3 de dezembro de 2013
PSDB é um moleque mimado
Se há algo de odiável na política brasileira é o PSDB. O PSDB é aquele moleque mimado do seu prédio/vizinhança/escola que só fazia merda, tocava o terror geral e que quando o caldo engrossava ia pra debaixo da saia da mãe se fazer de vítima. A mãe, óbvio, jamais questionou a inocência do filho, tão bonzinho e bem criado.
Até que esse moleque cresce, mas continua fazendo merda e vira um pária da sociedade. Um monstro das ruas, pronto para passar o trator em quem estiver por baixo e lamber as botas de quem estiver por cima. E junto com ele, uma turba ensandecida que aplaude suas insanidades e repete seus mantras e suas atitudes sem se questionar se isso faz algum sentido.
Quando alguns políticos do PSDB foram acusados de receber propina para fazer vista grossa no caso do cartel das licitações do Metrô e da CPTM, o partido não fez aquilo que sempre exige dos adversários quando se metem nessa mesma enrascada. Nenhum dos acusados foi afastado dos seus cargos ou deixou o sigilo fiscal ou telefônico ou qualquer coisa que pudesse comprovar sua inocência. Ao invés disso, eles acharam mais sensato acusar o acusador de complô e jogo político. Mais precisamente o PT, que, por acaso está no governo federal, e que por acaso é quem tem poderes sobre a Polícia Federal, que por acaso é especialista em investigações sobre crime de corrupção e lavagem de dinheiro. E por acaso, foi a PF quem investigou o escândalo do mensalão, cujo inquérito serviu de base para mandar altos dirigentes do PT para a cadeia, sem direito a recorrer em segunda instância.
Então, eu penso aqui com meus botões se talvez a Justiça da Suíça e da Alemanha também têm ligações com os petralhas. Porque no outro lado do Atlântico as investigações estão bastante avançadas e, logo logo, o bicho pode pegar geral pro lado dos tucanos. Isso se a Justiça Federal de São Paulo colaborar, mas isso são outros quinhentos. O fato é que a cúpula do PSDB que está reclamando de falta para cartão em um lance normal de jogo ainda não ofereceu qualquer outro argumento para se contrapôr às acusações. E também não mostrou nenhuma alternativa à opção de se abrir uma investigação na Polícia Federal. Se eles fossem um pouquinho mais cínicos, poderiam propor uma CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo, tal qual aquelas que nunca foram abertas desde que o PSDB tomou posse no Estado - e lá se vão quase duas décadas.
E no fim de semana, como acontece de tempos em tempos, algum jornalão deu espaço para o FHC falar, e a maior contribuição que o mais admirado e respeitado político tucano poderia fazer ao debate político é dizer que seu partido sofre preconceito ideológico. Sim, o cara que já escreveu dezenas de livros sobre sociologia e que foi presidente em um momento chave da história nacional, só teve capacidade de trazer de volta o espectro da Guerra Fria. Isso deve ter fundido a cabeça de muita gente que acha que esse papo de ideologia não existe, esquerda e direita é coisa do passado, fim da história, político bom é político que faz e etc, etc, mas não é como se esse tipo de detalhe fosse ser levado em conta pelos nossos analistas políticos.
A imprensa, aliás – aquela que bateu palmas quando os movimentos “anticorrupção” foram para as ruas na onda dos verdadeiros movimentos sociais durante as jornadas de junho, e que alçaram Joaquim Barbosa, o Batman brasileiro, ao status de grande herói nacional, o único homem que faz a lei ser cumprida para todos, doa a quem doer –, achou que a apreensão de um helicóptero com 400 quilos de cocaína na fazenda de um deputado mineiro filho do senador braço direito do presidenciável tucano Aécio Neves não era um assunto tão relevante assim.
Até acho que o Aécio nem seria tão prejudicado assim com esse caso se a imprensa não tivesse feito esse jogo suspeitíssimo de sumir com os fatos, o que faz parecer que a ligação das pontas dessa história tem algum sentido. Jogaram na roda até o primo do Aécio, um tal de Tancredo Aladin, que foi condenado por fazer parte de uma quadrilha que vendia sentenças favoráveis a traficantes em Minas.
O lado bom disso tudo, pelo menos para ele, é que nenhum articulista da grande imprensa ousou sequer mencionar o nome do presidenciável ao comentar o caso do helicóptero. Mas talvez uma hora isso aconteça. E a culpa será do PT.
13 de novembro de 2013
Uma volta no Planeta Terra
Prometi a mim mesmo que não iria escrever sobre o Planeta Terra, primeiro porque certamente há textos por aí muito melhores e mais completos sobre o festival escrito por pessoas muito mais habilitadas para fazê-lo do que eu, e segundo porque não queria fazer qualquer coisa que soasse próxima daquilo que os malditos jornalistas ditos musicais gostam de fazer por aí, seguindo as regrinhas das conceituadas e endeusadas revistas gringas, batendo palmas para os favoritos do Pitchfork e abusando dos termos bizarros e da cretinice rebuscada nas resenhas ao invés de fazer o básico, o arroz e feijão da crítica musical.
Ok. Mas o fato é que as coisas foram além do combinado desde o começo. Os shows foram muito bons, o clima estava quente, mas deu uma amenizada, o local escolhido também ajudou, e ir e voltar de metrô de um show é sempre algo positivo. E ainda tivemos Blur e Beck quebrando tudo em cima do palco, fãs da Lana del Rey fazendo um alegre piquenique e deixando o ambiente mais bonito e a sempre velha desculpa para usar entorpecentes legais e ilegais, tudo isso enquanto rolava uma sonzera de fundo no momento em que você só quer saber se vai dar tempo para ir ao banheiro, voltar para pegar uma cerveja e ir para o outro palco ver o próximo show.
Tudo isso é o clima de um festival, acredite. É o tipo de experiência que faz sentido para quem quer sair para curtir uma música. Se por um lado shows individuais são melhores para quem é fã do artista, principalmente para um artista que sabe fazer shows, os festivais são legais como uma experiência em si mesma. Públicos se misturam e personagens loucos aparecem, tipo o cara que estava fazendo cosplay do Liam Gallagher circa 1995, ou o maluco que levou uma bandeira do Vasco e ficou levantando ela no meio das apresentações. E há lógico aquela galera que não sabe o que está fazendo lá, mas é aquela história: pagou o ingresso, faz o que quiser.
