O grande problema de discutir política no Brasil é que ninguém costuma convergir para um pensamento único. Se há um mensalão no PSDB/aliados os petistas reclamam. Se há um mensalão no PT/aliados os psdbistas reclamam. Cada um quer tirar o seu da reta e jogar a culpa no outro. “Posso estar errado, mas estou menos errado que o outro”. E tem gente que costuma cair nessa conversa.
Existe um problema maior ainda em discutir política no Brasil quando a política entra no campo do futebol. E essa discussão tem ocorrido com frequência desde o projeto de lei 564/06, aquele que limita o horário de término de qualquer competição esportiva (Sim, qualquer competição. Não é só o futebol). Então vou falar a respeito disso. Pode se preparar, vai voar merda pra tudo que é lado. Diferente da retórica brasileira do primeiro parágrafo, eu gosto de culpar todo mundo.
Começando então pelo projeto de lei 564/06, que já foi chutado. Argumentos principais para aprovação do projeto foram a falta de transporte público, diminuição da segurança e o fato de futebol ser um esporte popular e a população não ter como alinhar de forma saudável, nesse horário, suas obrigações profissionais com seu direito a lazer. Dados esses argumentos, o que fazer? Bater de frente com a detentora dos direitos de transmissão?
Mas “péra lá”. Dos três argumentos, dois são obrigação do Estado cumprir. O cidadão que sai na rua deve sentir a mesma sensação de segurança a qualquer hora do dia, porque é dever do Estado protegê-lo. Com relação ao transporte, o peso recai sobre ambos Estado e transmissora. O transporte existe, está lá (poderia ser muito melhor, é verdade) e não faz sentido manter o número de opções de transporte quando a demanda é menor. Agora, para o cidadão que precisa acordar cedo para trabalhar no dia seguinte, se precisar reclamar com alguém, aí a culpa é da emissora.
Todo evento de caráter público tem sua data e horário definida pela prefeitura da cidade onde é realizado. Não é o caso do futebol. No futebol o que define o horário de transmissão, e portanto de realização dos jogos, é a novela das 8, aquela que passa às 21:00. É triste de imaginar que uma coisa tão ruim como a novela pode foder tanta gente. É o jeito irônico da vida de mostrar que a mulher tem muito poder sobre o homem. “Quer ver futebol? Foda-se! Primeira a novela!”.
Mas também não podemos eximir todos os homens de culpa, afinal um de nós monta a programação da rede de TV. Custa o filho da puta tirar a novela do ar um dia da semana (quarta-feira) para passar um jogo de futebol? Aqui comprovo no penúltimo parágrafo como novela é uma merda. Em lugares paradisíacos (leia-se “onde novela não é a base de programação da TV”) os caras transmitem aos domingos e segundas-feiras jogos de futebol americano em pleno horário nobre. Vale lembrar que o futebol americano tem 2 horas a mais de duração que o nosso e no fim do campeonato os caras conseguem ter o horário para comerciais mais caro do planeta.
Por que eles conseguem isso? Será que é pelo caráter eliminatório da competição, o popular mata-mata? Talvez seja. Isso significa que devemos reaplicar o mata-mata no campeonato brasileiro? Pela lógica não. Vai aí mais um pouco de ironia. Sabe a lei 564/06 que estávamos discutindo? O argumento principal da TV Globo para sustentação dos horários de jogos é de que a média de público é maior as 21:45 em comparação com jogos das 20:30. Sem comparar a grandeza e importância dos jogos que ocorrem nesses horários diferentes, isso quer dizer que a Globo defende a ideia de que quanto maior o público no estádio, melhor. O mata-mata tem média de público menor que pontos corridos. Se a Globo mantiver esse discurso, terá perdido sua chance de fazer um evento na proporção do Super Bowl no Campeonato Brasileiro. E acreditem em mim, o que faz o esporte ser adorado lá são duas coisas. A primeira é a capacidade e tecnologia que os filhos da mãe usam para transmitir um jogo.
