Seria muito legal me despedir de 2008 no BcF com um texto louvável, mas na verdade a inspiração tem passado por mim com a mesma freqüência que um canguru passa pela Imigrantes descendo a serra para surfar.
Neste ano, como nos anos anteriores, caberia uma retrospectiva. É um ótimo exercício analisar um determinado período e refletir o seu papel no desenvolvimento dos fatos, para ver se isso culminará em um ponto em que você comece a achar necessário o exercício de retrospecção ou não. Calcular sua parcela de culpa, por assim dizer. Saber se o saldo ainda é positivo.
Por outro lado, isso é um tanto trabalhoso e pouco frutífero. O que fazemos é testar nossa memorabilidade, sem garantias de que com lembranças estaremos melhores preparados para o que está por vir. Essas são palavras vindas de alguém que acredita no conhecimento através da experiência, que uma vez escreveu um texto louvável em outro blog sobre o mesmo tema. E eu me lembrei deste texto porque queria escrever um igual, mas muito tempo passou e, como disse o outro, um homem nunca entra no mesmo rio duas vezes.
Analisando friamente, chego em dezembro para escrever minha última crônica do ano no BcF (e talvez a última da dupla se o camarada não fizer nada a respeito) com esse pensamento: 2008 foi um ano de encerramentos. Eu estava trabalhando, e agora não estou mais. Eu estava estudando, e agora me formei. Não vejo alguns amigos há mais tempo que deveria, mas gente para conhecer nunca falta. O São Paulo continua campeão brasileiro. Eu ainda dou risada do rebaixamento do Corinthians.
Muitas coisas mudam. Umas para pior, outras para melhor. Uma espécie de equilíbrio natural no qual tentamos interferir para o nosso próprio bem.
Meus sinceros votos de fim de ano.
18 de dezembro de 2008
Tentativa #047 de último texto do ano.
20 de agosto de 2008
Titã
Chegou à empresa, morrendo de sono tomou o café ruim. Pensou ser melhor sofrer a azia que ser pego dormindo pelo chefe. Fez seu serviço, foi embora, meteu os óculos escuros na cara e foi para o metrô em direção ao centro.
Entrou em uma sala de cinema e assistiu uma chanchada da década de 70. Deu umas risadas, mas não o suficiente.
Saiu de lá e foi para a faculdade com a certeza de quem crê que o conhecimento prestes a se alojar em seu mozg pouco provavelmente será usado no futuro.
Estava cansado.
Saiu do prédio e foi para o ponto de ônibus, ansiando a volta para casa. Dèja vu. O coletivo estava lotado.
Entrou na casa, jantou e foi para o quarto.
Refletiu sobre todas as decisões erradas que havia tomado não só aquele dia, mas durante semanas, meses, anos. Muito tempo depois deu de ombros.
Enfiou a cabeça no travesseiro e tirou o peso do mundo de suas costas, depois acordou cedo.
30 de julho de 2008
Sobre verdades, filmes e anéis de fumaça.
Acho isso cem por cento sensacional. Cinema é globalizado, com exceção talvez da China, onde os filmes não podem passar, e eu concordo com a censura de lá, uma vez que a China é a nova União Soviética (para o cinema pelo menos. 007 precisa de um inimigo) mas ainda não estudei detalhadamente a história do cinema a ponto de saber se foi a censura na China que proibiu o cinema ou se o cinema entrou em conflito com a política do país gerando censura. Enfim, a exceção são os chineses e os hindus, não por (falta de) censura na Índia, mas simplesmente porque filmes hindus são ruins.