Mas vamos falar do que importa. Pisei dentro do evento e já dava para ouvir o Palma Violets fazendo uma barulho num dos palcos. O público ainda era escasso e estava mais curioso do que apreciando, mas a banda não estava nem aí. Mostraram que tem boas músicas na manga e uma bela qualidade sonora. Mas eles ainda são novos e se tem uma coisa em que a experiência ainda conta é para ter presença de palco e ser goleiro de time grande. Por isso esse tipo de show funciona melhor em espaços pequenos, tipo Cine Joia ou Beco, onde a banda tem mais chances de crescer e agitar mais o público.
Era um bom esquenta, até mesmo para o que ia rolar depois: Travis. Aí sim, uma galera experiente. Eles sabem como fazer um show, são simpáticos e amáveis com o público e certamente agradaram os fãs, que cantaram junto em diversos momentos. Mandaram algumas boas canções no começo e depois emendaram com alguns hits mais deprê, mas aí parei de prestar atenção e fui descansar em meio ao chão de pedregulhos, mas quem viu ficou feliz, segundo os relatos. Mas nada disso era minimamente próximo do que rolou em seguida.
Lana del Rey tem um público cativo e uma bela saúde. E a meninada ficou louca quando ela subiu ao palco, todo adornado com palmeiras. Entrou em estado de catarse quando ela se aproximou da grade e ficou uns bons minutos lá, sendo praticamente venerada. Era como uma estrela de cinema, ou algo do tipo, em meio a uma plateia ensandecida para tocar seu ídolo. Da minha parte, queria tocá-la de outro jeito, e como isso não era possível, fomos embora para ver o Beck.
Ainda estava na fila da cerveja quando Devils Haircut já soava no palco. Me pergunto que tipo de monstro faria algo desse tipo? Começar qualquer show com Devils Haircut é não ter compaixão com o coração fraco alheio. De qualquer maneira perdemos a música, mas a sequência foi arrebatadora com Novacane e One Foot In The Grave na gaita, e Loser, a canção-hino de uma geração bem
esquisita, sendo cantada em coro.
De novo bato na tecla do cara que tem experiência e sabe como conduzir seu público com maestria. Ele usa o palco para hipnotizar a plateia e fazer dela seu servo particular. Deitado sobre o palco, Beck conta histórias de como é sair dos EUA em turnê, chegar à América do Sul longe de tudo e todos, tocar no Chile, na Argentina e no Brasil, e depois emenda: “Alguém aqui quer ser meu amigo?”, no que todos respondem em uníssono: “Sim!”. Nada mal, seu loser. E em dado momento, ele lança a belíssima Lost Cause e saca da manga um Billie Jean, dele mesmo, o Michael Jackson, mas nessa hora estava de novo preso na fila da cerveja. E como se ainda precisasse finalizar em alto estilo rolou o What’s is At? só para quem acha que ele não tem bons hits para tirar da cartola e fazer a alegria da moçada. Tomara que ele tenha se divertido, porque me diverti pacas.
A verdade é que qualquer coisa depois disso seria lucro. O Blur poderia ter tocado três músicas e ido embora que ainda teria sido um dia bacana. Mas não, os caras acharam de bom tom entregar tudo aquilo que eles tinham, e isso realmente era o mais sensato a se fazer. Eles começaram com Girls & Boys, do Parklife. Maravilha. Eles só quiseram tirar o atraso de anos sem vir tocar no Brasil com a faixa que abre o melhor CD deles. Se isso não eleva a expectativa a níveis desnecessariamente altos, não sei o que mais faria.
Algumas canções, depois de Beetlebum, eles emendam duas obras primas do 13: Coffee and TV e Tender, e este foi um momento insano, senhoras e senhores. Uma sensação estranha sobe pela espinha só de lembrar. Os primeiros acordes de Tender estavam sendo tocados quando o público já cantava em alto e bom som: “Oh my baby, oh my baby, oh my”. Damon Albarn não tinha muito o que fazer nessa hora. Graham Coxon continuou tocando sua guitarra, daquele jeito como quem está alheio ao que está acontecendo à sua volta. Todos aguardavam o momento certo para entrar. Poderia ter demorado cinco, dez minutos, tanto faz, o tempo já não fazia mais sentido. Mas foi então que Albarn começou: “Tender is the night…” e aí não havia como parar.
Até que veio o refrão (“Come on, come on, come on, get through it...”) sendo entoado como um mantra que poderia ter sido ouvido até pelos confins da zona sul da cidade. Se a banda tivesse parado de cantar, é certo que ninguém notaria. E isso até aconteceu no finalzinho da canção, quando a parte instrumental continuava viva por um tempo e a galera mandava "Oh my baby" sem parar. Quem não curtiu esse momento pode ter certeza que não entendeu nada.
Se o show estivesse acabado ali, todos poderiam sair de lá contentes e realizados. Mas ainda tivemos Parklife, End of a Century e, claro, Song 2, no qual, por instinto, fui envolvido em uma bate-cabeça brit-pop hardcore que há anos não entrava. Pessoas ao redor não pareciam ter curtido essa explosão de irracionalidade sem sentido e sanguinária e começaram a se afastar da nossa roda. Mas todos sabem que a roda de pogo é o supra-sumo da violência pacífica, tanto que minha única sequela foi uma dor nas costas (que já me incomodava desde o começo do dia, importante ressaltar) e uma breve falta de ar. O tempo faz mal às pessoas, pelo menos no meu caso.
5 de novembro de 2013
Minha defesa aos candidatos eleitoreiros
A cobertura das próximas eleições é um belo exemplo do espírito do nosso tempo, em que gritos de sem partido são a grande máxima do pessoal politizado, seja nas ruas, seja no Facebook.
Daí abro as páginas dos sites de notícias e vejo que cada notícia relevante do governo é acompanhada das palavras “de olho em 2014”, “mirando a reeleição”, “eleitoreira” e por aí vai. São palavras fortes. Elas costumam deixar uma péssima impressão no cidadão, que se sente ultrajado e enojado, como se o governo tentasse manipular sua mente vendendo boas ações bonitas e sinceras só para abocanhar o voto do eleitor incauto. Bom, é difícil dizer que isso seja mentira, mas aí penso se não é trabalho de todo político e partido buscar sempre se reeleger, pelo menos desde a emenda da reeleição de 1996 (pois é, aquela).
Não votar em um governante porque suas ações políticas podem ser – e certamente – serão usadas como vitrine em algum pleito é um desafio de lógica para profissionais. Se o argumento de ser eleitoreiro é a melhor coisa que a oposição conseguiu para se contrapor ao governo, pode crer que eles ainda não aprenderam nada.
