Invariavelmente, sempre em época de eleição, o espírito intelectual do Pelé baixa no corpo da maioria das pessoas, que não tergiversam e vomitam com toda pompa e estilo que o brasileiro não sabe votar. Na verdade, na boca da classe média, isso soa mais como “pobres não sabem votar”, já que quando se trata de generalizações o autor automaticamente se torna exceção à regra.
Não que o brasileiro seja um ótimo votante, mas isso mostra o quão soberba é a nossa querida classe média. Por exemplo, não é incomum ouvir reclamações, com uma certa razão, da alta taxa de impostos no Brasil. Qualquer cidadão que pira num iPod ou mesmo em um simples Big Mac sabe que pagamos muito caro por esses produtos em comparação com outros países. Daí para acusar o governo de corrupto é um pulo. E sempre que sai uma matéria sobre tributos, o pessoal trata de repetir os mantras da imprensa como se fosse a liturgia da palavra, sendo o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo sua cruz.
O problema é que a questão central sobre o tributo não é debatida a sério nos meios de comunicação. Em geral, os jornalistas embarcam na ideia do empresariado de simplesmente abaixar o nível dos impostos, como se isso pudesse resolver tudo. Só que isso é inviável para o funcionamento da máquina estatal, que, com pouco dinheiro em caixa, não poderá atender a toda população e ficará à mercê dos próprios empresários.
O lance do imposto no Brasil é seu sistema injusto. Segundo um estudo do Sindifisco, os impostos indiretos representam 54,9% da carga tributária recolhida no país, enquanto que os impostos diretos são apenas 30,66% de tudo que o governo arrecada. Isso merece uma rápida explicação: impostos indiretos são atreladas ao consumo, portanto estão embutidos no preço de um produto. Dessa forma, uma pessoa que ganha R$ 100 paga o mesmo tanto de tributo em um saco de arroz que alguém que ganha R$ 100 mil. Já os impostos diretos são relativos ao patrimônio e à renda do cidadão. Assim, quanto mais rica é a pessoa, mais taxa ela paga. Só para efeito de comparação, nos EUA e no Canadá cerca de metade da carga tributária é de imposto direto, enquanto que 17% são de tributos sobre o consumo.
Como se tudo já não fosse ridículo demais, existem ainda algumas distorções. Por exemplo, jatinhos, helicópteros, iates e lanchas de luxo não pagam IPVA, já que o imposto incide somente sobre veículos terrestres. Além disso, o imposto sobre grandes fortunas (IGF) até hoje não foi regulamentado, apesar de constar na Constituição de 1988. A proposta mais concreta partiu dos deputados do PSOL em 2008, e está para ser votada na Câmara.
Isso se for colocada em pauta, porque qualquer tentativa de mudança mais justa no nosso sistema é um parto. Em 2003, o governo Lula enviou para o Congresso uma proposta de reforma tributária que alterava essas distorções. Porém, todas os artigos com mudanças nos impostos diretos foram retalhados ainda nas comissões temáticas pelos políticos conservadores e ricaços.
Depois disso, a única medida (que eu me lembre) que Lula conseguiu implementar foram as novas alíquotas no IR, que abaixou o imposto para quem ganha menos. Porém, ele não aumentou nossa alíquota máxima, de 27,5%, que ainda está longe da do Chile (40%) e da Argentina (35%).
Se o Lula fracassou em tornar nosso sistema tributário mais justo, FHC conseguiu ser pior. Ele mudou a legislação de maneira a atrair maior investimento estrangeiro, oferecendo isenção fiscal na remessa de lucros para o exterior e em aplicações do capital estrangeiro. Também ofereceu renúncia fiscal para distribuição de lucros entre sócios de pessoas juridicas. Dessa forma, um alto funcionário pode declarar ao Fisco que recebe R$ 1.000, quando na verdade ganha R$ 10 milhões por ano de lucros da empresa e, assim, não paga um centavo de imposto de renda.
Além disso, FHC cortou a alíquota de 35% do IR, fazendo com que os ricos paguem tanto quanto a classe média. Em contrapartida, durante a crise cambial de 1999, o então presidente, entre outras medidas, aumentou os impostos indiretos, fazendo a carga tributária saltar de 25% para 37% do PIB.
A proposta que o Sindifisco defende é simples: acabar com as isenções de imposto sobre pessoa jurídica e do capital financeiro, manutenção da correção da inflação na tabela do IR, taxar as grandes fortunas e os veículos de luxo e, aí sim, diminuir gradativamente os impostos sobre o consumo. Assim, o impacto sobre o orçamento nacional seria zero e a classe média pagaria menos imposto do que agora. Mas é preciso explicar tudo isso pra eles.
2 comentários:
Mas é bom lembrar que só o reajuste dos impostos não resolve o problema. O repasse dos impostos para as áreas devidas tem que ser melhor controlado também. Uma pessoa paga IPVA e Inspeção Veicular para ter o direito de andar de carro, mas quanto do que ele pagou é investido em obras que garantam um rolê de qualidade no asfalto?
Eu ficaria mais feliz se soubesse que 100% dos impostos embutidos em cigarro sejam revertidos para a área da saúde. Meu fumar seria mais apreciável e seguro, já que quando precisar de um tratamento a grana do hospital estará garantida!
Interessante artigo, principalmente a parte dos impostos indiretos incidirem mais sobre uma pessoa que ganha menos. Verdade. Agora, o autor esquece que, primeiro, apenas 50% dos empregos são formais. Ou seja, há uma grande parcela da sociedade que já não paga impostos de renda. Já a classe média inteira com carteira assinada paga impostos na fonte. Segundo, nosso imposto de renda de 27,5% já é um valor altíssimo para uma país em desenvolvimento. Nos EUA, vc pode pagar até 35%, é verdade, mas vc tem direito de deduzir MUITO mais coisas, como por exemplo a hipoteca da casa, e recebe inúmeros serviços de qualidade do governo. E nos EUA, como o autor mesmo escreveu, os impostos indiretos são menores. Terceiro o autor se esquece que já existe uma progressão na taxa de imposto de renda tanto para indivíduos quanto para empresas e que as empresas também pagam CSLL e por essas taxas serem PORCENTAGENS sobre a RENDA isso já implica que os que GANHAM MAIS PAGAM MAIS. O problema como vemos não é tanto da distorção da arredação e sim da fiscalização dos impostos para os muito ricos, da distribuição dos investimentos dos governos e tbm das taxas elevadas. Ao abaixarmos as taxas, todas elas, estamos injetando mais dinheiro na economia, gerando mais empregos e consequentemente gerando mais impostos. Vide o exemplo dos produtos de informática, ao abaixar os impostos o governo arrecadou mais!
Postar um comentário