23 de abril de 2010

Os 5 discos mais underrateds de todos os tempos

A maioria das listas de melhores álbuns são sempre iguais, com os mesmos discos encabeçando as primeiras posições. Este aqui não. A ideia é exatamente mostrar os excelentes discos que quase nunca são lembrados, seja porque não tem o hype necessário ou por uma outra questão qualquer. O fato é que não há critério lógico e científico que explique ausências tão ilustres quanto estas que se seguem:


5) Humbug - Arctic Monkeys (2009)

É cedo para dizer a relevância do Humbug, o álbum mais recente do Arctic Monkeys, lançado em 2009. Mas é fato que o disco mudou em muito minha percepção da banda. Humbug apresentou um Arctic Monkeys menos barulhento e mais sóbrio, com construções de arranjos infinitamente mais elaboradas do que no endeusado Whatever People Say I Am, That's What I'm Not. Até por causa disso, rolou uma divisão entre os fãs: os mais ortodoxos acharam que a banda perdeu suas características, mas os mais moderados viram que este era um caminho natural a percorrer.

Eu que, nunca curti o Arctic Monkeys, fico com o segundo grupo. Sempre achei que eles faziam muito barulho para pouco som. Era óbvio que eles tinham talento, mas era preciso canalizar essa energia juvenil acumulada na contrução de arranjos mais elaborados – e foi justamente isso que eles fizeram com Humbug. Qualquer um que ouvir "Secret Door" ou "Cornerstone" pela primeira vez no shuffle, jamais imaginará que essas músicas são deles. É bem verdade que no disco Favorite Worst Nightmare eles já ciscavam para esse lado, mas nada no nível de trabalho dessas duas.

Já para quem era fã das antigas, realmente deve ter sido um choque ouvir um disco sem o peso e a energia abtual da banda. E foi dessa facção que saiu as maiores críticas ao Humbug, com reclamações de que ele é muito lento e obscuro. Mas, certamente, poucos devem ter entendido que uma banda evolui, pois, caso contrário, ainda estaríamos ouvindo Beatles iê-iê-iê.



4) Give 'Em Enough Rope - The Clash (1978)

Não tem como negar que o The Clash tem uma das melhores discografias do rock, comparável até com a dos Beatles – com a diferença de que as experimentações que eles fizeram não deram tão certo quanto no caso do Fab Four. Por isso é natural que um álbum como o Give 'Em Enough Rope acabe sendo menos lembrado que os clássicos The Clash e London Calling – este último, uma obra obrigatória para qualquer ser mortal que se considere minimamente fã de música.

Nem é preciso mencionar a importância do The Clash para o rock. O som dos caras formou as bases do punk rock ao lado do Sex Pistols e dos Ramones. Se os Ramones encarnaram como ninguém o estilo "do it yourself", com seus três acordes que qualquer poodle amestrado é capaz de tocar, e o Sex Pistols colocou a raiva contra o sistema como seu porta-estandarte, mesmo que fosse uma raiva inserida em doses controladas por Malcolm McLaren, o The Clash deu um toque de classe no estilo, acrescentando o gingado do ska, do rockabilly e do surf music em suas composições como nenhum outro.

E se The Clash fosse uma trilogia Hollywoodiana, Give' Em Enough Rope seria a segunda parte, o Império Contra Ataca do punk. O som pesado do disco de estreia está lá, mas eles já saíram da estrutura básica e começaram a apontar para um outro patamar que só seria alcançado na sua plenitude em London Calling. Isso fica claro em "Julie's Been Working for the Drug Squad", que tem uma pegada do rockabilly com direito a um piano acompanhando a base da música. E "Stay Free" parece Beach Boys de tão bem construído que é seu arranjo.

Lógico que o álbum tem um ponto fraco. No caso de Give 'Em Enough Rope é a falta de grandes hits pegajosos, que poderia chamar a atenção dos ouvintes casuais. Mas isso nem de longe acaba desmerecendo o disco.