Não estou aqui dizendo que a política seja um lugar bonito e livre de segundas intenções e que governantes são todos uns pobres coitados injustamente incompreendidos pela população. Por exemplo, quando o Alckmin sai por aí inaugurando obras no Metrô, não penso que isso seja eleitoreiro. Só acho que não é mais do que sua obrigação, visto que seu partido está há trezentos anos governando São Paulo e menos de 2 km de linhas são construídas por ano, segundo a BBC. E com um escândalo nas costas envolvendo propinas e fraudes em licitações do Metrô e da CPTM, que tem respingado até no judiciário paulista, não usar o argumento da péssima gestão dos transportes para destruir qualquer fio de esperança de reeleição por parte do governador e do PSDB é loucura.
Agora, acusar de eleitoreiro é o mesmo que dizer nada. É se lamentar porque o cara está fazendo minimamente seu trabalho. Até onde eu sei ninguém foi eleito para ficar em casa jogando Minecraft. É como criticar o marronzinho que sai por aí multando motoristas. Pode não ser agradável, mas é legítimo.
Lógico que inaugurar obras do Metrô, fazer um discurso bonito e dar um rolê pelos vagões vazios é um negócio que pega bem nos jornais, e eleitoralmente também. Mas é assim que o jogo é jogado. Sem firula não tem graça e esse é o jogo do governante. A questão é o jornal ou o eleitor não questionar isso e aceitar passivamente. Neste caso, temos um problema.
Porque aceito ver qualquer porcaria em época de eleição, até mesmo curtiria ver uma pancadaria generalizada com cadeiras de metal voando pelo salão, só não quero ficar vendo acusações rasteiras e sem sentido sendo lançadas de um lado para o outro. Pois o candidato que acusa alguém de ser “eleitoreiro”, caso usasse a autorreflexão, veria que ele já fez coisas muito piores. Mas mesmo assim ele segue em frente. E nessa hora a retórica dá seu último suspiro e qualquer tentativa de debate é abortada.
O fato é que criar programas de governo e usar argumentos para vendê-los à população como algo positivo para o bem comum é algo difícil de se fazer nos dias de hoje. Há muita coisa acontecendo por aí: manifestações, black bloc, revoltas populares sangrentas, esquadrões da morte da polícia em plena atividade, leilão do pré-sal, e o caramba e explicar tudo isso em pouco tempo funde a cabeça de qualquer um. Apontar o dedo sujo para o outro e sair andando é sempre uma alternativa mais prática.
Daí abro as páginas dos sites de notícias e vejo que cada notícia relevante do governo é acompanhada das palavras “de olho em 2014”, “mirando a reeleição”, “eleitoreira” e por aí vai. São palavras fortes. Elas costumam deixar uma péssima impressão no cidadão, que se sente ultrajado e enojado, como se o governo tentasse manipular sua mente vendendo boas ações bonitas e sinceras só para abocanhar o voto do eleitor incauto. Bom, é difícil dizer que isso seja mentira, mas aí penso se não é trabalho de todo político e partido buscar sempre se reeleger, pelo menos desde a emenda da reeleição de 1996 (pois é, aquela).
Não votar em um governante porque suas ações políticas podem ser – e certamente – serão usadas como vitrine em algum pleito é um desafio de lógica para profissionais. Se o argumento de ser eleitoreiro é a melhor coisa que a oposição conseguiu para se contrapor ao governo, pode crer que eles ainda não aprenderam nada.
Não estou aqui dizendo que a política seja um lugar bonito e livre de segundas intenções e que governantes são todos uns pobres coitados injustamente incompreendidos pela população. Por exemplo, quando o Alckmin sai por aí inaugurando obras no Metrô, não penso que isso seja eleitoreiro. Só acho que não é mais do que sua obrigação, visto que seu partido está há trezentos anos governando São Paulo e menos de 2 km de linhas são construídas por ano, segundo a BBC. E com um escândalo nas costas envolvendo propinas e fraudes em licitações do Metrô e da CPTM, que tem respingado até no judiciário paulista, não usar o argumento da péssima gestão dos transportes para destruir qualquer fio de esperança de reeleição por parte do governador e do PSDB é loucura.
Agora, acusar de eleitoreiro é o mesmo que dizer nada. É se lamentar porque o cara está fazendo minimamente seu trabalho. Até onde eu sei ninguém foi eleito para ficar em casa jogando Minecraft. É como criticar o marronzinho que sai por aí multando motoristas. Pode não ser agradável, mas é legítimo.
Lógico que inaugurar obras do Metrô, fazer um discurso bonito e dar um rolê pelos vagões vazios é um negócio que pega bem nos jornais, e eleitoralmente também. Mas é assim que o jogo é jogado. Sem firula não tem graça e esse é o jogo do governante. A questão é o jornal ou o eleitor não questionar isso e aceitar passivamente. Neste caso, temos um problema.
Porque aceito ver qualquer porcaria em época de eleição, até mesmo curtiria ver uma pancadaria generalizada com cadeiras de metal voando pelo salão, só não quero ficar vendo acusações rasteiras e sem sentido sendo lançadas de um lado para o outro. Pois o candidato que acusa alguém de ser “eleitoreiro”, caso usasse a autorreflexão, veria que ele já fez coisas muito piores. Mas mesmo assim ele segue em frente. E nessa hora a retórica dá seu último suspiro e qualquer tentativa de debate é abortada.
O fato é que criar programas de governo e usar argumentos para vendê-los à população como algo positivo para o bem comum é algo difícil de se fazer nos dias de hoje. Há muita coisa acontecendo por aí: manifestações, black bloc, revoltas populares sangrentas, esquadrões da morte da polícia em plena atividade, leilão do pré-sal, e o caramba e explicar tudo isso em pouco tempo funde a cabeça de qualquer um. Apontar o dedo sujo para o outro e sair andando é sempre uma alternativa mais prática.
13 de abril de 2013
Muito para o Twitter
- Se existe em sua posse alguma máquina de entretenimento, recomendo fortemente a aquisição do jogo The Walking Dead, da TellTale. Primeiro porque ele é bom, segundo porque ele é relativamente barato, já que sua história se desenrola em formato de capítulos, que podem ser adquiridos de maneira avulsa. Aliás, a história é totalmente nova e não tem ligação direta com a série ou os quadrinhos, mas o próprio Robert Kirkman deu sua benção, então o risco de uma heresia é zero. Se Deus fosse justo, o TWD já viria instalado na memória de todos os videogames e PCs, que nem acontecia com alguns jogos no finado Master System.
