16 de novembro de 2010

Resenha semi-sóbria: Scott Pilgrim contra o Mundo

Scott Pilgrim contra o Mundo é um belo filme, cara, não deixe de assistir. Pode ser por torrent ou o que for, mas não deixe de assistir. Se você curte quadrinhos, rock alternativo, videogame, comédia non-sense, a merda que for, assista. Vai perder um dos filmes do ano, fácil.

O lance do Scott Pilgrim é que a história é do caralho. Quando um roteiro é bom, esqueça, o filme tem tudo para não ser ruim. É como já dizia o grande Lars Von Trier em seu Dogma 95. A pegada tem que ser a história, não os efeitos gráficos, aquele lance hollywoodiano de som surround 5.1 e cortes ultrarrápidos nas cenas, fazendo com que não se saiba o que está acontecendo, mas ao mesmo tempo não te deixando entediado pois todo aqueles estímulos sensoriais criam uma profusão de informações que não querem dizer nada, mas que para o seu cérebro parece um monte de coisa legal e o caramba. Apesar de que Scott Pilgrim tem tudo isso aí. Cortes, sons, cores, efeitos especiais e música no talo. Mas também tem uma puta história, como já dizia Lars Von Trier, então tá tudo numa boa.

Gastei um tempão elogiando a história, só que é importante dizer que tudo isso se deve graças ao gibi. Scott Pilgrim, o gibi, é tremendamente bem elaborado. Nele tem todos aqueles lances da juventude. A questão dos relacionamentos fracassados, do amor platônico, dos amigos que te chamam de perdedor, das jogatinas de videogame, da vontade de montar uma banda e sair por aí tocando e fazendo sucesso. Tema mais universal que esse não existe, é a jornada do herói pós-moderno. Mas ao mesmo tempo, a história é totalmente psicodélica. Basicamente, Scott Pilgrim é um cara que, pra ficar com uma mina misteriosa, Ramona Flowers, precisa derrotar seus sete ex-namorados do mal, que possuem poderes sobrenaturais e uma sede de vingança que sabe-se lá de onde tiraram. Some a isso diálogos bizarros e uma dose sagaz de referências nerds e temos aí um belo filme, segundo a cartilha de Kevin Smith.

Tendo uma base dessas, o filme só não ficaria bom se o diretor errasse muito na mão. Mas o lance é que Edgar Wright não só captou a essência do gibi, com seu realismo non-sense, como adaptou a linguagem dos quadrinhos pro cinema. Por exemplo, as onomatopeias são usadas pra valer. Assim, quando o telefone toca, além de ouvir o barulho do telefone tocando, você ainda pode ler o triiiiiim em letras estilizadas saindo do aparelho. Sem falar nos sinais visuais com comentários que aparecem de tempos em tempos, como se houvesse um narrador onisciente a zombar de tudo e de todos. E tem ainda as piadas que são tão rápidas e certeiras quanto nas tirinhas de três quadros.

Lógico que como em qualquer adaptação existem diferenças com o texto do gibi e do filme. Tanto que eles até fazem uma piada sobre isso. Tem uma hora em que um personagem hipster solta uma frase solta mais ou menos assim: “A HQ é muito melhor que o filme”. Esse personagem é tipo aquele crítico mongol que acha que tudo o que ele fala é supercool quando na verdade é um monte de merda em estado de putrefação, mas que muitos caras tão idiotas quanto acabam caindo no conto dele pois não percebem que ele está falando é merda, e das boas, não uma merda qualquer.

Essa crítica à crítica faz sentido, porque é óbvio que muitos fanboys ortodoxos vão reclamar dizendo que eles mudaram um monte de coisa da HQ. Lógico que sim, porra, a HQ é gigantesca e o filme tem duas horas. Você quer que os caras façam que nem no Sete Samurais ou no Dr. Jivago, que tem umas quatro horas de filme, com direito a intermission pra galera fazer uma pausa espiritual e depois voltar sem compromisso? Nada contra, porque são dois filmões, estão no meu top 10 de grande filmes. Mas isso não rola hoje em dia. Talvez se eles dividissem a história no meio, como no último Harry Potter, mas o risco parece ser muito alto, já que a produtora pode tanto lucrar em dobro quanto fracassar em dobro. O que foi até uma decisão acertada já que Scott Pilgrim não foi muito bem nas bilheterias americanas e correu o risco de não estrear no Brasil – embora, tecnicamente, tenha estreado só em São Paulo e, ainda por cima, em duas salas. Mas voltando ao tópico, penso que a história no cinema ficou bem amarrada, mesmo omitindo ou alterando o texto do gibi, fazendo com quem nunca tenha lido curta tanto o filme quanto quem já leu.

Tem ainda a trilha sonora. Tem Beck produzindo o som do Sex Bob-omb, a banda de garagem do Scott que tem o típico som sujo de banda de garagem. Tem Frank Black, do Pixies, tocando a excelente “I Heard Ramona Sing”. Tem o Metric fazendo a música do The Clash at Demonhead. Tem o Broken Social Scene como o Crash and The Boys. E tem o Plumtree, com a música que inspirou o nome do personagem-herói, pois o autor do gibi, Brian Lee O'Malley, além de ser um baita nerd também é fã de rock e chegou a conhecer de perto a cena alternativa de Toronto retratada na história.

Por fim, o espírito é esse. O filme é bom, a adaptação é boa, lógico que o gibi é melhor, mas não vamos cair nessa tolice de crítico de bosta que gosta de falar merda como se fosse um negócio legal pra cacete, a trilha sonora é do caralho, os atores são do caralho, com Michael Cera interpretando Michael Cera. De qualquer forma, cara, pode escrever: Scott Pilgrim certamente ainda será comentado e lembrado por muitos anos, seja dentro do circuito indie-cult, seja no mainstream (aposto mais no primeiro).

Um comentário:

Andre Leite disse...

Hmmm não sei não. Vou ter que enfiar o pé da discórdia aí no meio.
Concordo com maioria dos argumentos. Destaco a edição do filme, que é inovadora, como tem acontecido em pelo menos algum critério com os filmes baseados em quadrinhos, e boas atuações (Michael Cera interpreta Michael Cera em toda a carreira dele), e a ideia de escalar o Superman e o Tocha/Futuro capitão América para trabalhar, fazendo parecer uma piadinha interna do mundo dos quadrinhos.
Mas daí pra falar que a história é sensacional e segura as pontas sem o resto, acho um baita exagero. O roteiro tem sacadas geniais de humor, mas a identificação com a história passou do tempo em pelo menos 10 anos. O seco da história é um romance barato como qualquer outro, e é exatamente porque adicionam uma caralhada de outros excelentes elementos é que ele fica bom. Mas enfim, essa é a opinião de quem não leu os quadrinhos, e isso faz toda a diferença.

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