13 de abril de 2010

Jogo de culpa

O grande problema de discutir política no Brasil é que ninguém costuma convergir para um pensamento único. Se há um mensalão no PSDB/aliados os petistas reclamam. Se há um mensalão no PT/aliados os psdbistas reclamam. Cada um quer tirar o seu da reta e jogar a culpa no outro. “Posso estar errado, mas estou menos errado que o outro”. E tem gente que costuma cair nessa conversa.

Existe um problema maior ainda em discutir política no Brasil quando a política entra no campo do futebol. E essa discussão tem ocorrido com frequência desde o projeto de lei 564/06, aquele que limita o horário de término de qualquer competição esportiva (Sim, qualquer competição. Não é só o futebol). Então vou falar a respeito disso. Pode se preparar, vai voar merda pra tudo que é lado. Diferente da retórica brasileira do primeiro parágrafo, eu gosto de culpar todo mundo.

Começando então pelo projeto de lei 564/06, que já foi chutado. Argumentos principais para aprovação do projeto foram a falta de transporte público, diminuição da segurança e o fato de futebol ser um esporte popular e a população não ter como alinhar de forma saudável, nesse horário, suas obrigações profissionais com seu direito a lazer. Dados esses argumentos, o que fazer? Bater de frente com a detentora dos direitos de transmissão?

Mas “péra lá”. Dos três argumentos, dois são obrigação do Estado cumprir. O cidadão que sai na rua deve sentir a mesma sensação de segurança a qualquer hora do dia, porque é dever do Estado protegê-lo. Com relação ao transporte, o peso recai sobre ambos Estado e transmissora. O transporte existe, está lá (poderia ser muito melhor, é verdade) e não faz sentido manter o número de opções de transporte quando a demanda é menor. Agora, para o cidadão que precisa acordar cedo para trabalhar no dia seguinte, se precisar reclamar com alguém, aí a culpa é da emissora.

Todo evento de caráter público tem sua data e horário definida pela prefeitura da cidade onde é realizado. Não é o caso do futebol. No futebol o que define o horário de transmissão, e portanto de realização dos jogos, é a novela das 8, aquela que passa às 21:00. É triste de imaginar que uma coisa tão ruim como a novela pode foder tanta gente. É o jeito irônico da vida de mostrar que a mulher tem muito poder sobre o homem. “Quer ver futebol? Foda-se! Primeira a novela!”.

Mas também não podemos eximir todos os homens de culpa, afinal um de nós monta a programação da rede de TV. Custa o filho da puta tirar a novela do ar um dia da semana (quarta-feira) para passar um jogo de futebol? Aqui comprovo no penúltimo parágrafo como novela é uma merda. Em lugares paradisíacos (leia-se “onde novela não é a base de programação da TV”) os caras transmitem aos domingos e segundas-feiras jogos de futebol americano em pleno horário nobre. Vale lembrar que o futebol americano tem 2 horas a mais de duração que o nosso e no fim do campeonato os caras conseguem ter o horário para comerciais mais caro do planeta.

Por que eles conseguem isso? Será que é pelo caráter eliminatório da competição, o popular mata-mata? Talvez seja. Isso significa que devemos reaplicar o mata-mata no campeonato brasileiro? Pela lógica não. Vai aí mais um pouco de ironia. Sabe a lei 564/06 que estávamos discutindo? O argumento principal da TV Globo para sustentação dos horários de jogos é de que a média de público é maior as 21:45 em comparação com jogos das 20:30. Sem comparar a grandeza e importância dos jogos que ocorrem nesses horários diferentes, isso quer dizer que a Globo defende a ideia de que quanto maior o público no estádio, melhor. O mata-mata tem média de público menor que pontos corridos. Se a Globo mantiver esse discurso, terá perdido sua chance de fazer um evento na proporção do Super Bowl no Campeonato Brasileiro. E acreditem em mim, o que faz o esporte ser adorado lá são duas coisas. A primeira é a capacidade e tecnologia que os filhos da mãe usam para transmitir um jogo.