- Não há nada mais curioso que o DEM protestando contra a alta do preço do tomate. Se levar em conta que a maioria desses caras são ligados ao agronegócio, seria o mesmo que ambulantes reclamarem que os preços do guarda-chuva que eles vendem é mais caro quando chove. A lógica já foi mais estimada por essas bandas. O estranho é que essa tática do desespero, do chuveirinho na área, do zagueiro indo pro ataque, que a oposição tem aplicado há algum tempo é uma das causas de suas seguidas derrotas eleitorais e mesmo assim não parece haver expectativa de mudança.
- Pintou de novo na tela a celeuma da redução da maioridade penal. Mas o fato é que se isso de fato ocorrer, a única vantagem real será o fim da gritaria. Porque a estrutura em si continuará a mesma: jovens pobres, de preferência negros, serão presos sem direito a defesa, enquanto a moçada da burguesia contará com regalias judiciais. Para piorar, a redução em si não diminuirá a vulnerabilidade dos menores contra aliciadores e marginais da pior espécie. Pelo contrário, ela antecipará ainda mais a entrada da molecada na vida de crimes.
- Não há nada mais curioso que o DEM protestando contra a alta do preço do tomate. Se levar em conta que a maioria desses caras são ligados ao agronegócio, seria o mesmo que ambulantes reclamarem que os preços do guarda-chuva que eles vendem é mais caro quando chove. A lógica já foi mais estimada por essas bandas. O estranho é que essa tática do desespero, do chuveirinho na área, do zagueiro indo pro ataque, que a oposição tem aplicado há algum tempo é uma das causas de suas seguidas derrotas eleitorais e mesmo assim não parece haver expectativa de mudança.
- Pintou de novo na tela a celeuma da redução da maioridade penal. Mas o fato é que se isso de fato ocorrer, a única vantagem real será o fim da gritaria. Porque a estrutura em si continuará a mesma: jovens pobres, de preferência negros, serão presos sem direito a defesa, enquanto a moçada da burguesia contará com regalias judiciais. Para piorar, a redução em si não diminuirá a vulnerabilidade dos menores contra aliciadores e marginais da pior espécie. Pelo contrário, ela antecipará ainda mais a entrada da molecada na vida de crimes.
14 de setembro de 2012
Considerações iniciais
Só agora assisti àquele vídeo sobre a ascensão conservadora em São Paulo e a fala do Vladmir Safatle é a que, na minha opinião, melhor explica o que está rolando na corrida à prefeitura da capital. Segundo ele, Celso Russomanno nada mais é do que o ovo da serpente do lulismo ou, melhor dizendo, o efeito colateral das políticas sociais do governo passado.
Na sua visão, a ascensão da chamada classe C não se deu pela via da cidadania e do conhecimento ou coisa que o valha, mas somente pelo consumo. Lula capinou o jardim e limpou a piscina para a iniciativa privada promover sua festinha particular e nenhum dos convidados deu o reconhecimento justo a ele. Aos emergentes, a ascensão social veio acompanhada do mesmo pensamento conservador “self-made man não preciso do governo abaixo a corrupção impostômetro adesivo da Apple” da antiga classe média.
E é aí é que entra Russomanno, adotando o discurso mais apolítico possível e colando na imagem das igrejas e de defensor dos direitos do consumidor. E assim, meio que como não quer nada, descolou a liderança nas pesquisas e nada parece fazê-lo parar, pelo menos no curto prazo.
O erro de Lula foi o de, após 2002, parar de politizar o debate de ideias e fazer do realpolitik sua escada para o paraíso. Mas não só isso não funcionou e quase pôs tudo a perder em 2010 como serviu de trampolim para que partidos perdidos da base do governo, como o próprio PRB, costurasse suas alianças e lançasse candidatos com potencial. E quem achava que eles fariam um jogo de equipes e Russomanno deixaria Haddad passar facilmente após a entrada nos boxes acabou quebrando a cara.
Um dos lugares onde essa estratégia da politização do debate eleitoral tem funcionado é na Venezuela. Há 13 anos no poder, Hugo Chávez tem grandes chances de se reeleger de novo após aplicar medidas sócio-econômicas pesadas, estatizando empresas, ampliando absurdamente a assistência social e batendo de frente com a elite local, e colocando tudo isso na conta da tal "revolução bolivariana".
De qualquer modo, Lula e o PT perderam a oportunidade de amadurecer o debate político e criar um mínimo de consciência na população e agora quem quer que adote um discurso apolítico e moralista tem grandes chances de ganhar os corações e mentes da população. É a distopia neoliberal mais perto do que se imaginava.
Na sua visão, a ascensão da chamada classe C não se deu pela via da cidadania e do conhecimento ou coisa que o valha, mas somente pelo consumo. Lula capinou o jardim e limpou a piscina para a iniciativa privada promover sua festinha particular e nenhum dos convidados deu o reconhecimento justo a ele. Aos emergentes, a ascensão social veio acompanhada do mesmo pensamento conservador “self-made man não preciso do governo abaixo a corrupção impostômetro adesivo da Apple” da antiga classe média.
E é aí é que entra Russomanno, adotando o discurso mais apolítico possível e colando na imagem das igrejas e de defensor dos direitos do consumidor. E assim, meio que como não quer nada, descolou a liderança nas pesquisas e nada parece fazê-lo parar, pelo menos no curto prazo.
O erro de Lula foi o de, após 2002, parar de politizar o debate de ideias e fazer do realpolitik sua escada para o paraíso. Mas não só isso não funcionou e quase pôs tudo a perder em 2010 como serviu de trampolim para que partidos perdidos da base do governo, como o próprio PRB, costurasse suas alianças e lançasse candidatos com potencial. E quem achava que eles fariam um jogo de equipes e Russomanno deixaria Haddad passar facilmente após a entrada nos boxes acabou quebrando a cara.
Um dos lugares onde essa estratégia da politização do debate eleitoral tem funcionado é na Venezuela. Há 13 anos no poder, Hugo Chávez tem grandes chances de se reeleger de novo após aplicar medidas sócio-econômicas pesadas, estatizando empresas, ampliando absurdamente a assistência social e batendo de frente com a elite local, e colocando tudo isso na conta da tal "revolução bolivariana".
De qualquer modo, Lula e o PT perderam a oportunidade de amadurecer o debate político e criar um mínimo de consciência na população e agora quem quer que adote um discurso apolítico e moralista tem grandes chances de ganhar os corações e mentes da população. É a distopia neoliberal mais perto do que se imaginava.
