9 de agosto de 2010

Obrigado, Dr. Herring

Eu sou da seguinte opinião: Algumas palavras se traduzem. Outras não. Quando estamos falando de música, usamos termos como “hype” e pirataria. Não há significado direto para “hype”. Por dedução deveria ser traduzido como “modinha”, mas o termo é tão pejorativo que o usamos em inglês mesmo. Já a pirataria pode significar tanto a reprodução ilegal de direito autoral como a pilhagem em alto mar. Coincidentemente o termo em inglês também é melhor aplicado: O “bootleg”, contrabando, ou aquilo que os piratas fazem.

Todo esse primeiro parágrafo se resume em uma banda: The Decemberists. Banda americana com um som classificado como “indie rock” (apesar de eu achar que esses termos mal servem de parâmetro) e que não é (ou está) “hype”. Por conta disso, talvez, o único contato que tive com a banda foi por conta da pirataria.

Quando meu amigo escreveu “saber que a discografia de tal banda já é praticamente obrigatória para quem curte uma boa música – e ainda compra CD, que nem eu” fiquei pensando nos Decemberists em particular. Não ouso dizer que seja som obrigatório para quem curte boa música, porque o termo “boa música” é relativo e pessoal, e “boa música” pode variar da orquestra ao axé, e ainda assim não veremos muitas pessoas que ouçam uma sinfonia e nem críticos musicais que respeitem o axé como movimento da cultura popular brasileira.

Não se fala muito em Decemberists, também, porque eles não tem álbuns lançados no Brasil. Quem quiser conhecer pode apelar para o bootleg (nos dois termos em que se aplica o termo) ou desembolsar R$85,00 em um dos CD's. Ao escolher a primeira opção descobri uma banda muito diferente da cena atual do rock.

Seu vocalista e compositor, Colin Meloy, prefere escrever músicas discretivas. Histórias sobre piratas, prostitutas, soldados, limpadores de chaminés e uma infinidade de universos que não se ouve nas letras introspectivas convencionais. Faz ainda uso de um vocabulário extenso em um inglês de expressões arcaicas que deixaria muitos tradutores desempregados. Fazem parte da formação atual da banda também Chris Funk (violão, bandolim, violino e uma variedade de outros instrumentos de corda), Jenny Conlee (acordeom, órgão, teclado, melódica), John Moen (bateria) e Nate Query (contrabaixo e baixo elétrico). Nos perfis sociais da banda a informação é que o grupo original se conheceu numa casa de banho turco e que eles viajam exclusivamente nos balões dirigíveis do Dr. Herring Brand, prova final da excentricidade.

O primeiro álbum Castaways and Cutouts, lançado em 2002, tem ótimas músicas e um ritmo variado entre baladas e temas mais obscuros, além da “sea shanty” A Cautionary Song (Outro termo sem tradução. Músicas de alto-mar, sobre a vida no barco, tema muito cantado no “Pirate Rock”. Como eu disse, os termos mal servem de parâmetro na música. É muito mais um indicativo étnico, como por exemplo o “Punk Rock Cigano” do Gogol Bordello ou o “Celtic Punk” do Flogging Molly). Enfim, em 2003 foi lançado Her Majesty, mais pop, menos experimental, foge um pouco da própria essência que se espera da banda, apesar da primeira faixa. Em 2005 lançou Picaresque, definitivamente o álbum mais bem trabalhado da banda até então, e no ano seguinte The Crane Wife, com a música-título baseada em uma antiga lenda japonesa e ainda When the War Came, sobre o cerco a Leningrado na Segunda Guerra Mundial e The Perfect Crime #2 com sua pegada Burt Bacharach "What the world needs now".

Em 2009 lançaram The Hazards of Love, um ópera rock (muito bem feito, por sinal) que conta a história de Margaret, uma mulher que se apaixona por William, um homem que se transforma em criatura. A mãe de William tenta impedir a união dos dois e conta com a ajuda de Rake (um libertino). Seja qual for a história, esta é uma composição incrível que vinga o nome “ópera”. Cada personagem e cada tom dramático da história tem seu leitmotif entoado sempre que a história reencontra seus elementos. É um CD com boas músicas que ficam ainda melhores quando o ouvimos por inteiro. Mesmo que em Hazards of Love a banda não explore toda sua diversificação instrumental, o propósito do álbum em contar a história se mantém e mantém a atenção de quem ouvir.

Como eu disse, não é uma banda “hype” e não posso dizer que quem sabe de música devia ouvi-la, mas com a discografia que a banda tem é possível afirmar que de composição e teoria musical a banda entende. The Decemberists parece não ter a pretensão de ser aclamada por público e crítica, nem ser mais ou menos comerciável. Seguem os ímpetos e ideias que surgem de seu vocalista e sem compromisso vão desenvolvendo projetos. É uma fórmula boa para seguir, mesmo que não seja a mesma do reconhecimento.

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