meu último carnaval em Tupã", pensei comigo. Mentira, na Festa à Fantasia da Cásper do ano passado também havia.

Muitas outras figuras bizarras marcaram presença, mas não me lembro de todas. Lembro de um moleque vestido de Sonic, que estava toscamente mal feito, como se ele tivesse virado carne moída pelo Dr. Robotinik. Certamente, não faria sucesso nem em uma festa infantil na Uganda. A única coisa que achei interessante foi o tênis All-Star pintado de vermelho, simulando os velozes sapatos do porco-espinho azul.

Não estávamos nem uma hora dentro daquele lugar e eu já queria mesmo ir embora. Me sentia completamente deslocado do ambiente, como o Corinthians quando vai jogar a Libertadores. Passar o dia em casa jogando Winning Eleven seria, de fato, muito mais prazeroso.

Depois do grude, fomos a um dos prédios principais da universidade. Meus irmãos iriam encontrar uma amiga que eles conheceram na internet, enquanto eu fiquei perto da escada curtindo o movimento. Depois de encontros e desencontros, eles encontraram ela. Era uma menina estranha, de movimentos lentos, cara de joelho e com a empolgação de uma estátua do Madame Tussauds. Só ganhou meu respeito tecnológico porque vestia uma camiseta do Cowboy Bebop, um dos melhores desenhos que já assisti -- e o que me motivou a ouvir jazz.

Com alguma facilidade, ela nos convenceu a irmos para um tal de animekê. Só pelo nome já se saberia o que estava por vir. Se karaokê já é algo que irrita em um certo nível de sobriedade, imagine isso com otakus. Por uma questão de práxis, resolvi conferir de perto esse negócio aí.

O local era um enorme auditório tipo estádio, com um palco logo abaixo. Acima, havia um telão estático e hipnótico, avisando que haveria a final do animekê no outro fim de semana. Aparentemente, o local estava lotado, mas conseguimos arranjar três lugares lá na frente. Já a amiga deles ficou para trás e nunca mais a veríamos (não que eu tenha ficado com algum remorso disso).

De fato, todas as minhas expectativas haviam sido cumpridas. Era como assistir o inferno de camarote. A brincadeira era muito fácil: os calouros eram chamados e eles tinham que cantar as músicas em japonês, sem acompanhamento nem nada, só usando uma colinha. Não tinha como não concordar que a qualidade sonora era sofrível, assim como a visual. A maioria dos cantores eram caras barbudos de cabelo comprido e camisa de heavy metal, cantando músicas que abusam do agudo e da melo-dramaticidade. As poucas meninas que cantavam eram igualmente estranhas. O destaque é uma candidata chamada de Sakura, que interpretava a música de maneira graciosa enquanto cantava, dando vários rodopios no próprio eixo e levantando as mãos para cima.

Uma das poucas coisas legais a fazer no animekê era usar as plaquinhas para zoar com os cantores. Meu irmão, sob meu auxílio, fez horrores nessa hora, aproveitando que estávamos nas fileiras da frente. Rápido como uma flecha, ele escrevia os insultos e subitamente levantava com a mensagem virada para trás, levando a galera ao delírio. Um dos mais interessantes foi a de um cantor que usava uma espécie de pochete / cinto do Black Kamen Rider. Meu irmão não pestanejou e mandou: "Não é o cinto do Batman?". Ah rapaz, duvidaram até da masculinidade do pobre homem.

Continua...

11 de fevereiro de 2008

O estranho mundo dos seguidores de Aldebaran pt.1

(Há certos locais que não é recomendável voltar, nem mesmo para uma reportagem gonzo.)

Havíamos acabado de sair de casa quando minha irmã avista, em algum farol fechado do Ipiranga, um menino baixinho usando óculos escuros e uma camiseta verde marca-texto do Batman, sendo levado por um pastor alemão, que tinha quase o seu tamanho, para um singelo passeio na Praça do Monumento. Quando olhei para aquela imagem ridícula, fiz uma cara de decepção e disse: "Acho que podemos voltar. Já vi coisas bizarras o suficiente por hoje".