O gosto pelo cinema, neste caso, é doentio. Uma doença séria mas de fácil diagnóstico, principalmente por ser uma questão de bom senso. As pessoas parecem acreditar que tudo no cinema é verdade. No cinema brasileiro, tiros e traficantes e violência. Nos Estados Unidos um simples “é igual a gente vê nos filmes”, sobre o tratamento que outrem recebeu ao visitar tal país, apesar de nunca sabermos de verdade de qual filme se está falando. Uma vez fiz um daqueles anéis de fumaça com um cigarro e um amigo disparou “Você está assistindo muitos filmes de Hollywood”. Este é o ponto intrigante para mais uma retórica postagem neste blog tão mal-cuidado, mas, pelo que me consta no número de acessos, querido.
Se o cinema é a arte de retratar verdade levada a sério, o discurso é meio uníssono, não? Mas a verdade está para quem? Eu acho que não tenho condições de falar se Tropa de Elite é um filme franco e moro do lado do Rio de Janeiro, então como alguém pode afirmar que uma coisa é verdadeira porque assistiu em um filme? Ainda mais, como alguém pode dizer que é o filme de Hollywood que me inspira a praticar um ato tão despatriota quanto fazer anéis de fumaça. Que porra alienadora, não é mesmo?
1 de julho de 2008
Retaliação crítica
Mas sobre cinema, andei lendo muitas críticas a vários filmes por aí, e descobri que ou meu gosto é completamente diferente do “padrão” ou os críticos de cinema são muito ruins, e convenhamos, essas duas constatações são possíveis, quiçá prováveis.
Primeiro vou bater nos críticos, e depois penso sobre meu caso. Sobre o lançamento do filme Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, um(a) audaz qualquer disse: “O melhor filme da série depois de Templo da Perdição” (o segundo filme, para os não-iniciados). Está completamente enganado quem diz isso, a não ser que queira opinar de forma sarcástica que este último é o pior filme da série. Convenhamos que mesmo com o Data dos Goonies o Templo da Perdição é o pior dos quatro. Mas eu gosto de alguns lances do Spielberg, do tipo brincar com a sombra do personagem. Ele colocou isso em todos os filmes da série. Kubrick trabalha o silêncio perturbador em todos os seus filmes, também. É a assinatura em película dos caras, e as vezes acho que ninguém nota as sutilezas nem um pouco importantes dos filmes, mas acham que podem falar das coisas importantes com propriedade. O cinema está nos mínimos detalhes. “Só perde para o melhor da série, ‘O Templo da Perdição’...” Se foder, viu!
Outra coisa que me chateia é falarem bem de Juno. Ele só pode ser considerado um bom roteiro se levarmos em conta que foi escrito por uma stripper. Nada de muito engraçado no filme, nem muito dramático, resultando em um filme X. Poderia muito bem dizer também que indicar Ellen Page ao Oscar foi uma decisão tão bizarra quanto dar o prêmio para aquela mulher do Dreamgirls, uma cantora que quer ser mas não é famosa interpretando uma cantora que quer ser mas não é famosa. Realmente, deve ter sido um laboratório difícil pra entrar na personagem...
Esta animação que está para estrear, Wall-E. Como ninguém disse ainda que é um claro plágio ao filme um Robô em Curto Circuito (a.k.a. Johnny 5) ?
Está aí a prova contundente de que os críticos não sabem sobre cinema. Ficam querendo classificar filmes como “cults”, “blockbusters”, “features” e outros epítetos (usei só pra lembrar do blog antigo mesmo) escrotos. E o pior é que as pessoas gostam dessa onda de Cult e tudo mais. É realmente irritante uma pessoa que só assiste esses filmes. Essas pessoas costumam achar que por assistir esse tipo específico de filme fogem do processo de alienação, mas o que acontece é justamente o contrário.
Para mim, só houve um rei Cult na história do cinema. E o nome desse cara é Kevin Smith. Ele criou uma história usando vários elementos da cultura pop (e a cultura pop não é “cult” para quem curte os filmes “cult”) e fez um filme que realmente rendeu dinheiro na bilheteria. Fez os “cults” considerarem um filme “cult”, mesmo com elementos “não-cult”, e quem estava pouco se fodendo para se o filme era cult ou não foi assistir um filme realmente muito bom, que rendeu uma grana boa nas bilheterias e mesmo com todas as características de um filme “blockbuster” “não-cult” foi considerado “cult”. Esses caras não sabem porra nenhuma de cinema. Igual os críticos que recomendam os filmes para eles.
