5 de março de 2011

Zeitgeist SP

Todo mundo sabe que o Kassab faz parte do lobby das imobiliárias, assim como boa parte da bancada governista da Câmara Municipal. Ele e diversos vereadores quase foram cassados no ano passado por terem recebido doações ilegais da Associação Imobiliária Brasileira durante as eleições de 2008. Conhecendo a Justiça brasileira, seria muito improvável isso se consumar, mas pelo menos a mídia acabou divulgando a nefasta revelação. E apenas a título de curiosidade, Kassab trabalhava como corretor de imóveis antes de entrar na política.

Isso explica bastante coisa. Em 2009, houve a polêmica revisão do Plano Diretor da cidade de São Paulo. O trecho mais indecente era a que alterava a utilização das ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), que são destinadas para a construção de moradias populares. A mudança permitiria que as zonas fossem usadas livremente pelo mercado. Em julho de 2010, um juiz invalidou o novo Plano Diretor por não ter contado com a participação popular devido a falhas na audiência pública. Aparentemente, o projeto ainda está na Câmara Municipal para ser votada.

Há também o projeto Nova Luz, que pretende dar carta branca para um consórcio desapropriar e demolir os imóveis que quiserem. A ideia de revitalizar a região é até nobre, mas a falta de transparência está botando o terror em quem vive por ali. Segundo uma associação de moradores local, a prefeitura não deu nenhuma garantia de que o pessoal que será desapropriado voltará ao antigo endereço. E nem eles nem os comerciantes sabem o que farão da vida enquanto as obras estiverem rolando. Nenhum espaço provisório foi indicado pelo governo municipal. Também não há qualquer menção sobre o que será feito dos nóias que vão fumar crack por lá. Possivelmente vão ser chutados para algum outro canto da cidade, como sempre.

Aliás, ainda em 2009, a prefeitura fechou diversos albergues no centro da cidade e abriu novas vagas nos bairros da periferia. Também cancelou programas como o Oficina Boracéia, que atendia a população de rua. É muito óbvio sacar o significado disso: quanto mais longe esse pessoal ficar do centro, mais a região se valoriza. Sem muita alternativa, muitos sem-tetos passaram a dormir embaixo do Minhocão, mas eles acabaram sendo expulsos pelos comerciantes dos arredores. Hoje é possível ver alguns deles se abrigando na região de Higienópolis ou perto do metrô Santa Cecília.

Não por acaso, a mais recente vítima da especulação imobiliária é a baixa Augusta, que está localizada numa região privilegiada do centro – entre a Paulista, a Consolação e a República. Redescoberta pela juventude alternativa paulistana, agora ela está prestes a virar uma Vila Olímpia gay, segundo a opinião de um amigo que mora lá perto. As casas de tolerância estão dando lugar a novas casas de show e construções. Há 11 edifícios sendo erguidos, com preço médio de R$ 6 mil o metro quadrado, valor comparável com o metro quadrado da Faria Lima, onde não é possível construir mais nada e os imóveis são disputados à tapa.

Além de elitizar, a especulação imobiliária também é a responsável pelos índices recordes de trânsito na capital. A questão disso é simples: como os terrenos estão escassos, as construtoras erguem imóveis cada vez menores, onde cabem mais gente, e obtém lucro fácil. Assim, mais pessoas se aglomeram em uma determinada região. Isso logicamente acaba sobrecarregando os serviços públicos de uma maneira geral.

Quando o Estado não organiza o caos, o caos se instala. É óbvio que o ônibus e o metrô estão saturados. Com mais pessoas indo para os mesmos lugares e ao mesmo tempo, pegar um ônibus é quase como pagar seus pecados, com a diferença de que é preciso desembolsar 3 reais para isso. E ao usuário não resta muita opção. Em alguns países da Europa (não sei se são todos), quanto mais crédito você recarrega em um cartão estilo Bilhete Único, mais desconto ganha. No metrô de São Paulo até tem um negócio parecido, chamado Cartão Fidelidade, mas sem a integração com os outros tipos de transportes o cartão é inútil para boa parte da população.

A verdade é que o aumento do ônibus vai muito além dos 3 reais. O repasse dos subsídios às empresas deve passar de R$ 660 milhões em 2010 para R$ 743 milhões este ano. Essa grana seria apenas para bancar as passagens gratuitas e a meia entrada dos estudantes. A prefeitura ainda é obrigada a bancar as melhorias no sistema, como reforma nos pontos e manutenção de corredores de ônibus. A conclusão disso é que a única tarefa das empresas é a de deixar a grana entrar no caixa, já que não houve qualquer melhora nas linhas ou nos veículos.

Quem quer fugir disso tudo pode tentar pegar um carro. Mas é lógico que a especulação imobiliária também provoca aumento na quantidade de automóveis que trafegam em uma determinada região, logo o congestionamento tende a aumentar. E as medidas tomadas para evitar esse problema se mostraram inócuas. Kassab restringiu a circulação de caminhões pela cidade, além da implantação do rodízio para esse tipo de veículo, mas o efeito foi quase nulo. E no ano passado, a ampliação da Marginal Tietê custou nada menos que R$ 1,3 bilhão aos cofres estaduais e municipais, e nos sete meses que demorou para ficar pronta, já ficou saturada. Para piorar, sem o canteiro central para permeabilizar o solo, aumenta o risco de enchentes na marginal.

E não ajuda muito o fato do serviço de desassoreamento do Tietê retirar apenas 380 mil metros cúbicos de detritos por ano, quando o ideal é 1 milhão de metros cúbicos. Para piorar, o serviço deixou de ser feito pelo governo estadual de dezembro de 2006, quando terminaram as obras de rebaixamento da calha do rio, até outubro de 2008, quando o contrato teve início. Nesse meio tempo, o leito do Tietê recebeu uma média de 1,2 milhão de metros cúbicos de detritos por ano. Ou seja, as obras de alargamento e rebaixamento da calha, que custaram mais de R$ 1,5 bilhão e demoraram três anos para ficarem prontas, hoje é totalmente inútil.

Fora isso, de 2008 para 2010, os investimentos em ações antienchentes da prefeitura caíram 8,7%, de R$ 389 milhões para R$ 358 milhões, já corrigida a inflação. Sendo que, no ano passado, as receitas do município aumentaram 20,4% em comparação com 2009. No mesmo período, os gastos com publicidade saltaram de R$ 57,8 milhões para R$ 108,9 milhões.


OBS: Esse texto não tem nada a ver com Movimento Zeitgeist ou com o filme. É apenas resultado de uma coleção de notícias que fui recolhendo por aí sem muita pretensão

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