13 de junho de 2011
O universo num mixtape
“Gravar uma compilação em fita, assim como terminar um namoro, é difícil de se fazer e demora muito mais tempo do que parece. Você começa com algo impactante, para chamar atenção. Então eleva para um nível acima, mas você não quer gastar sua munição de uma vez, então você tem que esfriar as coisas. Há um monte de regras”
De fato, essa frase do Rob Gordon, protagonista de Alta Fidelidade, deveria ser uma espécie de mantra dos produtores musicais do mundo inteiro, mas parece que nem sempre as coisas saem como deveriam. Quando eu tinha meus 12 anos, lá no final do século passado, eu já sacava dessas regras quase que instintivamente. Naquele tempo não havia MP3 player ou qualquer dessas modernidades contemporâneas. A saída para quem queria ouvir um som baixado na internet era gravar em fita e ouvir no old but gold walkman (pelo menos, era essa a minha única opção). Naquela época, meu pai acoplou a saída de áudio do computador na entrada auxiliar de um tocador de fitas antigo dos anos 70, que estava guardado em algum canto do armário. Era um baita trambolho, todo prateado, com diversos botões e alavancas, um belíssimo medidor de espectro e soltava um barulho insano toda vez que a fita começava a rodar, mas acima de tudo era funcional, e ainda fazia bem o trabalho e tinha um estilão meio vintage, então aquilo virou uma espécie de brinquedo para os dias de tédio.
Na verdade, era um trampo que exigia dedicação profunda e uma paciência zen. A primeira parte era mais complexa: achar as músicas certas para a compilação. Naquela época o Napster ainda não passava de um delírio, então caçar músicas de madrugada com uma conexão discada instável de 56 kbps não era tarefa para covardes. E cada música de 128 kbps demorava cerca de uma hora para baixar, e isso usando o matreiro Download Accelerator, que não passava de um placebo virtual. A segunda parte era mais fácil e consistia em montar uma playlist no Winamp.
Essa etapa, como dito no filme, dependia de algumas regras, embora naquela época fosse tudo na base da intuição. A primeira faixa tinha que ser boa, não necessariamente um hit, mas algo que seja direto, que mostre qualidade logo de cara. A música seguinte precisava manter o nível, podendo ser até um pouquinho pior, mas que acompanhe o ritmo da anterior. Em seguida, uma canção mais forte, algo digno de lado A, daquelas que provocam uma expectativa angustiante no ouvinte. A quarta faixa podia ser mais lenta, deliberadamente pra quebrar o ritmo, e a faixa seguinte aos poucos recomeçaria a levantar o astral novamente. A coisa segue por aí até por volta da oitava ou nona faixa, com um outro hit destruidor. A partir disso a coisa caminharia vagarosamente para o fim. Mas na canção de encerramento, o ideal seria uma música não muito agitada para não cortar o tesão de repente, nem muito lenta ao ponto de encher o saco e não ser ouvida até o fim. O tipo de confusão bipolar que deixe claro que o final está próximo, sendo um dos melhores exemplos o “Eclipse”, a música de encerramento de Dark Side of The Moon. Depois, era só gravar, virar o lado da fita e repetir o processo.
Alguns anos depois, com o advento dos gravadores de CD, a coisa melhorou de figura. Foi como sair do amadorismo e entrar na era do clube-empresa. O CD tinha uma porrada de vantagens: era rápido e fácil de gravar, não tinha esse lance de lado A e lado B e a qualidade de som era estupidamente melhor. Às vezes havia o incoveniente da mídia ser vagabunda demais e não gravar, mas isso era apenas um efeito colateral da pós-modernidade. O fato é que a essência do mixtape não mudou e isso é um lance importante de se destacar. Hoje estamos na cultura do shuffle, que cumpre muito bem o seu papel, tanto que também sou um adepto convicto. Mas penso que o shuffle funciona em um sistema diferente dos playlists: ele trabalha com o elemento surpresa. Por exemplo, que mente obscura pensaria em colocar Paulinho da Viola para tocar depois de Arcade Fire ou Broken Social Scene? Quase nenhuma, exceto os algorítmos frios dos chips de silício. E na maioria das vezes, isso funciona que é uma maravilha. Mas como contraponto, a sensação de infinitude do shuffle é exatamente o seu algoz, é a entropia em sua carga máxima. Por isso ele funciona melhor quando o ato de ouvir música está em segundo plano, como no ônibus, na fila da padaria, trabalhando, escrevendo um texto, e dificilmente se escuta até o fim.
Em compensação, a graça do playlist é que seu tempo restrito o torna uma obra completa, com começo, meio e fim, algo que parece ter algum sentido mesmo que na verdade não haja nenhum sentido ali. Por isso que, como disse Marcelo Costa, editor do Scream & Yell, “a melhor carta de amor que você pode escrever para alguém é uma mixtape”. Se há alguma coisa que o mixtape trouxe ao mundo além de novas possibilidades de iniciar relações amorosas, essa coisa foi um arsenal de metáforas.
De fato, essa frase do Rob Gordon, protagonista de Alta Fidelidade, deveria ser uma espécie de mantra dos produtores musicais do mundo inteiro, mas parece que nem sempre as coisas saem como deveriam. Quando eu tinha meus 12 anos, lá no final do século passado, eu já sacava dessas regras quase que instintivamente. Naquele tempo não havia MP3 player ou qualquer dessas modernidades contemporâneas. A saída para quem queria ouvir um som baixado na internet era gravar em fita e ouvir no old but gold walkman (pelo menos, era essa a minha única opção). Naquela época, meu pai acoplou a saída de áudio do computador na entrada auxiliar de um tocador de fitas antigo dos anos 70, que estava guardado em algum canto do armário. Era um baita trambolho, todo prateado, com diversos botões e alavancas, um belíssimo medidor de espectro e soltava um barulho insano toda vez que a fita começava a rodar, mas acima de tudo era funcional, e ainda fazia bem o trabalho e tinha um estilão meio vintage, então aquilo virou uma espécie de brinquedo para os dias de tédio.
Na verdade, era um trampo que exigia dedicação profunda e uma paciência zen. A primeira parte era mais complexa: achar as músicas certas para a compilação. Naquela época o Napster ainda não passava de um delírio, então caçar músicas de madrugada com uma conexão discada instável de 56 kbps não era tarefa para covardes. E cada música de 128 kbps demorava cerca de uma hora para baixar, e isso usando o matreiro Download Accelerator, que não passava de um placebo virtual. A segunda parte era mais fácil e consistia em montar uma playlist no Winamp.
