13 de março de 2011

Big Star: A melhor banda que ninguém nunca ouviu

A curta porém intensa história do rock é repleta de passagens curiosas. Nesse quesito, o Big Star merece uma menção que seja. A história dos caras é a seguinte: no início dos anos 70, quando o sonho dos Beatles já tinha acabado, os Rollings Stones já estavam atrás de sons novos, o Syd Barret já tinha sido enxotado do Pink Floyd por suas doideiras, o Brian Wilson já tinha entrado numa viagem de LSD e não retornado, e o hard rock começava a fazer a cabeça das pessoas, com bandas como Led Zeppelin, Jimi Hendrix Experience, Black Sabath e Deep Purple, surgia na contramão da história o Big Star, com seu rock leve e descompromissado inspirado no som da Invasão Britânica dos anos 60.

Mas a coisa vai muito além de estar no lugar errado e na hora errada. Mesmo com o talento assombroso dos caras e da mistura perfeita de ritmos, o Big Star jamais alcançou a fama devido a uma urucubaca pesada que perseguiu o grupo durante seu pouco tempo de existência. A coisa só melhorou anos depois, quando um pessoal talentoso redescobriu a banda e promoveram um revival, mas, apesar disso, a verdade é que até hoje eles são mais reconhecidos pela crítica do que pelo grande público. Essa talvez seja uma das sinas mais folclóricas do rock.

O Big Star nasceu em 1971, em Memphis, Tennessee (EUA), composta pelo vocalista e guitarrista Alex Chilton, pelo também guitarrista Chris Bell, pelo baterista Jody Stephens e pelo baixista Andy Hummel. Chilton e Bell eram colegas de colegial que compartilhavam a paixão pelos Beatles. Chegaram a montar uma banda nessa época, mas a coisa não foi pra frente. Eles, então, tomaram rumos diferentes: Chilton foi tocar numa banda de R&B chamada DeVilles, que depois passou a se chamar The Box Tops. Eles emplacaram alguns hits no final dos anos 60, mas nada de tão memorável. Em 1969, Chilton resolveu sair de sua cidade e ir para Nova York tentar a vida como cantor folk, com um violão debaixo do braço à la Bob Dylan. A aventura não deu muito certo e ele voltou para Memphis em 1971.

Nesse meio-tempo, Bell começou a trabalhar no recém-criado estúdio Ardent, que mais tarde receberia Led Zeppelin, Isaac Hayes e REM, entre outros nomes desse quilate. Ele também costumava tocar em bares e pequenas casas de show com sua banda, Icewater, junto com Hummel e Stephens. Tal qual na turnê dos Beatles em Hamburgo em 1962, o repertório consistia basicamente de covers de outras bandas que faziam sucesso na época, com uma ou outra canção de autoria própria. Recém-chegado à cidade, Chilton gostou do que ouviu e apresentou algumas músicas que compôs. Lógico que ele foi convidado para entrar para a banda.

Com a nova formação, eles praticamente se trancaram no estúdio para gravar o primeiro álbum. As sessões eram longas e extenuantes. Numa dessas, eles resolveram dar uma pausa e filar um petisco no supermercado da esquina, o Big Star Foodmarkets. Nisso, algum insano resolveu batizar a banda de Big Star e o nome pegou.

O primeiro disco deles, #1 Record, foi lançado em abril de 1972. O interesse pela música negra de Chilton misturou-se com a influência dos Beatles de Bell e, com as contribuições de Hummel e Stephens, criaram um álbum interessantíssimo. As composições são extremamente criativas, com riffs que grudam na cabeça e mudanças melódicas perfeitas. A faixa de abertura "Feel", por exemplo, começa com uma porrada pura até cair numa espécie de melancolia no refrão, seguido de um bridge com metais ao estilo soul. Apesar de todos terem contribuído nas composições, eles quiseram mimetizar os Beatles e creditaram quase todas as faixas como Bell/Chilton. Anos depois, duas músicas deste álbum ficariam conhecidas por causa do That’s 70 Show: “In The Street” e “Thirteen”.

Apesar de ter sido bem recebido pela crítica, problemas gerenciais na gravadora Stax fizeram com que os discos simplesmente não chegassem às lojas. As vendas baixas caíram como uma bomba no grupo. Já rolavam discussões sobre se eles fariam turnês – como queria Chilton – ou se seriam uma banda de estúdio – tal como planejava o beatlemaníaco Bell. As rixas foram aumentando até chegarem às vias de fato, com a porradaria comendo solta entre Bell e Hummel. Chris Bell, então, deixou o grupo perto do Natal de 1972.