A segunda é o abre-alas da próxima discussão. Lá os estádios lotam. Com preços apavorantemente altos e ingressos esgotados para duas próximas temporadas. Qual a diferença de lá para cá? Condições dos estádios! Vamos pegar o Texas do Dallas Cowboys por exemplo. Como vocês podem ver aqui, no Texas o salário mínimo é de 7,25 dólares por hora. Se na semana o cara trabalhar 40 horas (aqui são 44) ganha $290, o que no fim do mês corresponde a $1160. Para ir em um jogo naquele estádio novo com o maior telão do mundo e sentar na linha das 50 jardas o cara gasta $150, ou 12,9% do seu salário. Aqui, para ir no Prudentão (que tem um nome muito simpático, mas não chega nem perto de ter o maior telão, não é coberto, não tem restaurante e não tem estacionamento para seu carro) você gasta de 30 a 60 reais, dependendo do jogo. Porque caso não saibam, é a FPF (e não os clubes) quem determina um preço mínimo para ingresso. Pelo ingresso mais barato, sem lugar marcado, o brasileiro gastaria 5,5% do seu salário mínimo. Só para reforçar a idéia, eles gastam mais e, ainda assim, ingressos esgotados para as duas próximas temporadas. Eu traduzo os números dessa forma: lá o cara está propenso a gastar mais dinheiro que aqui para ir no estádio simplesmente porque lá o estádio é do caralho!

E aí entra o rolo da Copa do Mundo, das construções de estádios. Vamos pegar o Engenhão como exemplo. Construído para o Pan-Americano. Orçamento R$60 milhões. Custo final R$380 milhões (Desvio, será?). Arrendado para o Botafogo, clube cuja dívida ultrapassa os R$265 milhões. Já identificados problemas na estrutura. De acordo com a Casual Auditores, gera uma renda de R$1,8 milhão de reais por ano ao clube. Que toda sua renda fosse revertida para a União, que bancou maior parte deste projeto assim como bancará a Copa, ainda demoraria uns 200 anos para que fosse pago todo o projeto. É claro que não sou economista para prever valor da moeda, juros e inflação para fazer toda a conta de quantos anos realmente demoraria para captar a grana do investimento, mas eu precisaria ser para convencer você de que esse é um mau negócio?

Por essas e outras fico um pouco puto com o lance do Morumbi. É um clube assumindo uma dívida. E está para ser cortado da Copa. Não é um estádio no meio do nada que precisa de 100 editais para doação do terreno, outros 100 para concorrência entre construtoras e outros 100 para a administradora do estádio. A Copa do Mundo no Brasil deveria ser feita em estádios particulares reformados e estádios públicos já construídos e reformados. O estádio só precisa ser bonito por dentro, que é onde ficam a maioria das câmeras. Do lado de fora do estádio vai ter alguém fazendo uma matéria ridícula e será tirada uma foto para o álbum de figurinha. Dinheiro para estádio? Dinheiro para melhorias públicas! Investimento em transporte público só por causa da Copa? É vergonhoso ver quem se empolgue só com o evento da Copa do Mundo no Brasil sem pensar nos impactos que sua promoção causam. Para mim nem Copa, nem cozinha nem banheiro, seus filhos da puta!

Sobre a eleição no clube dos 13. Muito bom o argumento do Kléber Leite, cúmplice de Ricardo Teixeira (e cuja empresa da família negocia contratos de patrocínio com a CBF há algum tempo), falar sobre a necessidade de renovação na hierarquia. Fabio Koff é presidente do Clube dos 13 desde 1996. Ricardo Teixeira é presidente da CBF desde 1989. Ambos não contribuíram em nada para a melhora do esporte. Clube na mão de emissora. Emissora na mão de anunciantes. Torcedor na mão de todo mundo.

Em último lugar, vale a pena conferir este texto do Juca Kfouri. Só pra ver se ele acerta mais que a primeira. Tudo indica que sim.

2 comentários:

Igor Nishikiori disse...

De boa, cara. Tenta publicar esse texto em outro lugar. Ele está bom demais para ficar restrito a este pequeno blog. Tem coisa aí que eu não li em lugar nenhum. E só o fato de linkar horário ridículo de jogos, estádios às minguas, financiamento público da Copa e eleição do Clube dos 13 já está à frente de qualquer análise do Juca Kfouri.

Andre Leite disse...

Valeu pelos elogios velho. Pra ser sincero, não conheço um lugar onde esse texto possa ser publicado. Se você acha que rola e conhece onde dá pra fazer isso, dê uma luz e fique a vontade. Seria mais um jeito bacana de promover o blog.

Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.