Essa etapa, como dito no filme, dependia de algumas regras, embora naquela época fosse tudo na base da intuição. A primeira faixa tinha que ser boa, não necessariamente um hit, mas algo que seja direto, que mostre qualidade logo de cara. A música seguinte precisava manter o nível, podendo ser até um pouquinho pior, mas que acompanhe o ritmo da anterior. Em seguida, uma canção mais forte, algo digno de lado A, daquelas que provocam uma expectativa angustiante no ouvinte. A quarta faixa podia ser mais lenta, deliberadamente pra quebrar o ritmo, e a faixa seguinte aos poucos recomeçaria a levantar o astral novamente. A coisa segue por aí até por volta da oitava ou nona faixa, com um outro hit destruidor. A partir disso a coisa caminharia vagarosamente para o fim. Mas na canção de encerramento, o ideal seria uma música não muito agitada para não cortar o tesão de repente, nem muito lenta ao ponto de encher o saco e não ser ouvida até o fim. O tipo de confusão bipolar que deixe claro que o final está próximo, sendo um dos melhores exemplos o “Eclipse”, a música de encerramento de Dark Side of The Moon. Depois, era só gravar, virar o lado da fita e repetir o processo.
Alguns anos depois, com o advento dos gravadores de CD, a coisa melhorou de figura. Foi como sair do amadorismo e entrar na era do clube-empresa. O CD tinha uma porrada de vantagens: era rápido e fácil de gravar, não tinha esse lance de lado A e lado B e a qualidade de som era estupidamente melhor. Às vezes havia o incoveniente da mídia ser vagabunda demais e não gravar, mas isso era apenas um efeito colateral da pós-modernidade. O fato é que a essência do mixtape não mudou e isso é um lance importante de se destacar. Hoje estamos na cultura do shuffle, que cumpre muito bem o seu papel, tanto que também sou um adepto convicto. Mas penso que o shuffle funciona em um sistema diferente dos playlists: ele trabalha com o elemento surpresa. Por exemplo, que mente obscura pensaria em colocar Paulinho da Viola para tocar depois de Arcade Fire ou Broken Social Scene? Quase nenhuma, exceto os algorítmos frios dos chips de silício. E na maioria das vezes, isso funciona que é uma maravilha. Mas como contraponto, a sensação de infinitude do shuffle é exatamente o seu algoz, é a entropia em sua carga máxima. Por isso ele funciona melhor quando o ato de ouvir música está em segundo plano, como no ônibus, na fila da padaria, trabalhando, escrevendo um texto, e dificilmente se escuta até o fim.
Em compensação, a graça do playlist é que seu tempo restrito o torna uma obra completa, com começo, meio e fim, algo que parece ter algum sentido mesmo que na verdade não haja nenhum sentido ali. Por isso que, como disse Marcelo Costa, editor do Scream & Yell, “a melhor carta de amor que você pode escrever para alguém é uma mixtape”. Se há alguma coisa que o mixtape trouxe ao mundo além de novas possibilidades de iniciar relações amorosas, essa coisa foi um arsenal de metáforas.
2 de junho de 2011
Fleet Foxes e a longa e tortuosa estrada
Quando surgiu com seu álbum de estreia em 2008, o Fleet Foxes causou um belo frisson na crítica musical. O espectro do folk rondava a cena rock, mas ainda não havia surgido nada de diferente até então, ou mesmo qualquer coisa que não soasse como Bob Dylan ou Nick Drake. Mas a frota de Robin Pecknold rapidamente começou a fazer a cabeça dos críticos mais espertos, com um estilo que era uma mistura de Beach Boys e Crosby, Stills, Nash & Young, com um quê de folk celta e pop barroco. Enfim, uma coisa totalmente estranha. Se alguém estava atrás de algo novo no rock alternativo era só mirar naqueles hippies barbudos que não havia como errar.
Três anos depois daquele baque inicial, o Fleet Foxes volta à campo com Helplessness Blues, certamente o melhor disco até agora (e o segundo, é verdade). Como não haveria de ser diferente, a sonoridade estranha da banda continua lá: a voz reverberada e hipnótica de Pecknold, os backing vocals compondo a harmonia da música – como naqueles “barbershop quartets” –, as melodias bem trabalhadas e o clima bucólico, místico e um tanto psicodélico em meio a tudo isso. Mas o som está agora mais melancólico, sério e maduro. É uma mudança quase imperceptível em uma primeira audição, mas não é difícil notar que a contemplação da natureza já não é mais o tema principal por aqui.
Isso fica óbvio logo nas primeiras palavras da primeira faixa, “Montezuma”: “So now I am older than my mother and father / When they had their daughter / Now what does that say about me”. “Oh man what I used to be”, completa Pecknold no refrão quase como um mantra, mostrando que a maturidade não apenas bateu à porta do rapaz de 25 anos, mas a esmurrou com toda a força do mundo.
Não é difícil entender sabendo o caminho tortuoso pelo qual Helplessness Blues passou até ser finalmente lançado. Em fevereiro de 2009, a banda se reuniu em um estúdio alugado para ensaiar novas músicas, mas as sessões não puderam ser utilizadas e eles perderam US$ 60 mil na brincadeira. Depois, o baterista e co-compositor Joshua Tilman saiu em turnê pela Europa e América do Norte entre 2009 e 2010 e as gravações tiveram que ser adiadas. Quando as coisas começaram a caminhar, em abril de 2010, Pecknold estava tão compenetrado no álbum que sua namorada decidiu dar um fim no relacionamento de cinco anos. E para finalizar, o disco que estava previsto para sair no segundo semestre do ano passado só foi lançado agora.
Portanto esqueça qualquer coisa mais pop como “Ragged Wood”, a faixa mais agitada do disco anterior. O momento não era propício. O que não quer dizer que o disco seja o fino da fossa. O som está cativante como nunca, as melodias continuam bem trabalhadas e o álbum parece muito mais coeso do que o anterior.
Se no disco de estreia as músicas seguiam como em uma montanha-russa com momentos de êxtase seguidos de calmaria pura, o que quebrava demais o ritmo, Helplessness Blues está mais equilibrado e melhor cadenciado, o que o torna o tipo de disco que é preferível ouvi-lo inteiro, como se fosse uma obra completa em que cada música é um capítulo distinto, a parte de um todo. Isso quer dizer que não há uma canção que consegue se sobressair com facilidade, embora não signifique que o álbum não tenha lá seus hits. Mas a questão é que o objetivo agora é outro. Pelo menos é o que pensava Pecknold, quando ele disse em entrevista ao Pitchfork em 2009 que queria fazer algo como Astral Weeks, o icônico disco de Van Morrison, “porque ele soa como se o álbum tivesse sido gravado em um universo de apenas seis horas”.
