3 de março de 2009

Hunter Thompson e o fim da temporada de futebol americano

No dia 20 de fevereiro de 2005, Hunter Stockton Thompson estava no rancho de sua família, batizado de Owl Farm, na cidade de Woody Creek, em Aspen, onde passou confinado pelo menos nos seus últimos 15 anos de vida. Ele estava sentado em uma cadeira próxima à mesa da cozinha. Seu filho, Juan Thompson, sua nora, Jennifer, e seu neto, Will, estavam no quarto ao lado quando ouviram um som abafado, parecido com o de um livro caindo. Minutos depois, Juan saiu e viu seu pai desacordado, todo sujo de sangue, e uma Magnum .357 no chão. Na máquina de escrever à frente de Hunter, eles encontraram um papel escrito somente "Conselheiro" e "Feb 22 '05'". Aos 67 anos, Thompson, um dos grandes nomes do jornalismo americano, havia acabado de dar um tiro na própria cabeça, como fizera seu ídolo Ernest Hemingway. Uma carta endereçada à sua esposa no dia dos namorados foi considerada o bilhete de suicídio. "Sem mais jogos. Sem mais bombas. Sem mais andanças. Sem mais diversão. Sem mais natação. 67. Já são 17 anos depois de 50. 17 é mais do que eu preciso", dizia a carta, intitulada "A temporada de futebol americano acabou".

Era o fim de uma das pessoas mais exóticas a pisar na Terra. Um jornalista que não foi tão aclamado quanto Gay Talese, Truman Capote ou John Hersey – tanto que, na faculdade de jornalismo, só ouvi o nome de Hunter Thompson uma única vez, em uma única aula e de maneira tão superficial quanto no Wikipédia brasileiro –, mas quem se importa? O cara simplesmente criou o jornalismo gonzo e isso já basta para qualquer homenagem.

É pouco (pouco mesmo) dizer que ele foi o maior responsável para a criação deste blog. Talvez seja por causa dele que decidi enfrentar os quatro anos de faculdade para me tornar jornalista – mas isso ainda é incerto, preciso checar com algum psicanalista. Isso mesmo sabendo que, na prática, nunca colocaria o jornalismo gonzo em ação, exceto neste espaço livre para experimentações.

Pois é fato que tudo aquilo que Thompson inventou pertenceu a uma determinada época, no qual as coisas estavam sendo colocadas de cabeça para baixo. Era o começo dos anos 60 quando ele veio se aventurar no Brasil, para escrever no extinto Brazil Herald, um jornal em inglês para a comunidade norte-americana. Certo dia, seu chefe teve que viajar para o Chile e o então novato repórter ficou encarregado de cobrir um encontro de autoridades estadunidenses no Rio de Janeiro. Lembrando que o ano era 1963, época em que os militares estavam loucos para instaurar sua ditadura e combater os comunistas ou qualquer outra coisa que parecesse de esquerda, um senador mostrou-se preocupado com a América Latina. Thompson, então, resolveu barbarizar, logo no início da matéria.

“Senador Talmadge: 'Se as pessoas mudarem mais rápido do que os governos, isso só vai beneficiar Moscou'. Ninguém entendeu nada, mas deu pra perceber que o tom era sinistro”.

Em 1966, já de volta aos EUA, ele lançaria seu primeiro livro: "Medo e delírio sobre duas rodas", no qual o jornalista narra como foi viver durante um ano com os Hell's Angels, em meio a viagens para recantos escondidos, festas regadas a drogas e orgias e visitas inesperadas ao seu apartamento, que deixavam sua esposa e os vizinhos horrorizados. Só que a relação com a gangue acabou quando os Angels ficaram cismados com Thompson, achando que ele estava a fim de faturar em cima deles, e pediram uma porcentagem da vendagem do livro. Lógico que a discussão foi encerrada com uma porradaria sem tamanho, com ele sendo internado em um hospital.

Nessa época, seu estilo característico começava a transparecer. Ácido, irônico e narrado sob seu ponto de vista, o texto rendeu críticas positivas e começou a delinear aquilo que seria conhecido como jornalismo gonzo. Com o tempo, seu nome ficaria cada vez mais conhecido no meio, abrindo espaço para colaborações em publicações como Rolling Stone, The New York Times Magazine, Playboy e Esquare, o que o permitiu escrever reportagens sobre a campanha presidencial de 1972 e sobre a corrida Mint 400, que posteriormente se tornaria a viagem psicodélica a Las Vegas narrada no livro "Medo e Delírio em Las Vegas".

