15 de dezembro de 2009

O retrato de Susan Boyle

Acho que todo mundo sabe quem é Susan Boyle: aquela mulher feia e gorda que ficou famosa por ser feia e gorda mas ter uma baita voz. Pois bem, esse fait-diver ambulante recentemente lançou um CD, fato que foi noticiado com estardalhaço no mundo inteiro, mas que, aparentemente, poucos se prestaram a ouvi-lo, já que não lembro de ter lido de relance nenhuma análise séria por aí.

Então resolvi dar uma chance para Susan e conferir qual é a desse álbum. E a maior surpresa é que ele não chega a ser ruim e isso já é bastante coisa. A verdade é que ninguém (eu, pelo menos) esperava muito dela. Mas ela resolveu mirar para o pop, com covers de Rolling Stones ("Wild Horses"), Madonna ("You'll See") e The Monkees ("Daydream Believer") para atingir as massas ignárias e aculturadas que vivem em seu mundinho pós-YouTube (mas lógico que isso é pura especulação).

A grande verdade é que o disco não traz qualquer diferencial a não ser o tal fenômeno Susan Boyle. Todas as músicas seguem aquele estilão clássico modernoso, mas sem muita personalidade. O problema é que, embora Susan cante muito bem e todas as faixas sejam impecavelmente bem produzidas, na minha opinião faltou ousar mais, mostrar um estilo próprio – o que talvez ela não tenha ainda, já que se iniciou deveras amadurecida para a música. Não há qualquer alteração na melodia da voz, no estilo ou coisa assim – a única excessão é o jazz Cry Me a River, mas que ainda não bate a versão de Ella Fritzgerald. A impressão que fica é que "I Dreamed a Dream" é um álbum conservador para um público muito conservador.

Isso fica claro quando se compara as versões originais com as boyledianas. A interpretação do supracitado "Wild Horses", por exemplo, faixa que abre o CD, é interessante porque lembra pouco a do Mick Jagger e parece ter um toque mais pessoal (em entrevista, ela falou que se identificava muito com essa música). Mas, no restante, falhou-se enormemente neste sentido. O "You'll See" da Susan é quase o mesmo da Maddona – muito mais apoteótico, é verdade, mas em termos de ritmo e estilo são muito semelhantes. Ora bolas, isso até o Emerson Nogueira faz. Todo mundo sabe que o que torna uma versão cover legal é exatamente quando o artista dá uma cara pessoal à música homenageada, como faz o Me First and The Gimme Gimmes.

Mas é preciso reconhecer que o disco tem as suas qualidades. Como disse antes, a produção é bem feita e Susan tem talento. Portanto, não tem muito segredo: o produtor só precisa seguir o script e jogar com o regulamento debaixo do braço, sem precisar fazer grandes revoluções na mesa de som. Os arranjos, mesmo os feitos só pelo piano, são muito bons. Quando outros instrumentos se unem, o resultado fica quase cartático.

Para o bem ou para o mal, esse álbum de estreia mostrou a verdadeira face de Susan Boyle. Ela canta bem e de forma natural, mas seu estilo é cru. É óbvio que a gravadora quis lançá-la o quanto antes no mercado (ao invés de esperar ela se aperfeiçoar nesse aspecto) para aproveitar o máximo do fenômeno em torno de sua imagem – e, de quebra, descolar uma boa publicidade viral no vasco. Mas ele não deixa de ser uma boa opção de presente para o amigo secreto no Natal, ao lado de um disco do Roberto Carlos.

Diva?

Apesar de ter vendido bem, algo em torno de 700 mil cópias em uma semana,  a recepção dos críticos foi bem fria. A impressão que deu é que o pessoal considerou o álbum como mais uma desssas farsas da indústria fonográfica, do tipo Mallu Magalhães ou Lilly Allen, só que estas foram abraçadas pela mídia especializada. Não que Susan não seja uma farsa, mas tudo isso ajuda a mostrar qual é a real da música pop.

O fato é que em tempos de Auto-Tune saber cantar ou ter um mínimo de talento musical é um detalhe (Lady Gaga que o diga). Com algumas exceções, o que se dissemina no mundo pop é uma imagem estilosa, uma atitude de porralouquice e uma jovialidade rebelde de James Dean. Já Susan não passa de uma caipira de meia idade do interior da Escócia cujo único aditivo deve ser uma xícara de chá com leite.

Por isso, acho quase impossível que ela consiga uma carreira musical sólida. No futuro, será mais fácil lembrá-la pelo viral da internet do que pela sua música, como aconteceu com o Rick Astley. Pra piorar, é natural que o hype em torno desses fenômenos midiáticos descresça com o tempo (a exceção talvez seja o vídeo do Batima, que ainda me proporciona alguma alegria adolescente). Então, não foi desta vez que a cultura pop ganhou mais um símbolo da resistência dos feios. E isso tanto por defeitos próprios quanto por estar muito fora do tal padrão.

Ouça aqui.

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