3) Bloco do Eu Sozinho - Los Hermanos (2001)

O gráfico do hype do Los Hermanos é como o símbolo de raiz quadrada. Explodiu com o "Anna Júlia", depois eles curtiram um período de ostracismo e viraram cult com o álbum Ventura. Só que nesse meio tempo, eles lançaram um CD muito bom, mas que aparentemente poucos ouviram, chamado Bloco do Eu Sozinho. Mas o que torna esse disco realmente interessante é que eles praticamente romperam com o espírito das músicas do álbum anterior e resolveram seguir uma outra vertente, que acabou por torná-los reverenciados mais tarde. Em outras palavras o Bloco do Eu Sozinho é como um zamboni que limpou a área para que o Ventura se tornasse o baita álbum que é.

Isso não quer dizer que o harcore e o ska foram completamente abandonados, mas é o MPB é quem dá as cartas dessa vez, ficando um mezzo a mezzo interessante e misterioso. "Todo Carnaval tem seu Fim" é um exemplo clássico. A música seria pesada se estivesse no Ventura, mas seria considerada lenta se estivesse no primeiro álbum. Daí, já se saca o drama do negócio. Porque não se trata simplesmente de tirar a distorção do pedal da guitarra ou diminuir o ritmo das canções, mas de rearranjar as músicas totalmente.

No Bloco, os metais já não dão mais o tom, como é característico do ska, e agora ficam na parte de apoio da banda. De forma inversa, o sintetizador começa a aparecer bem mais, como em "Casa Pré-Fabricada" e "Fingi na Hora Rir". Já a melodia "Sentimental" e "Adeus Você" é quase um Roberto Carlos, enquanto que "Veja Bem Meu Bem" lembra o estilo do rock pernambucano. O único que honra as raízes do hardcore é o "Tão Sozinho" que, de fato, está meio isolado do restante do álbum.

A partir daí, certamente deve ter rolado um estalo, um "eureka". A sonoridade da banda tornou-se única, de forma que eles nunca mais abandonaram. Ventura foi o ápice dessa ideia de atingir um novo nível dentro do rock nacional, expondo as veias abertas da música brasileira em seu estilo. Já no 4, a coisa ultrapassou a linha do rock e embarcou de vez na MPB, mas mesmo assim é um álbum bastante louvável.

Mas é curioso que mesmo os fãs dos Los Hermanos – considerados os mais chatos do mundo, ao lado dos do Legião Urbana e do Dance of Days – deixem o Bloco do Eu Sozinho meio de lado. O primeiro é até fácil entender, já que é nele que está a canção maldita, Anna Júlia, mas o Bloco é uma outra história. Tem músicas boas e estilo, idem. Mas aí fica a pergunta: será que o Bloco não tem hype o bastante?


2) Magical Mystery Tour - The Beatles (1967)

Em qualquer papo de boteco sobre qual o melhor disco já feito pelos Beatles, todo mundo pinça Sgt. Peppers, Abbey Road, Revolver e até já ouvi alguém mencionar o With the Beatles em certa reunião de grande dosagem alcóolica. Mas a verdade é que poucos se lembram do Magical Mystery Tour, um álbum meio escondido da discografia dos Fab Four, mas que é recheado de boas músicas.

Mas existe uma razão logística (ou falta de) para rolar essa injustiça histórica. Oficialmente, Magical Mystery Tour foi lançado como um EP duplo, com seis músicas compostas para o filme homônimo. Mas, nos EUA, a gravadora de lá achou que o público americano não é muito chegado nesse formato e resolveram pegar cinco músicas de outros compactos lançados naquele mesmo ano e prensar como um LP. Assim, o lado A do álbum americano tinha as músicas do original e o lado B tinha nada menos que "Hello, Goodbye", "Strawberry Fields Forever", "Penny Lane", "Baby You're a Rich Man" e "All You Need Is Love".

O caso ficou por isso mesmo até que, em 1976, a pedidos dos fãs, a EMI resolveu lançar o LP americano em todo o mundo. E, em 1987, lançaram o álbum em CD, consolidando definitivamente a versão estadunidense.