De fato, o ápice da carreira de Hunter Thompson realmente foi entre os anos 60 até o fim dos anos 70, época da contracultura, das mudanças de valores, das drogas e do nascimento do new journalism. Com a chegada dos anos 80, o conservadorismo da sociedade (e da juventude, principalmente) voltou com força avassaladora, vide a eleição de Ronald Reagan para a presidência dos EUA. Isso abalaria até o mais careta dos jornalistas. Depois disso, ele permaneceu confinado em seu rancho, escrevendo artigos sobre os mais diversos temas e brincando de golfe ao alvo com suas armas de ataque altamente mortíferas.

Uma banana para a posteridade
Mas, afinal, qual foi o legado deixado por Thompson às novas gerações de jornalistas? Se pensarmos bem, o cara foi bem sacana. É fato que o tal do jornalismo gonzo é impraticável por uma série de motivos. Primeiro, por uma questão de fé: até o momento só existiu um jornalista gonzo, que foi ele próprio. Para mim (e para muitos outros seguidores), a criação morreu com o criador e fim de papo.

A outra razão é puramente estilística: é impossível emular o estilo gonzo de escrever. Nem o melhor escritor do universo conseguiria fazer uma reportagem desse tipo sem que soe falsa ou fique com cara de imitação barata. Não foram poucas as vezes que li por aí um suposto texto gonzo e pensei: "Porra. Forçou a barra, hein, champz". Porque não é simplesmente escrever em primeira pessoa, isso Jack Kerouac e John Reed já faziam há bastante tempo. Tampouco fazer apurações chapado de peiote, como Aldous Huxley. Se havia alguma fórmula para fazer reportagens gonzo, Thompson levou para o seu túmulo, ao som de "Mr. Tambourine Man".

De qualquer maneira, escrever no estilo gonzo é algo fora de cogitação, embora bons escritores possam se inspirar nele para criar outros subgêneros do jornalismo literário. Acho que, no Brasil, o melhor que consegue aproveitar as "good vibrations" de Hunter Thompson é André Pugliesi, do Jornalista de Merda, que faz o melhor do jornalismo canastrão (no bom sentido). Só falta ele usar terno de linho branco, chapéu panamá e mascar um palito de dente. Seu estilo é autenticamente brasileiro, parece ter aquele gingado típico das rodas de samba do bairro da Lapa em meados do século passado.

Mas, no geral, o que se vê por aí são tentativas mambembes de se fazer reportagens gonzo, que mais se assemelham com um diário de bordo narrando algum perrengue bizarro. Arthur Veríssimo é o exemplo mais mortífero, pois possui uma capacidade única de estragar uma boa pauta com facilidade. Não sei como ele consegue dormir com um barulho desses. De qualquer maneira, penso que a maioria desses escritores/jornalistas esquecem que o primordial de qualquer texto é contar uma história (boa ou ruim, isso pouco importa). E não precisa nem ter começo, meio e fim, desde que faça o mínimo de sentido.

O desafio dessa geração pós-gonzo é saber se reinventar. Hunter Thompson não conseguiu e decidiu acabar com o mal pela raiz. Certo ele. Do jeito que as coisas andam sem graça e automatizadas no jornalismo, daqui a pouco engenheiros e advogados vão fazer nosso serviço para complementar o orçamento do lar. E garanto que farão um trabalho bem feito.

PS: Antes que algum incauto moralista venha apontar o dedo em minha direção, há de se fazer uma explanação. Definimos alguns textos como "gonzo" por pura falta de definição melhor e também para evitar confusões e explicações desnecessárias. O dia que alguém inventar um neologismo melhor, faremos a devida retificação. E assim como Pugliesi, tentamos o máximo escrever num estilo próprio que, ao mesmo tempo, tenha influências gonzonianas.

3 comentários:

Anônimo disse...

Porra, bróder... eu dando aquela zapeada na internet e caí por aqui. E nem sei como agradecer por você me pôr em tão alta conta. Massa mesmo. É por essas e outras que quando a galera me pergunta se o blog acabou digo que não, que só tá rolando um tempo. Quem sabe...

Se rolar, te aviso.

Ahh sim, claro... achei o post do Hunter excelente, não teria essa manha.

Abralho

Qualquer coisa: andrepugliesi@yahoo.com.br

Igor Nishikiori disse...

Porra, essa foi bizarra. Só falta o Arthur Veríssimo aparecer aqui querendo seviciar meu ânus.

No mais, obrigado pela presença e boa sorte com o blog, porque ele faz muita falta.

Anônimo disse...

Mestre vai ocupar a cátedra do velho Thompson no panteão jornalístico.

Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.