4 de dezembro de 2007

A primeira noite no Inferno - pt.2

Depois de pagarmos a cerveja, nos encontramos em um dilema ético-moral: como entrar na balada sem gastar um tostão? Iniciamos as conversas após eu ter pego um flyer no balcão e constatado que a entrada seria de exorbitantes 25 pilas. Para nosso mirrado salário de jornalista esse era um preço absurdo. Formulamos, então, um esquema da mais pura trambicagem.

Atravessamos a rua e chegamos ao Inferno. Na entrada, o demônio em pessoa estava alegrando a multidão da fila, distribuindo chicotadas e insultos aos transeuntes. O fotógafo e eu passamos incólumes pela ira do tinhoso e seguimos direto até a bilheteria. Com um bom xaveco, nós conseguimos entrar na faixa, graças (talvez) à minha fantasia de repórter. O outro elemento foi ouvir impropérios na fila gelada e ingrata.

Apesar de a casa estar fazendo um ano de existência, era a primeira vez que pisava no recinto. E de fato, me impressionei. Primeiro, porque o Inferno é idêntico ao Outs (inclusive, um fica defronte do outro), exceto pela falta de um andar com uma pista de dança. Segundo, porque o ambiente é esdrúxulo. Nada parece fazer sentido nesse lugar: bancos de lanchonete no estilo Honker Burger em um canto, um quadro do Scarface na chapelaria, objetos estranhos pendurados no teto, esculturas bizarras na parede e uma clara fixação por estampas de onça (que adornam os pilares, o palco e o bar). Um decorador de ambientes certamente teria chiliques ao entrar no local.

Mas esse habitat parecia alegrar a meninada descolada. Aliás, descolada é metonímia conservadora. Logo na entrada, me deparei com um traveco ao estilo elisabetano sendo alvo de fotos. Depois, uma diaba em trajes sumários passou jogando charme na minha frente.

O mais importante é que os dois parceiros estavam realizando o trabalho com competência. Enquanto um abordava as moçoilas, o outro tirava a foto. Confesso que eles mandaram bem na tarefa. O tato que eles tinham para essas situações era de impressionar. Difícil encontrar alguma garota que não tenha sido fotografada na balada naquele dia.

Uma delas teve a minha bizarra contribuição. Tomava nota de alguns detalhes em um bloquinho emprestado quando ela perguntou:
- O que você está escrevendo aí no caderninho?
- Sobre tudo - respondi.
- Ah, tá. Deve ser difícil escrever assim, nessas condições.

Antes que eu a ofendesse com alguma resposta cretina, perguntei se não queria tirar uma foto.
- Ah, mas não quero aparecer sozinha - disse ela.
- Você não veio acompanhada?- perguntei, sem malícia.
- Tô com ele - disse, apontando para um mané qualquer.
- Ah - respondi.

O casal se aproximou para tirar o retrato. Depois do clique, eu e o fotógrafo agradecemos e já dávamos meia-volta, quando ela me chamou novamente.
- Quero tirar uma foto com você - disse para mim, com um sorriso no rosto.

Olhei para o fotógrafo e ele gesticulou como se falasse "vai lá. Foda-se". Aproximei e tirei a foto com eles. Agradeci novamente e dessa vez foram eles quem deram meia-volta e sumiram na multidão. Confesso que aquela atitude ficou marcada por um tempo na minha cabeça. Principalmente depois do segundo encontro.

Mas, naquele instante, o que me incomodava mesmo era que o show não dava qualquer sinal de início. "Me disseram que começaria às 1h", tentou me acalmar o fotógrafo. Já passava das 2h, e nada. Meia hora depois, uma movimentação no palco prenunciou a apresentação.

O flyer não anunciava quem tocaria, apenas dizia que seriam duas bandas “surpresas”. E, de fato, foi – pelo menos, a primeira. Vanguart começou com uma música bem ao estilo deles, um folk progressivo, porém agitado, que animou o público. Después, el cantante comenzó a hablar en español con la platea. E seguiu tocando canções que constam no meu acervo de excelentes músicas: "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" e "With a Little Help From My Friends", dos Beatles, foram algumas delas. Eles também passaram pelo repertório de Bob Dylan, Raul Seixas, Neil Young, Velvet Underground e Raimundos – sempre com a companhia de elementos de outras bandas do circuito alternativo brasileiro. No fim, terminaram com "Semáforo", a segunda música própria que eles tocaram naquela noite.

Continua...

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