Eu tenho um amigo.
Mora no mesmo bairro que eu, estudou no mesmo colégio e assim como eu cursou uma faculdade. Estamos em um patamar socio-econômico próximo. Temos poucos interesses em comum.
Esse meu amigo não gosta muito de política, evita comentar ou debater sobre o assunto. Diz que vai votar no Serra. Não apresenta nenhum argumento para justificar sua escolha, mas diz que vai votar no Serra.
O partido do Serra é o partido que está desde 2005 na prefeitura de São Paulo. Também governa o Estado desde que esse meu amigo se conhece por gente. O bairro onde ele mora não tem tratamento de esgoto. A rua onde ele mora tem enchente. Nas redondezas de onde ele mora há uma obra anti-enchentes que está lá desde que eu me mudei para o bairro (há muito tempo). E a taxa de criminalidade nesse bairro é crescente.
Esse meu amigo não usa transporte público. Ele usa o carro dele para ir trabalhar. De vez em quando pega o ônibus. Sempre pega trânsito. Ele trabalha em uma área que foi beneficiada pela política econômica do governo federal e que no Brasil cresceu, apesar de empresas do mesmo ramo que a dele terem quebrado no mundo inteiro. Esse meu amigo já não é ligado em política, quem dirá em economia. Sem se interessar pelo tema, não pode se aproveitar dos debates que ele diz assistir para escolher em quem votar. Mas isso não é um problema, porque ele já tem um candidato.
Tentei debater política com ele, quando certa vez seu carro havia sido roubado. Ele foi assaltado (problema de segurança em São Paulo), não conseguiu fazer boletim de ocorrência (Quando os serviços da Telefonica estão indisponíveis o sistema da Polícia Militar também fica), teve que sair do conforto do carro dele para andar em ônibus abarrotado e chegou atrasado consideráveis vezes ao serviço (problema de transporte público em São Paulo), foi avisado pela polícia que o que sobrou de seu carro foi encontrado num desmanche (problema do crime organizado em São Paulo), e quando comprou outro carro foi beneficiado pela taxa de IPI reduzido (solução do governo federal).
Entrando no clima do debate, ele veio falar comigo sobre o lance do aborto. "Você viu que a Dilma mudou de posição?". Eu falei pra ele que achei isso uma pena. Mentira. Acho que primeiro falei pra ele calar a boca. E depois falei: "Se algum candidato falasse que era a favor do aborto eu votava na hora". Meu amigo é um pouco hipócrita, e um falso-moralista. Alguns anos atrás ele disse que talvez fosse virar pai. Ia ter um filho e não queria. Ele queria pular fora, a menina não. Se fosse dele a decisão, faria o aborto na hora. Acabou que era alarme falso, ele não é pai. Ainda bem. O cara tem um problema sério com drogas e álcool, e é infantil demais. Se ele tivesse um filho, seria um problema para a sociedade (muito por conta da genética do pai). Falei para ele que um dos reflexos diretos da legalização do aborto nos Estados Unidos foi a diminuição da violência.
Enfim... Esse meu amigo não é religioso. Quem da nossa idade é? Mas chega a criticar a falta de religião da candidata. Ele, como a grande maioria, tem dificuldade em aceitar que moralismo não vem da religião, e caso viesse, não caberia ao viciado falar sobre moral. É o tipo de coisa que o brasileiro tem dificuldade em distinguir (Ex: ensino ≠ educação, violência ≠ criminalidade).
Meu amigo é prato cheio para a campanha publicitária do PSDB. Ele não conhece ninguém da idade dele que estudou em escola pública, então tem que acreditar no que o governo diz sobre o ensino. Não usa o transporte público então tem que acreditar que o governo investe bem nas obras da área. Tem um plano de saúde, então não precisa usar os hospitais que o governo oferece. Já foi assaltado, mas acredita que isso está mais para casualidade que para ineficácia da segurança pública. É uma pessoa completamente apolítica. Fale meia dúzia de números para ele e algumas porcentagens e ele vai acreditar como se fosse notícia do Jornal Nacional.
Provavelmente vota no PSDB porque os pais dele fazem isso.
Eu não sei porque ele vota no PSDB.
Mas pior, ele também não.
8 comentários:
Uma teoria que tenho é que possivelmente ele vota no PSDB porque tem algum medo irracional do PT, como se política fosse puro maniqueísmo.
Mas, de qualquer forma, é importante salientar que a pessoa em questão tem direito de resposta, segundo as regras da democracia.
A pessoa em questão são 80% das pessoas com que você também estudou.
Muito interessante este meio de saber o que uma pessoa realmente pensa sobre a outra...
O camarada anônimo, se me conhece, sabe que não preciso de um blog para falar o que penso de uma pessoa, muito menos ficar anônimo.
Pelo fato de estar anonimo no texto e pelo uso de mentiras... É preferível o anonimato... Para evitar problemas posteriores!!!
Indepedente de a análise levar em conta uma pessoa ou milhares, reitero aqui a questão do direito de resposta a quem se sentiu ofendido pelo texto. Mesmo sob a condição de anonimato.
Está livre para entrar em contato por comentário, e-mail, telefone para discutir quaisquer fins.
Mto bom o texto.
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