10 de abril de 2008
Uma questão de planejamento
Fiquei pensando no meu clube do coração. Depois de chegar às semifinais do Paulistão e estar com meio pé na classificação do Grupo 7 da Libertadores da América não consegui lembrar de um jogo sequer que o São Paulo tenha jogado bem, ou convincentemente. Não nego que o aproveitamento do time seja bom na temporada, mas já não é mais um time que me transmita alguma confiança.
Aficionado por futebol como sou, comecei a pensar em muitos esquemas táticos que poderiam ser implantados no tricolor, e descobri que o problema definitivamente não é tático, mas sim uma questão de planejamento. Hoje é complicado não pensar que a estratégia do departamento de futebol do clube tenha sido amadora este ano. E digo departamento de futebol com clareza, porque em todas as outras áreas o São Paulo continua sendo o melhor (Vide o fiasco que foi a estratégia do torcedor roxo corintiano que o clube da Fazendinha utilizou para vender camisas, como se já não bastasse o ridículo “nunca vou te abandonar mesmo que você jogue de terça e sexta porque eu te amo”).
Mas vamos voltar à primeira divisão. Encaremos a situação analogamente. Compare o time formado hoje pelo tricampeão mundial com um time que você, saudosista leitor, tenha montado no nostálgico Elias Football II (a.k.a. Elifoot II), aquele que ainda rodava no DOS mesmo.
O pentacampeão brasileiro abriu os cofres (abarrotado de verdinhas, por conseqüência da venda de bons jogadores) para bancar os salários de uma fortíssima contratação, praticamente um jogador nível 45. Não falo de outro senão o Adriano, atacante bom, canhoto, bem-adaptado ao esquema 3-5-2, mete gol, e tem um comportamento que pode variar entre Cavalheiro e Caceteiro, dificilmente chegando no Sarrafeiro.
A diferença é que no Elifoot a estratégia funciona, porque você está jogando na quarta divisão e o nível 45 faz uns 4 gols por jogo, e mesmo que seu plantel seja de 11 jogadores, o craque sempre resolve. O São Paulo está com 19, sem um craque constante e com poucas ótimas atuações. Não creio que este vá ser um ano glorioso para o Tricolor, mesmo que o seu Juvêncio tenha comentado sobre contratações de peso para fortalecer o selecionado.
Enquanto isso, entretanto, qualquer vacilo do Muricy pode lhe render, injustamente, um aviso na porta do vestiário: “Pegue suas trouxas e vá se foder”.
Obs. 1 - "Pegue suas trouxas e vá se foder" é um jargão utilizado pelos dirigentes virtuais do Elifoot II para mandar um técnico para o olho da rua.
Obs. 2 - No começo da semana a Federação Paulista de Futebol, o Ministério Público e a própria PM preferiam que o jogo de volta da semifinal do Paulista não ocorresse no Palestra Itália. Três dias depois a PM garantiu a segurança do torcedor. Será que, como disse o Pedro Henrique Bueno de Toledo, colunista do São Paulo no Lance!, isso faz parte do "Projeto Traffic"?
Obs. 3 - Sou a favor da distribuição de números iguais de ingressos para torcidas adversárias, e não porcentagens. Se é pra ser justo, vamos começar pela justiça com o próprio torcedor. A merda no estádio da porcada é ver o jogo da linha lateral depois da linha de fundo.
30 de março de 2008
O(s) dia(s) em que nada aconteceu, culminando na descoberta do "se" e seus riscos.