Mas, aparentemente, isso não foi o suficiente para reparar esse erro histórico. Magical Mystery Tour ainda é um álbum pouco prestigiado pelos críticos. Talvez por causa da capa, que é de longe a pior da discografia deles, perdendo até para o decadente Let It Be. Ou talvez porque a ideia de discos indiscutíveis dos Beatles tenha sido formulado ainda na década de 60 e até hoje ela permanece congelada. Não tem como discutir a inovação do Sgt. Peppers ou a beleza das músicas do Revolver, mas esse conceito parece que já virou um chavão que poucos ousam largar. Isso já é quase um dogma entre a crítica musical, quase impossível de debater.


1) Smile - Brian Wilson (2004)

A história do rock tem passagens bastante curiosas, mas poucas são tão insanas quanto a história do Smile. Reza a lenda que, em 1966, ao ouvir o álbum Revolver, Brian Wilson, líder do Beach Boys, resolveu dar uma resposta à altura aos Beatles. No ano anterior, ele já havia trabalhado arduamente para conceber o que deveria ser sua obra-prima: o mítico Pet Sounds. Mas ele achou que os britânicos tinham lhe superado, então armou seu contra-ataque. Wilson trancou-se no estúdio por semanas, compondo e gravando arranjos sem parar. Mas seu perfeccionismo obsessessivo-doentio, que fazia com que ele jogasse fora horas de trabalho sem cerimônia, foi agravado pelo uso abusivo de LSD e de outras drogas psicoativas, que destruiram seu relacionamento com o restante do grupo. Não fosse o bastante, certo dia, ele foi fazer uma viagem de ácido e nunca mais voltou. Para piorar, os Beatles lançaram o Sgt. Pepper's the Lonely Hearts Club Band e eles resolveram desistir do projeto, pois a obra máxima já tinha sido feita.

Desde então, o álbum Smile nunca teve uma conclusão até que, em 2004, Wilson, já tratado da sua doença mental, tomou coragem para retomar o projeto. O resultado foi um disco que, se não fosse pela voz já desgastada do líder do grupo, parece realmente ter sido gravada nos anos 60. Todos os elementos que fazem a banda ser reverenciada até hoje estão lá: a harmonia dos vocais, os arranjos bem trabalhados e a evolução ritmica da música. Não é a obra-prima que ele tanto almejou, mas é algo muito próximo disso.

Mas em todas as listas de melhores álbuns da década de 2000 que eu li, em nenhuma delas o Smile ocupa sequer as 25 primeiras posições. É realmente difícil de entender. Então surgiu uma pergunta: se o Smile tivesse sido lançado em 1967, será que ele teria a relevância merecida? Ou pensando ao contrário, se Sgt. Peppers fosse lançado na década passada, será que ele teria o hype que tem hoje? Acho que nem o Cléber Machado ousaria responder sem pestanejar.

Aparentemente, o que torna um disco reconhecido e admirado vai muito além da sua qualidade musical. O momento histórico parecer ser um fator tão relevante quanto. Quando saiu Sgt. Peppers, ninguém nunca tinha feito tantas experimentações na música pop (efeitos de estúdio, colagens, usar instrumentos orientais, orquestras) quanto eles. Hoje, qualquer adolescente com Audacity faz isso.

Diante disso, não é difícil entender porque o Is This It, do The Strokes, foi escolhido o melhor álbum da década de 2000 pela conceituada revista NME. Criou-se uma ideia no imaginário popular de que o Strokes salvou a cena rock no começo do século, botando para escanteio o pop de fácil degustação da Britney Spears e das boys bands. Taí, uma constatação bem errada, mas isso fica para um outro post. O fato é que eles se deram bem por terem lançado um belo disco numa época em que o rock estava uma merda. Mas dizer que é o melhor álbum do anos 2000 já é uma outra parada.

Mais do que salvar o rock, a consagração do The Strokes trouxe de volta o garage rock e o punk 77, só que com uma roupagem modernosa, com bandas como o White Stripes, o The Vines e o Franz Ferdinand. E foi nesse ambiente que saiu Smile, que obviamente faz parte de uma outra vertente, a do pop rock sessentista. Brian Wilson manteve intacto seu estilo, sem nenhuma grande revolução ou mudança de roupagem, como se tivesse terminado o álbum exatamente do mesmo jeito que o concebera, há 30 e poucos anos.

E foi justamente esse o erro do Smile.

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