Se ele conseguiu ou não é difícil dizer, mas a evolução na construção das melodias é notável. Na faixa de abertura, “Montezuma”, não dá para sacar grandes mudanças em comparação com o álbum anterior ou com o EP Sun Giant, por isso ele é o mais perfeito cartão de visitas do Fleet Foxes, mostrando para quem não conhece qual é a deles.
A coisa começa a esquentar na segunda faixa, “Bedouin Dress”. Um riff no violino, uma marcação na bateria e um clima de felicidade fingida e não é preciso mais nada para fazer uma canção cativante.
A faixa seguinte “Sim Sala Bim” mostra uma jogada manjada da banda desde os tempos de Sun Giant: a música começa lenta, só com a voz de Pecknold acompanhada pelo violão, e aos poucos vai ganhando força e intensidade até atingir um ponto máximo que vai progressivamente diminuindo rumo ao fim. Esse roteiro se repete em diversas outras músicas do álbum, quase sempre com sucesso.
"The Plains/Bitter Dance", por exemplo, segue nessa toada, assim como a excelente faixa-título “Helplessness Blues”. Ela começa só no violão, passa a ficar cada vez mais rápida e novas vozes entram em cena, até o ponto que o bumbo da bateria explode e torna as coisas completamente épicas, com uma bela melodia que entra no coração. O coro faz com que os versos prolongados ao máximo ganhem contornos apoteóticos de uma maneira que só o Fleet Foxes poderia fazer sem parecer forçação de barra.
Outra faixa que merece destaque é "Lorelai", uma canção simples, simpática e triste. Já "The Shrine/An Argument" transparece uma certa raiva incontida que nunca antes tinha ouvido em outras músicas da banda, um épico catártico de oito minutos que termina em momentos de puro delírio experimentalista.
Fechando o álbum tem a minimalista "Blue Spotted Tail", que só conta com o violão e a voz de Pecknold, dessa vez sem eco, seguido da bela "Grown Ocean", uma música que finalmente exprime a felicidade em seus poros, uma visão otimista em meio ao caos mental, o momento de redenção de uma alma liberta de seus demônios.
Três anos depois daquele baque inicial, o Fleet Foxes volta à campo com Helplessness Blues, certamente o melhor disco até agora (e o segundo, é verdade). Como não haveria de ser diferente, a sonoridade estranha da banda continua lá: a voz reverberada e hipnótica de Pecknold, os backing vocals compondo a harmonia da música – como naqueles “barbershop quartets” –, as melodias bem trabalhadas e o clima bucólico, místico e um tanto psicodélico em meio a tudo isso. Mas o som está agora mais melancólico, sério e maduro. É uma mudança quase imperceptível em uma primeira audição, mas não é difícil notar que a contemplação da natureza já não é mais o tema principal por aqui.
Isso fica óbvio logo nas primeiras palavras da primeira faixa, “Montezuma”: “So now I am older than my mother and father / When they had their daughter / Now what does that say about me”. “Oh man what I used to be”, completa Pecknold no refrão quase como um mantra, mostrando que a maturidade não apenas bateu à porta do rapaz de 25 anos, mas a esmurrou com toda a força do mundo.
Não é difícil entender sabendo o caminho tortuoso pelo qual Helplessness Blues passou até ser finalmente lançado. Em fevereiro de 2009, a banda se reuniu em um estúdio alugado para ensaiar novas músicas, mas as sessões não puderam ser utilizadas e eles perderam US$ 60 mil na brincadeira. Depois, o baterista e co-compositor Joshua Tilman saiu em turnê pela Europa e América do Norte entre 2009 e 2010 e as gravações tiveram que ser adiadas. Quando as coisas começaram a caminhar, em abril de 2010, Pecknold estava tão compenetrado no álbum que sua namorada decidiu dar um fim no relacionamento de cinco anos. E para finalizar, o disco que estava previsto para sair no segundo semestre do ano passado só foi lançado agora.
Portanto esqueça qualquer coisa mais pop como “Ragged Wood”, a faixa mais agitada do disco anterior. O momento não era propício. O que não quer dizer que o disco seja o fino da fossa. O som está cativante como nunca, as melodias continuam bem trabalhadas e o álbum parece muito mais coeso do que o anterior.
Se no disco de estreia as músicas seguiam como em uma montanha-russa com momentos de êxtase seguidos de calmaria pura, o que quebrava demais o ritmo, Helplessness Blues está mais equilibrado e melhor cadenciado, o que o torna o tipo de disco que é preferível ouvi-lo inteiro, como se fosse uma obra completa em que cada música é um capítulo distinto, a parte de um todo. Isso quer dizer que não há uma canção que consegue se sobressair com facilidade, embora não signifique que o álbum não tenha lá seus hits. Mas a questão é que o objetivo agora é outro. Pelo menos é o que pensava Pecknold, quando ele disse em entrevista ao Pitchfork em 2009 que queria fazer algo como Astral Weeks, o icônico disco de Van Morrison, “porque ele soa como se o álbum tivesse sido gravado em um universo de apenas seis horas”.
Se ele conseguiu ou não é difícil dizer, mas a evolução na construção das melodias é notável. Na faixa de abertura, “Montezuma”, não dá para sacar grandes mudanças em comparação com o álbum anterior ou com o EP Sun Giant, por isso ele é o mais perfeito cartão de visitas do Fleet Foxes, mostrando para quem não conhece qual é a deles.
A coisa começa a esquentar na segunda faixa, “Bedouin Dress”. Um riff no violino, uma marcação na bateria e um clima de felicidade fingida e não é preciso mais nada para fazer uma canção cativante.
A faixa seguinte “Sim Sala Bim” mostra uma jogada manjada da banda desde os tempos de Sun Giant: a música começa lenta, só com a voz de Pecknold acompanhada pelo violão, e aos poucos vai ganhando força e intensidade até atingir um ponto máximo que vai progressivamente diminuindo rumo ao fim. Esse roteiro se repete em diversas outras músicas do álbum, quase sempre com sucesso.
"The Plains/Bitter Dance", por exemplo, segue nessa toada, assim como a excelente faixa-título “Helplessness Blues”. Ela começa só no violão, passa a ficar cada vez mais rápida e novas vozes entram em cena, até o ponto que o bumbo da bateria explode e torna as coisas completamente épicas, com uma bela melodia que entra no coração. O coro faz com que os versos prolongados ao máximo ganhem contornos apoteóticos de uma maneira que só o Fleet Foxes poderia fazer sem parecer forçação de barra.