Praticando um exercício de negação social (à época que o
Nesse ir-e-vir filosófico e com uma(s) cerveja(s) na(s) mão(s), uma vez que recomendaram a ingestão de alimentos líquidos preferencialmente gelados, refleti sobre a questão mais abrangente da existência humana: O destino!
No limite psicofísico do uso de alucinógenos nunca se soube de alguém que previsse o futuro. Ergo o destino é impalpável, e, não se tratando de um questão de fé/religião ou ainda da partícula elemental da física quântica, inexistente.
Porém, pessoas de pensamentos positivos inabaláveis continuam crendo que sim, há destino. E aí entra o “se”, ou o “infinito”, como queira. Pois se realmente há destino, sua existência se dá apenas a partir de fatos e fatores randômicos que nos levam a ele. Posso então concluir que se alguma das variantes na equação do destino muda, conseqüentemente o destino também mudará. O problema é que o destino, por definição, não pode mudar. E imaginar que infinitas combinações de atos e ações não-premeditadas um dia gerarão algo de bom para você é complicado. É complicado porque falamos em força de vontade quando isso acontece. Destino é quando a soma dos fatores gera um resultado negativo.
Ainda estava anestesiado quando cheguei à conclusão de que destino é um termo pejorativo, e imaginei situações pejorativas pelas quais passei. Uma delas é sobre uma viagem de fim de ano 2007 que fiz com meu irmão, primos e amigos. Fatalmente desferi um golpe de facão em minha própria mão, contabilizando ao final da jornada uma bela cicatriz que rendeu quatro pontos ao meu dedo (deviam ser uns 10 mas o cara que me passou os pontos era um
O interessante dessa viagem é que, não por acaso (ou será que sim?), a princípio eu não faria parte dela. Na última hora meu irmão voltou para São Paulo, não foi viajar com seus amigos como esperava e não estávamos com vontade de ficar na cidade. Só me cortei porque estava embriagado e porque no dia em questão ficou decidido que usaríamos o forno a lenha. E a cicatriz ficou gigante justamente porque o doutor estava de plantão e tinha virado a noite no posto.
Não classificaria como destino o ocorrido. Mal emprego o termo, para ser sincero. Posso definir esses acasos pejorativos como uma série de cagadas evitáveis. Por outro lado, se não fosse assim, qual seria a graça?
12 de março de 2008
O estranho mundo dos seguidores de Aldebaran pt.3
Era um terreno aberto, cheio de grades, pedregulhos e uma vegetação rasteira, como se estivéssemos um campo de treinamento de soldados vietcongues. Logo na entrada, em um canto à esquerda, havia uma arena com gladiadores lutando com espadas de borracha. Para participar da peleja, era só entrar na fila e sentar o pau no otaku. Apesar de ser tentador, resolvi deixar para a próxima.
No lado oposto, em uma espécie de tenda, estava rolando um campeonato de Pump It Up. Quem já freqüentou algum shopping ou uma casa de fliperamas talvez já tenha visto uma máquina dessas, normalmente rodeada por orientais tentando mostrar que manjam muito de dança – sendo que na prática, a única coisa que eles sabem mesmo é decorar o momento em que os quadrados no chão piscam (já cheguei a imaginar se não existem gangues de dançarinos de Pump It Up, devido ao fato de sempre encontrar grupos dançando nessas máquinas. Seria algo parecido com aquele episódio do South Park em que os moleques são desafiados por uma gangue de dançarinos). Tentei ver como estavam as coisas por lá, já que eles faziam um barulho enorme, mas o local estava lotado demais para qualquer tipo de aventura. Resolvi que, realmente, era melhor não insistir.
Mas, antes, topei com uma imagem que salvou aquela tarde. Foi quando vi a própria Mai Shiraniu, do King of Fighters, na minha frente, semi nua em pêlo, com seu traje sumário e libidinoso. Confesso que, apesar de gostar mais de Street Fighter e Mortal Kombat, aquele cosplay de fato conseguiu me hipnotizar por algum tempo. Naquele instante, minha missão era descobrir se ela estava usando um tipo de tapa-sexo ou algo do tipo, como manda o figurino. Até que ela se virou e me lançou um olhar repreensivo, como se eu estivesse fazendo algo muito errado. Aí, eu senti que era melhor dar uma volta – até porque o Iori Yagami estava por perto.