Na verdade, aquilo era somente uma prévia das imagens excêntricas que eu veria naquela tarde. Depois de muito insistir, com ameaças veladas de mortes, minha irmã me obrigou a acompanhá-la no Anime Dreams, um desses eventos de anime onde os tipos mais ridículos da sociedade nerd juvenil se encontram para aprontar altas confusões que até Deus duvida.

Não que eu tenha algo contra os animes. Inclusive, existem muitos desenhos japoneses bons por aí, que valem muito a pena serem assistidos. Mas como diz o Mané, o grande problema dessas coisas legais são os fãs ortodoxos, que não sabem onde começa o cafona e onde termina o ridículo.

Sei disso pois já tinha ido uma vez a um evento em 2006, mas achei tudo tão boçal que nunca mais cogitei pisar nesse tipo de recinto. Mas o pior é que, desde então, os chamados otakus passaram a ganhar um espaço gigantesco na mídia, como se fizessem algo realmente importante, e se tornaram um novo símbolo de identidade juvenil (ou coisa que o valha). É quase certo que os otakus serão os emos do futuro, se já não o são. Por isso, resolvi ver de perto como está a cena agora.

Quando chegamos perto de onde desembarcaríamos, na Unicsul da Anália Franco, já era possível sentir o vil aroma da anormalidade, com pessoas estranhas andando livremente por todos o cantos, sem serem reprimidas por olhares de desdém. E algo que realmente me preocupou: não havia bares ao redor da faculdade. Essa era uma péssima notícia, pois era quase certo que cerveja não seria vendida dentro do evento -- informação que depois eu confirmei, com enorme pesar. Uma jogada arriscada seria ir ao shopping me embriagar (junto com os famosos boêmios de praça de alimentação) e tentar entrar trançando as pernas, mas até lá o efeito do álcool já teria se dissipado e a mim só restaria uma cara vermelha e uma bexiga cheia.

Entramos no evento. Já era possível ver dezenas de pessoas de bobeira, nos cantos das escadas e no gramado do campus, como em qualquer universidade normal, mas trocando os universitários fazendo algazarra por jovens criados a leite com pêra usando trajes bizarros.

Aliás, essa é uma faceta comum desses eventos. Especialistas dizem que os otakus encontram-se nesse tipo de manifestação para procriar, pois os otakus são o tipo de nerd que se relacionam afetivamente com outras pessoas -- o que invalida qualquer tese darwinista da evolução da espécie. Para isso, eles usam a mesma tática de conquista dos pavões, que enfeitam suas plumas para atrair o sexo oposto. No caso deles, o costume trivial é usar roupas e adereços que não fariam sentido nem em uma festa junina no interior, estranhos até mesmo para um show do Rogério Skylab. O lado bom é que não é difícil encontrar menininhas graciosas vestidas de colegiais. O lado ruim é que eu nunca atrairia a atenção das divinas damas com meu figurino (uniforme nº2 da Inglaterra de 2006, bermuda e meias pretas) -- a menos que eu usasse como adorno uma bandana do Naruto ou uma mochila cheia de chaveiros.

Naquela altura, meu estômago pegava fogo de tanta fome. Logo detectei as barraquinhas de quitutes na parte lateral do prédio. O espaço era ridiculamente pequeno, mas quebrava o galho. Segui então até o caixa, onde trocaria dinheiro de verdade por dinheiro fictício. A minha sorte é que o câmbio estava 1 para 1, mostrando que o neo-liberalismo ainda não havia chegado por aqui. "Chupa, Consenso de Washington", pensei.

Enquanto esperava minha vez na fila, ocorreu uma cena típica de abordagem usando plaquinhas como meio de comunicação, bastante comum por essas bandas. Uma menina gordinha de cara bizonha (mas com olhos verdes penetrantes) e de toquinha de otaku apareceu ao lado dos dois caras que estavam na nossa frente e levantou uma plaquinha que perguntava: "Eu sou kawaii*"? Um dos caras olhou para ela, analisou a pergunta da placa e respondeu: "Não. Desculpa", e deu uns tapinhas carinhosos na cabeça dela. Desapontada ao extremo, ela voltou para onde nunca deveria ter saído.

Continua...

*Kawaii significa, na tradução literal, algo bonitinho, gracioso. É bastante conhecido pelos otakus porque é costumeiramente dito nos animes, e os malditos fãs não teimam em repeti-lo ad eternum.
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