A segunda é o abre-alas da próxima discussão. Lá os estádios lotam. Com preços apavorantemente altos e ingressos esgotados para duas próximas temporadas. Qual a diferença de lá para cá? Condições dos estádios! Vamos pegar o Texas do Dallas Cowboys por exemplo. Como vocês podem ver aqui, no Texas o salário mínimo é de 7,25 dólares por hora. Se na semana o cara trabalhar 40 horas (aqui são 44) ganha $290, o que no fim do mês corresponde a $1160. Para ir em um jogo naquele estádio novo com o maior telão do mundo e sentar na linha das 50 jardas o cara gasta $150, ou 12,9% do seu salário. Aqui, para ir no Prudentão (que tem um nome muito simpático, mas não chega nem perto de ter o maior telão, não é coberto, não tem restaurante e não tem estacionamento para seu carro) você gasta de 30 a 60 reais, dependendo do jogo. Porque caso não saibam, é a FPF (e não os clubes) quem determina um preço mínimo para ingresso. Pelo ingresso mais barato, sem lugar marcado, o brasileiro gastaria 5,5% do seu salário mínimo. Só para reforçar a idéia, eles gastam mais e, ainda assim, ingressos esgotados para as duas próximas temporadas. Eu traduzo os números dessa forma: lá o cara está propenso a gastar mais dinheiro que aqui para ir no estádio simplesmente porque lá o estádio é do caralho!
E aí entra o rolo da Copa do Mundo, das construções de estádios. Vamos pegar o Engenhão como exemplo. Construído para o Pan-Americano. Orçamento R$60 milhões. Custo final R$380 milhões (Desvio, será?). Arrendado para o Botafogo, clube cuja dívida ultrapassa os R$265 milhões. Já identificados problemas na estrutura. De acordo com a Casual Auditores, gera uma renda de R$1,8 milhão de reais por ano ao clube. Que toda sua renda fosse revertida para a União, que bancou maior parte deste projeto assim como bancará a Copa, ainda demoraria uns 200 anos para que fosse pago todo o projeto. É claro que não sou economista para prever valor da moeda, juros e inflação para fazer toda a conta de quantos anos realmente demoraria para captar a grana do investimento, mas eu precisaria ser para convencer você de que esse é um mau negócio?
Por essas e outras fico um pouco puto com o lance do Morumbi. É um clube assumindo uma dívida. E está para ser cortado da Copa. Não é um estádio no meio do nada que precisa de 100 editais para doação do terreno, outros 100 para concorrência entre construtoras e outros 100 para a administradora do estádio. A Copa do Mundo no Brasil deveria ser feita em estádios particulares reformados e estádios públicos já construídos e reformados. O estádio só precisa ser bonito por dentro, que é onde ficam a maioria das câmeras. Do lado de fora do estádio vai ter alguém fazendo uma matéria ridícula e será tirada uma foto para o álbum de figurinha. Dinheiro para estádio? Dinheiro para melhorias públicas! Investimento em transporte público só por causa da Copa? É vergonhoso ver quem se empolgue só com o evento da Copa do Mundo no Brasil sem pensar nos impactos que sua promoção causam. Para mim nem Copa, nem cozinha nem banheiro, seus filhos da puta!
Sobre a eleição no clube dos 13. Muito bom o argumento do Kléber Leite, cúmplice de Ricardo Teixeira (e cuja empresa da família negocia contratos de patrocínio com a CBF há algum tempo), falar sobre a necessidade de renovação na hierarquia. Fabio Koff é presidente do Clube dos 13 desde 1996. Ricardo Teixeira é presidente da CBF desde 1989. Ambos não contribuíram em nada para a melhora do esporte. Clube na mão de emissora. Emissora na mão de anunciantes. Torcedor na mão de todo mundo.
Em último lugar, vale a pena conferir este texto do Juca Kfouri. Só pra ver se ele acerta mais que a primeira. Tudo indica que sim.
2 comentários:
De boa, cara. Tenta publicar esse texto em outro lugar. Ele está bom demais para ficar restrito a este pequeno blog. Tem coisa aí que eu não li em lugar nenhum. E só o fato de linkar horário ridículo de jogos, estádios às minguas, financiamento público da Copa e eleição do Clube dos 13 já está à frente de qualquer análise do Juca Kfouri.
Valeu pelos elogios velho. Pra ser sincero, não conheço um lugar onde esse texto possa ser publicado. Se você acha que rola e conhece onde dá pra fazer isso, dê uma luz e fique a vontade. Seria mais um jeito bacana de promover o blog.
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