Naquele amplo terreno, nem tinha reparado que havia um nível inferior, que podia ser acessado por uma escada – ou descendo pela encosta da morte. Embaixo, seguindo à esquerda, havia um enorme palco. Não havia dúvidas: era ali que estava rolando o serelepe concurso de cosplay.
O público era gigantesco. Certamente, os organizadores estavam orgulhosos. Conseguimos ficar a cerca de 50 metros do palco, ainda tentando entender o que estava rolando. Havia dois apresentadores que anunciavam os participantes e faziam comentários supostamente engraçados. Ao fundo, tinha um pequeno cenário e no canto havia um DJ. Na primeira fileira da platéia, ficavam os jurados, alvejados por um canhão de luz na cara.
A informação que rolava é que eles estavam se preparando para começar o concurso da categoria livre. Eu sabia o significado disso. Oferecer tal liberdade para um bando de jovens vestidos de cosplayers pode ser ou muito ruim ou muito bom. Lembro que na última vez que assisti um concurso desses, um insano teve a notável idéia de se fantasiar de “Lindomar, o Sub Zero Brasileiro”, com direito à distribuição gratuita de voadoras em losango aberto invertido. Era impossível não se simpatizar com o rapaz.
Mas dessa vez, infelizmente, a meninada não estava inspirada o bastante. Poucos conseguiram realmente atiçar minha atenção. O esquema era mais ou menos o seguinte: o concorrente escolhia previamente uma música ou efeito sonoro e se apresentava. Alguns preferiam fazer a apresentação simplesmente dançando, como no caso da cosplayer da Haruhi, enquanto outros faziam um monólogo cheio de referências nerds – em geral, ruim demais até para os nerds.
Um casal resolveu fazer algo do tipo, inspirado no game de RPG Kingdom Hearts. O diálogo era deveras chato, eu não estava entendo patavinas. Para piorar, o cara tinha o sotaque carioca mais carregado que já ouvi, irritante como o do Felipe Dylon. Ao meu lado, um moleque gritou, com total razão: “Preferia ver o filme do Pelé!”.
A tosqueira era um convite tentador nesse concurso. Um grupo teve a infeliz idéia de interpretar uma cena do desenho Coragem, o Cão Covarde. De fato, algo difícil descrever em palavras. Só sei que uma criança do primário faria uma interpretação mais fidedigna do assunto.
Outro grupo, enfim, resolveu usar a criatividade. Eram cinco caras de terno e óculos escuros que interpretavam os Backstreet Boys em um estado máximo de homossexualismo, com direito a piadas de duplo sentido que eu costumava fazer na época do ginásio. Depois, eles começaram a dançar ao estilo boy band (inclusive era engraçado porque eles dançavam perfeitamente igual aos Backstreet Boys), até que aparecia um Seiya anão que mandava os caras para o inferno, usando socos e pontapés no melhor estilo Black Trunk.
Mais tarde, rolou um pouco de putaria para atiçar a meninada. Um casal encenou uma cena do Chobits, em que um cara estilo Luiz Boça interpretava o moleirão, enquanto uma mina de camisola era a ninfeta robótica desacordada. O esquema todo mundo já sabia: para ativar o funcionamento da ninfeta robótica desacordada era preciso tocar os países baixos dela. A questão era se o moleirão iria realmente fazer isso. E ele fez, com maestria. A platéia entrou em estado de apoteose como eu nunca tinha visto antes.
