25 de março de 2010

CQC, Barueri e a cartase coletiva

Diga o que quiser, mas ainda considero o CQC um dos programas mais legais da TV brasileira. Lógico que tem uns quadros novos muito sem graça e também teve aquela pataquada escolha do 8º integrante. Mas se pensarmos direito, pouquíssima coisa vale a pena assistir e o CQC é uma delas. Se formos comparar com o programa do Gugu ou do da Sônia Abrão, o CQC estaria no patamar de um documentário da BBC.

Mas a questão em que quero chegar é sobre a maneira que eles usam para abordar política. Nada contra juntar jornalismo com humor (aliás, sou muito favorável a isso), mas o problema é que a suposta parte jornalística do CQC está devendo e muito. No mítico Proteste Já de segunda-feira o negócio ficou bem claro.

Basicamente, a reportagem é a seguinte: em dezembro, os caras colocaram um GPS dentro de uma televisão de plasma e a doaram para a prefeitura de Barueri, que prometeu colocar o aparelho em alguma escola. Só que, pelo GPS, o CQC acompanhou que o televisor estava em escola porra nenhuma e foram lá conferir essa parada, descobrindo que na verdade estava na casa de uma funcionária pública. Nessas, eles foram atrás do secretário da Educação de Barueri, Celso Furlan, que garantiu com todas as letras que a doação estaria sim na escola municipal Tarso de Castro. Danilo Gentili resolveu verificar.

Só que, ao mesmo tempo, Rafinha Bastos estava plantado em frente à casa da funcionária e eles flagraram a tal mulher saindo com a televisão rumo à escola. Estava montado o enredo para desmascarar mais uma farsa. Na hora do flagra, a história era que ninguém da escola conseguia sintonizar a televisão, então ela foi levada para a casa dela para ser ajustada. Não é nem preciso dizer que a desculpa não colou.

O que aconteceu depois todos sabem: a matéria foi censurada pela Justiça a pedido do prefeito Rubens Furlan. Gentili, então, foi à Prefeitura de Barueri perguntar o porquê da censura e tomou um baita esculacho do manda-chuva da cidade. Mas, logo depois, Furlan resolveu voltar atrás e retirou a ação.

Enfim, a matéria ficou bem legal e engraçada, mas, por alguma razão, certas perguntas não foram respondidas: por que escolheram justamente Barueri? A qual partido pertence o prefeito? Aquela funcionária pública era concursada ou fora indicada? Por que Celso Furlan escolheu justo a escola Tarso de Castro, que já trouxera vários problemas para ele, para receber a doação da TV? O que a oposição ou o Ministério Público pretendem fazer quanto ao caso?

E o pior nem é isso. O maior erro do CQC é o mesmo da grande imprensa: só apresenta os problemas, nunca as soluções. Legal desmascarar a pilantragem na Prefeitura de Barueri, mas como fazer para acabar definitivamente com isso? Doando televisores com GPS para todas as cidades do país? Não, isso não rola. Não se pode jogar exclusivamente na mão da imprensa o papel de fiscalizador da administração pública. Seria muito melhor convocar os cidadãos a serem mais ativos na condução do processo político, como prega o jornalismo cívico, com a possibilidade de criarem novos mecanismos de controle e fiscalização da condução do Estado.

E nem de longe isso acontece. Sem mostrar alternativas, a impressão que fica é que o programa não passa de um mero espetáculo sem qualquer compromisso público, como em um teatro grego, em que os espectadores eram induzidos a um momento máximo de cartase coletiva. Depois, fecham-se as cortinas e inicia-se um novo espetáculo – apesar do teatro grego não ter cortinas, acho eu.

Mas a questão é que para os jornalistas em geral é mais cômodo e interessante criar um clima de Fla x Flu partidário ou uma generalização do que apontar soluções práticas. Quando se trata de políticos, principalmente os do governo, a imprensa incorpora o espírito do Dr. House e repete à exaustão: "todos mentem". Parece que a única proposta apresentada é simplesmente trocar todos os políticos do momento por outros, quando na verdade o problema é mais embaixo. Financiamento de campanha, alianças políticas, falta de transparência com o uso do dinheiro público e incompetência do judiciário fazem parte desta complexa equação, que só pode ser resolvida com uma reforma política e com uma reforma no judiciário. Mas, honestamente, nunca vi os jornais fazerem pressão por esses temas como estão fazendo na cobertura do caso Isabella, por exemplo. Mesmo nos programas que se dizem cidadãos.

Um comentário:

Andre Leite disse...

Pelos motivos errados O Rubens Furlan está certo em chamar os caras de babacas.
Pode ser muito bom descobrir falcatruas a torto e a direito, mas a forma como se transmitem as informações não ajudam no esclarecimento do cidadão e muito menos no processo democrático.
Parabéns pelo texto.
E, apesar de não haver provas contundentes, posso concordar, embasado em formatos arquitetônicos, que não há cortinas no teatro grego.

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