13 de dezembro de 2009

O embosteamento crítico (crítico no sentido do pensamento, e não da urgência)

Ganhei uma assinatura da Veja. A lei dos bons costumes diz que não se deve reclamar das coisas que você ganha no vasco. Fazia muito tempo que não lia uma Veja. Ainda me surpreendo como eles conseguem arranjar conteúdo (ou não) para encher tantas páginas, e ainda por cima misturar com muito mais páginas de publicidade (uns 75% da revista). Mas de graça é de graça. Fui dar uma cagada e levei a revista comigo. Cagar é um momento de reflexão, nunca deve ser encarado como uma simples necessidade natural, e enquanto lia a Veja estava mais interessado nos meus próprios pensamentos do que estava interessado em ler.

Entre um movimento intestinal e outro apareciam umas matérias engraçadas. Não digo engraçadas em um sentido cômico. Engraçadas porque eu não imagino que uma revista que se leva a sério como a Veja pode publicar matérias desse naipe. Uma delas era sobre gatos e sobre o apelo kitsch dos gatos, que fazem deles um bicho popular. Eu particularmente acho gato um bicho meio filho da puta, talvez por isso eu tenha algum respeito por eles. A matéria queria explicar porque gatos fazem sucesso na internet e porque pessoas gostam de gatos. Eu me contento mais com a minha explicação. Pessoas gostam de gatos porque gostam. O fato do gato tocar piano ou ser "fofo" não faz uma pessoa gostar de gatos, a não ser que o gato aprenda a tocar Mozart para agradar seu dono, algo que eu acho difícil, porque, como diz a matéria, gatos não aprendem truques para agradar os donos.

Enfim... a mulher escreveu na matéria que os gatos ganharam um novo status na sociedade e a prova disso são os vídeos muito acessados na internet, mas o que acontece na verdade é que as pessoas assistem esses vídeos porque, porra, é um gato tocando piano. Se fosse um cachorro, uma calopsita ou um peixe de aquário tocando piano, os acessos iam ser os mesmos, e ninguém ia gostar mais ou menos desses animais por causa disso. O raciocínio é muito simples: As pessoas estão vendo coisas que elas não veem com frequência, coisas que elas nem imaginam com frequência. Pode ser um gato tocando piano ou podem ser duas garotas e um copo. O fato de muitas pessoas assistirem isso não significa que a partir de agora a sociedade dará o devido espaço às pessoas que comem merda. O fato é que, como diz o gênio do cinema, não há motivos para usar a internet se você não usa ela pra olhar as coisas estranhas e grotescas que você não faria.

Aliás, uma coisa muito legal que se pode aprender dos filmes do Kevin Smith é isso: Você pode conversar com seus amigos todo dia, e todo dia a conversa pode começar com um "tudo bem?" pulando para o futebol, pulando para algum assunto aleatório, pulando para a lembrança de alguma coisa fora do normal que aconteceu com vocês no passado e indo finalmente para o "vamos fazer isso de novo daqui a alguns dias" OU você pode falar "outro dia eu estava cagando, lendo a Veja, que por sinal ganhei uma assinatura gratuita mas nunca pagaria para receber na porta da minha casa, e li uma matéria sobre gatos, mas eu não estava prestando atenção direito na matéria, porque na verdade estava pensando em escrever um texto sobre a vez que eu caguei lendo a Veja que ganhei de graça, e aí pensei em várias piadinhas boas de se fazer, e fiz uma referência ao vídeo mais escatológico da internet e ainda consegui citar uma frase de um filme em um contexto pertinente". Ao passo que meu amigo pode responder: "Então, o Flamengo foi campeão esse ano" OU ele pode adotar uma conversa fora do padrão e dizer "Nossa velho, uma vez eu fui cagar, não estava lendo a Veja, mas naquele momento íntimo de reflexão pensei sobre isso que você falou: as pessoas seguem um roteiro para conversar com outras pessoas. Eu sempre quis saber como é ter uma conversa ao estilo Seinfeld". E eu responderia: "Talvez se todas as pessoas no mundo fossem comediantes stand-up isso mudaria. Mas o que falta mesmo é as pessoas serem mais abertas e receptivas para falar e ouvir sobre o que estávamos pensando enquanto cagamos".

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