Mas o melhor, sem sombra de dúvidas, foi um cara que interpretou ninguém menos que Austin Powers, tendo como antagonista um personagem übersexual do Yu Yu Hakusho. Ambos encenaram uma peleja para saber quem tinha mais “mojo”, numa espécie de dança sexual hipnótica. Nem é preciso dizer que o britânico dos anos 60 levou a melhor com alguma facilidade. Mas, realmente, a semelhança do maluco que interpretou Powers com seu próprio personagem era deveras assustadora. Até suas gags eram idênticas.
Com o fim do concurso, nada mais natural do que puxar o carro e voltar merecidamente para casa. Tudo de mais estranho nesta terra já tinha sido visto.
28 de fevereiro de 2008
15 meses atrás...
Cheguei atrasado por causa do estágio, o qual completara um mês de labuta intensa, e fui até a minha sala, onde não encontrei uma alma viva por lá. Segui até a sala de Cultura Geral, onde ele costumava ficar, mas no meio do caminho trombei com o bendito. Dali mesmo, no corredor semi-vazio do 5º andar, ele me passou as instruções para a prova: um texto sobre o poder da mídia, usando exemplos reais.
Corri até o computador, esperei meia hora até ele iniciar e comecei a psicografar isso aí:
A imprensa de Gutemberg nasceu com uma razão de ser: compartilhar a informação, que antes era restrita aos copistas e monges na Idade Média, para o restante da população. Porém, ultimamente – do século passado pra cá – ela vem tendo um outro tipo de função para a sociedade. Hoje, a mídia dissemina a informação de uma forma rápida, instantânea ao fato, e sem analisar seu contexto, seu momento histórico ou sua história. A notícia tem sua razão de ser nela própria, sem que o conhecimento por completo seja oferecido ao leitor. E é aí que o perigo se esconde.
Jogando a informação no colo do leitor/ telespectador/ ouvinte, a manipulação de informação é mais fácil por parte da mídia. Nada impede que uma rede exponha um fato incompleto, caricaturado ou recheado de argumentos parciais para lubridiar o consumidor da informação sobre certo acontecimento.
É esse o tipo de poder que o filósofo Michel Foucault trata em seus pensamentos. Para ele, o poder não precisa ser autoritário para se estabelecer na sociedade. As inúmeras instituições que cerceiam a vida social das pessoas (família, igreja, imprensa) cada qual possui sua forma e sua intensidade de poder e de exploração do indivíduo. Além disso, o poder de uma instituição não se resume somente na força, mas também no uso do saber ou do conhecimento como arma.
Dessa forma, entende-se que a mídia detém um tipo de poder tão forte quanto a do Estado, já que tanto um quanto o outro podem entrar em conflito – culminando na derrota da democracia. Certos Estados autoritários e ditatoriais já tomaram o controle da imprensa, usando-o a seu serviço, e censurando os opositores. Durante o regime militar brasileiro, o grande porta-voz da ditadura era a Rede Globo, que tratava de omitir certos fatos para alienar a população, como no caso das Diretas Já.
Sendo fonte única e exclusiva de informação, a imprensa ganha dessa forma - atrelada ou não ao Estado - um poder maior do que lhe é verdadeiro. O conhecimento adquire um sentido único e sem contraposição, o que lhe torna autêntico sob a epistemologia de Platão, no qual só é real aquilo que se pode comprovar empiricamente. Quando existe uma unilateralidade por parte da imprensa – uma espécie de discurso comum – a informação adquire uma função de verdade absoluta, quase um dogma, que é difícil de ser desmentido.
Nos tempos de Vargas do pós Estado Novo e do pós-DIP, a imprensa gritava em uníssono contra seu governo democraticamente eleito, tendo somente o diário A Última Hora como apoiador do presidente. Mas o estopim foi o atentado contra o jornalista opositor Carlos Lacerda, alardeado pelos jornais como de autoria de Getúlio. A pressão contra ele foi tão grande que Getúlio se suicidou e, consequentemente, saiu do poder.