Outra faixa que merece destaque é "Lorelai", uma canção simples, simpática e triste. Já "The Shrine/An Argument" transparece uma certa raiva incontida que nunca antes tinha ouvido em outras músicas da banda, um épico catártico de oito minutos que termina em momentos de puro delírio experimentalista.
Fechando o álbum tem a minimalista "Blue Spotted Tail", que só conta com o violão e a voz de Pecknold, dessa vez sem eco, seguido da bela "Grown Ocean", uma música que finalmente exprime a felicidade em seus poros, uma visão otimista em meio ao caos mental, o momento de redenção de uma alma liberta de seus demônios.
5 de maio de 2011
Como vencer um debate sem precisar ter razão
A internet não criou, mais ajudou a disseminar um arquétipo comum desde os tempos da Grécia antiga: o sofista de boteco. Essa figura que povoa o inconsciente coletivo é conhecida por manejar a arte da crítica pela crítica, lançando argumentos embasados somente no senso comum ou na pseudo-obviedade e cuja retórica serve apenas para mostrar uma posição qualquer de contrariedade, como se isso fosse uma prova de sua inteligência. Tal qual na Jornada do Herói, a retórica neossofista mítica segue algumas etapas universais que costumam se repetir, e isso vale tanto na internet quanto na vida real:
1) O lugar-comum: toda discussão vazia que se preze começa com um neossofista usando lugares-comuns para defender uma ideia. Brasileiro é folgado, classe média é alienada, político é corrupto, qualquer generalização cabe aqui. Quando algum incauto fisga a armadilha, a aventura começa.
2) A dialética minimalista: Diferentemente do método dialético habitual, o neossofista cria a maior quantidade possível de teses para que se criem cada vez mais antíteses. Isso porque se a discussão chegar a uma síntese, a coisa complica para o nosso anti-herói, então quanto mais teses forem criadas, melhor. A premissa básica dessa técnica é a de tomar posse do jogo, cadenciar a bola, tocando de lado e evitando os contra-ataques.
4) O rali: Outra técnica usual de um sofista é o de rebater todo e qualquer argumento adversários, por mais lógico que ele pareça. Se disserem não, diga sim. Se disserem sim, diga não. Não importa muito se o que o outro diz faz sentido, o importante é não dar munição ao inimigo.
3) Desvio da rota: Quando o sofista começa a perder o controle da situação e a discussão se aproxima do ponto central do debate, é hora de mudar de assunto. Como um zagueiro que despacha a bola para fora da área, o sofista cria um novo tópico completamente diferente do que estava sendo discutido. Essa medida de desespero serve somente para ganhar tempo já que o adversário continua na pressão dentro do seu campo.
5) Ataque ao argumentador: Chegamos ao clímax da trama. Quando a situação estiver crítica e nada mais funcionar, o sofista passa a atacar o argumentador ao invés do argumento. Normalmente, o primeiro passo é criticar a gramática do adversário. Depois, qualquer característica do seu modo de vida que não corresponda à moral e aos bons costumes está valendo. Se essa etapa não acontecer, possivelmente o debatedor não é um neossofista.
6) A martirização: Esse é o golpe mais sujo, mas também o mais fatal de um sofista – tipo o especial de apagar as luzes do Akuma. Nesse ponto do debate os argumentadores de ambos os lados já estão trocando insinuações e ironias, mas só o sofista usa esse artifício para acusar falta grave. A dor moral de ter sido insultado após distribuir acusações rasteiras a torto e a direito tem o objetivo de amolecer o coração da plateia ingênua, um último respiro antes do fim.
7) A última palavra: O archievement de um sofista é ter a palavra final de uma discussão. Nem que seja para escrever um simplório “ok”, o importante é ser o último a comentar. Uma outra saída é a de dar o ponto final no entrave unilateralmente, afirmando “não vou mais discutir esse assunto” ou algo do tipo. A derrota é óbvia, mas ter a palavra final é como perder de 1 a 0 do Barcelona: é muito melhor do que tomar de 5, mas ainda é uma derrota.
1) O lugar-comum: toda discussão vazia que se preze começa com um neossofista usando lugares-comuns para defender uma ideia. Brasileiro é folgado, classe média é alienada, político é corrupto, qualquer generalização cabe aqui. Quando algum incauto fisga a armadilha, a aventura começa.
2) A dialética minimalista: Diferentemente do método dialético habitual, o neossofista cria a maior quantidade possível de teses para que se criem cada vez mais antíteses. Isso porque se a discussão chegar a uma síntese, a coisa complica para o nosso anti-herói, então quanto mais teses forem criadas, melhor. A premissa básica dessa técnica é a de tomar posse do jogo, cadenciar a bola, tocando de lado e evitando os contra-ataques.
4) O rali: Outra técnica usual de um sofista é o de rebater todo e qualquer argumento adversários, por mais lógico que ele pareça. Se disserem não, diga sim. Se disserem sim, diga não. Não importa muito se o que o outro diz faz sentido, o importante é não dar munição ao inimigo.
3) Desvio da rota: Quando o sofista começa a perder o controle da situação e a discussão se aproxima do ponto central do debate, é hora de mudar de assunto. Como um zagueiro que despacha a bola para fora da área, o sofista cria um novo tópico completamente diferente do que estava sendo discutido. Essa medida de desespero serve somente para ganhar tempo já que o adversário continua na pressão dentro do seu campo.
5) Ataque ao argumentador: Chegamos ao clímax da trama. Quando a situação estiver crítica e nada mais funcionar, o sofista passa a atacar o argumentador ao invés do argumento. Normalmente, o primeiro passo é criticar a gramática do adversário. Depois, qualquer característica do seu modo de vida que não corresponda à moral e aos bons costumes está valendo. Se essa etapa não acontecer, possivelmente o debatedor não é um neossofista.
6) A martirização: Esse é o golpe mais sujo, mas também o mais fatal de um sofista – tipo o especial de apagar as luzes do Akuma. Nesse ponto do debate os argumentadores de ambos os lados já estão trocando insinuações e ironias, mas só o sofista usa esse artifício para acusar falta grave. A dor moral de ter sido insultado após distribuir acusações rasteiras a torto e a direito tem o objetivo de amolecer o coração da plateia ingênua, um último respiro antes do fim.
7) A última palavra: O archievement de um sofista é ter a palavra final de uma discussão. Nem que seja para escrever um simplório “ok”, o importante é ser o último a comentar. Uma outra saída é a de dar o ponto final no entrave unilateralmente, afirmando “não vou mais discutir esse assunto” ou algo do tipo. A derrota é óbvia, mas ter a palavra final é como perder de 1 a 0 do Barcelona: é muito melhor do que tomar de 5, mas ainda é uma derrota.
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