Mesmo assim, os planos para um novo disco continuavam de pé. Radio City foi lançado em fevereiro de 1974, mas sem o mesmo frescor do álbum de estreia. Apesar de algumas boas canções, como “Back of Car”, “I’m in Love with a Girl” e “September Gurls” (cujo termo foi depois adotado pela Katy Perry em “California Gurls”), no geral Radio City é apenas mediano. Os críticos viram com entusiasmo o disco, já que ele manteve intacto o belo som da banda mesmo com toda a confusão que rolou. Mas mesmo quem quisesse conferir não conseguiria, pois novamente problemas de distribuição da gravadora, dessa vez na Columbia, fez com que poucos álbuns chegassem às lojas.

Com isso, Andy Hummel pediu as contas e foi embora. Mesmo assim, Chilton e Stephens entraram em estúdio naquele mesmo ano para gravar o terceiro álbum do Big Star. Mas era óbvio que todos os acontecimentos que envolveram a banda até o momento trariam mudanças profundas. Algumas canções são tão melancólicas que fizeram o álbum ser escolhido como o mais triste da história pelo jornal New Music Express, batendo qualquer outra coisa já feita pelo Joy Division. Perto de “Holocaust” e “Big Black Car”, The Smiths é tão alegre quanto um axé. Eles também romperam com muitas outras características dos discos anteriores. Em vez de falar sobre garotas, as letras mostram-se muito mais maduras, sobra até uma música meio cristão natalina chamada “Jesus Christ”. E o arranjo de cordas foi usado de maneira soberba, como em “For You” e “Take Care”, deixando as coisa ainda mais dramáticas.

Na verdade, Chilton e Stephens não planejavam lançar o álbum sob o nome do Big Star. Aquilo estava mais para um projeto paralelo do que um caminho natural da banda. Um dos nomes cogitados para o duo seria Sister Lovers, porque na ocasião eles estavam namorando duas garotas que eram irmãs. De qualquer maneira, aquele apanhado de músicas tristes e mal acabadas se mostrou um tremendo disco. O problema é que a Stax, a gravadora que lançaria o álbum, foi à bancarrota em 1975, antes de seu lançamento. Para piorar, muitos consideravam o disco comercialmente inviável. Então, as músicas só circulavam por meio de cópias demos de mão em mão, até que a gravadora PVC decidiu lançá-la em 1978. Só que nessa época o Big Star já tinha acabado e, tal qual os Beatles, eles estavam mais preocupados com suas respectivas carreiras solos do que qualquer outra coisa. E nesse mesmo ano, Chris Bell, que se tratava de uma crise de depressão, morreu em um acidente de carro em Memphis.

Mesmo com o karma negativo que atravessou toda a trajetória do Big Star, eles acabaram sendo redescobertos por uma parcela de artistas que começava a aparecer nos anos 80, como REM, Teenage Fanclub e Cheap Trick. Foi mais ou menos nessa época que o termo Power Pop apareceu, com o Big Star cravando seu lugar no panteão do estilo. Segundo o AllMusic, “Power Pop é o cruzamento do barulho do hard rock do The Who e da melodia suave dos Beatles e Beach Boys, com uma pitada de guitarras dos Byrds”.

Seus discos foram relançados, e dessa vez o pessoal poderia finalmente ouvir seus álbuns. Mas mesmo assim, o Big Star continuou relegado mais aos fanáticos por música do que para o público. Os críticos mais exaltados chamavam-os de "A melhor banda que ninguém nunca ouviu falar" e "Os Beatles norte-americanos". Na década de 90, o power pop ficou badalado entre as bandas indies, como Wilco, Elliot Smith e Pavement, e o que já era alternativo por natureza acabou virando alternativo por filosofia.

Todo esse revival fez com que o Big Star voltasse aos palcos em 1993, com Chilton e Stephens tocando com Jon Hauer (ex-Posies) e Ken Stringfellow (que tocou com uma porrada de gente). Em 2005, a banda lançou o disco inédito “In Space”. Mas era evidente que as coisas já não eram como antes. Seria como se Paul McCartney e Ringo Starr juntassem uma galera e usassem o nome The Beatles para lançar um disco inédito. Tem coisas que é melhor deixar quieto.

Alex Chilton morreu em março de 2010 devido a problemas cardíacos. No próximo dia 26 vai rolar um show em tributo a ele em Nova York, com a presença do pessoal do REM, Yo La Tengo! e Primal Scream, entre outros fãs de renome. Também em 2010, em julho, morreu Andy Hummel, vítima de câncer.

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