Em 1997, quando ainda atuava pelo time paulista, ele decidiu formar uma banda, alcunhada Ronaldo e os Impedidos, e que resultou em um álbum homônimo. É de se perguntar como é que ele conseguia treinar, ficar em concentração, jogar nos fins de semana e ainda sair em turnê, mas isso poucos podem responder. O caso é que a audaciosa empreitada artística provou de uma vez por todas que não é juntando duas coisas legais, como futebol e rock, que necessariamente vai resultar em algo bom.
Isso porque, no conjunto da obra, a qualidade musical do disco não passa do mediano, porém há um detalhe sórdido: o peso do lado exótico nisso tudo. Assim como essas bandas nada a ver de hoje em dia, como Cansei de Ser Sexy, Ronaldo e os Impedidos estavam envoltos por uma aura de ruidosa curiosidade, como se as pessoas se perguntassem: "Isso é para valer ou estão tirando uma com a minha cara?" Aos incautos, só restava arriscar e nem todos devem ter levado isso numa boa.
Por exemplo, parece faltar consistência ao som da banda. Tanto que um amigo meu disse, com absoluta razão, que parece aqueles grupos que tocam nos barzinhos de rock da 13 de Maio, em São Paulo. Não que isso seja muito ruim, mas também não é bom. Os Impedidos parecem ficar entre o blues, passando pelo hardrock dos anos 70 e desaguando vergonhosamente no pop rock dos anos 90, em que se mistura o pior do ska, do punk e do hardrock em um massa amórfica sem sabor. Mas para dizer que não falei das flores, o guitarrista solo é muito bom e consegue se destacar facilmente. Mas, no geral, sinto que faltou o dedo de um bom produtor nessa história.
O que impressiona mesmo são as letras, embora ainda não tenha certeza de quem seja o autor (inclusive, faltam informações confiáveis desse CD na internet. Sem falar que é impossível achá-lo no Mercado Livre, o que dá a impressão de ser tão raro quanto o mítico LP Racional, do Tim Maia). Lógico que é preciso levar em conta que o que estava em voga na época eram bandas como Companhia do Pagode, Tiririca e Katinguelê, então é difícil fazer uma comparação minimamente justa.
Em "Linda Mulher", a canção que abre o álbum, a banda faz uma homenagem ao filme Uma Linda Mulher (O RLY?). Na música, Ronaldo canta as agruras e os sonhos das mulheres da vida, com direito a uma frase filosófica: "Preço está no que se perde e não no que se vende", colocando uma pimenta na lógica marxista de que o trabalhador vende sua força de trabalho ao dono dos meios de produção. Nesse caso, a profissional estipula o preço não tomando como base seu valor produtivo, mas naquilo que ela poderia fazer se não estivesse trabalhando, o que não faz nenhum sentido.
Na segunda faixa, "Ouro no Dente", Ronaldo parece tratar de coisas ocultas, como aparições macabras no meio da noite em plena encruzilhada. Saca só o clima sinistro: "Começou a escurecer, fiquei com medo/ Sai correndo e me perdi", narra o ex-goleiro, ao ritmo de rock blues. Mas o detalhe inusitado é que o tal tinhoso tinha "ouro no dente". Lógico que o goleiro, que não é bobo nem nada, não ficou para perguntar e picou a mula sem olhar pra trás, deixando a besta-fera comendo poeira.
Na música seguinte, infelizmente, a banda destroi o clássico "Proud Mary", do Creedence Clearwater Revival, em uma versão bem mal-feita, então não vou nem comentar. Mas, em seguida está a canção de trabalho deles, "O Nome Dela", uma música de amor e amnésia (alcóolica, provavelmente). Tudo leva a crer que o cara estava tão loki que não lembrava nem do nome da garota e, certamente, tomou um pé na bunda da tal desconhecida -caso contrário, ela fez um péssimo negócio. Em se tratando de melodia é a melhor música do álbum, já que adota aqueles elementos básicos para uma canção de sucesso: refrão pegajoso, riff simples que atravessa a música inteiro, e o uso correto de backing vocals.
Na única balada do disco, "Mesmo que eu me engane", Ronaldo mostra estar mais angustiado do que um goleiro na hora do gol. Na real, essa música de amor, enfeitada só pelos acordes de violão, parece uma continuação da anterior, como se a sobriedade tivesse batido como uma pedra pesada, já que nessas horas o lamento é seu melhor amigo.
E para barbarizar, em "Rockixe"*, o polêmico goleiro parece rasgar o verbo para falar do universo das drogas, como o haxixe, que há anos alimenta o rock. Ao que parece, é uma canção cifrada e sem sentido, como fazia Bob Dylan antes de virar um coroa pé-no-saco. Portanto, isso pode derivar de acordo com as interpretações, mas um trecho específico parece mostrar qual é a real disso tudo: "Eu sou o anjo do inferno que chegou pra lhe buscar / Vim de longe, vim duma metamorfose / Numa nuvem de poeira que pintou pra lhe pegar". Muito tenso.
Como já foi dito aqui, o CD não tem nada de genial, nem mesmo uma canção que te faça cantarolar por horas a fio. Talvez por isso tenha vendido, segundo dados não-oficiais, cerca de 40 mil cópias, o que era igual a nada na era pré-mp3. Não sei ao certo o que aconteceu com as unidades não vendidas (há quem diga que elas foram enterradas em um deserto no Novo México, EUA), mas é bem provável que as poucas que foram adquiridas possam valer ouro no mercado negro. Ou isso, ou os compradores já se livraram de seus exemplares há bastante tempo.
Edit: Clique aqui para baixar o álbum completo.
*Descobri agora que essa música na verdade é do Raul Seixas.
Um comentário:
Como eu sempre digo, existe hora certa para as coisas. Ronaldo e os Impedidos, banda que eu nunca ouvi e admito não ter curiosidade em começar, é uma dessas bandas que surgiu em um momento inoportuno. Quero dizer, imagine a popularidade da coisa se já existisse um YouTube na época. Outro fator para o insucesso é a falta de preservação. Como você disse, é muito difícil encontrar um arquivo on-line.
E em último caso, talvez tenha faltado um pouco de ridículo. Agora mesmo revi o vídeo do Moskau. A banda ficou famosa 70 anos depois, mas a coroação uma hora chega.
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