Fatos semelhantes ocorreram em 1964 e em 1992. Nos anos 60, a deposição de Jânio Quadros e João Goulart teve total aval da imprensa da época que, mais tarde, foi calada pela ditadura. Em 1992, com o escândalo envolvendo seu governo, Collor foi massacrado pela imprensa, o que foi um passo importante para o impeachment do ex-governador de Alagoas. Portanto, está mais do que comprovado a mídia tem o incrível poder de derrubar presidentes – e eleger, quando lhe convém.
PS: Esse post me lembrou essa tirinha do Calvin & Haroldo.
17 de fevereiro de 2008
O estranho mundo dos seguidores de Aldebaran pt.2
Segui o caminho indicado pela moça. Trespassei por uma selva de pessoas e cheguei até as barraquinhas. Mas quando me dei conta, aquele mundaréu de gente parada na verdade era a fila para pegar o tal macarrão chinês frito com legumes ao molho de gengibre. E lá fiquei, plantado por um bom tempo. Certamente, aquele era um dos yakisobas mais demorados do universo. Meia hora depois e já tinhamos dado três passos. "É bom que seja o melhor macarrão do mundo", falei para o meu irmão.
Encontramos um lugar para sentar e degustarmos do tão aguardado alimento. Do banco, avistamos mais figuras inusitadas. Um tiozão gordo barbudo, de boné e óculos, fazia filmagens das moças em trajes indecorosos. "Não parece o Michael Moore?", perguntou meu irmão. "Hmm... certamente ele está querendo mostrar os malefícios da televisão nas crianças", respondi. Depois, apareceu um cara vestido de sacerdotisa do Ragnarok na nossa frente. "Não lembro de ter visto homens travestidos desde meu último carnaval em Tupã", pensei comigo. Mentira, na Festa à Fantasia da Cásper do ano passado também havia.
Muitas outras figuras bizarras marcaram presença, mas não me lembro de todas. Lembro de um moleque vestido de Sonic, que estava toscamente mal feito, como se ele tivesse virado carne moída pelo Dr. Robotinik. Certamente, não faria sucesso nem em uma festa infantil na Uganda. A única coisa que achei interessante foi o tênis All-Star pintado de vermelho, simulando os velozes sapatos do porco-espinho azul.
Não estávamos nem uma hora dentro daquele lugar e eu já queria mesmo ir embora. Me sentia completamente deslocado do ambiente, como o Corinthians quando vai jogar a Libertadores. Passar o dia em casa jogando Winning Eleven seria, de fato, muito mais prazeroso.
Depois do grude, fomos a um dos prédios principais da universidade. Meus irmãos iriam encontrar uma amiga que eles conheceram na internet, enquanto eu fiquei perto da escada curtindo o movimento. Depois de encontros e desencontros, eles encontraram ela. Era uma menina estranha, de movimentos lentos, cara de joelho e com a empolgação de uma estátua do Madame Tussauds. Só ganhou meu respeito tecnológico porque vestia uma camiseta do Cowboy Bebop, um dos melhores desenhos que já assisti -- e o que me motivou a ouvir jazz.
Com alguma facilidade, ela nos convenceu a irmos para um tal de animekê. Só pelo nome já se saberia o que estava por vir. Se karaokê já é algo que irrita em um certo nível de sobriedade, imagine isso com otakus. Por uma questão de práxis, resolvi conferir de perto esse negócio aí.
O local era um enorme auditório tipo estádio, com um palco logo abaixo. Acima, havia um telão estático e hipnótico, avisando que haveria a final do animekê no outro fim de semana. Aparentemente, o local estava lotado, mas conseguimos arranjar três lugares lá na frente. Já a amiga deles ficou para trás e nunca mais a veríamos (não que eu tenha ficado com algum remorso disso).
De fato, todas as minhas expectativas haviam sido cumpridas. Era como assistir o inferno de camarote. A brincadeira era muito fácil: os calouros eram chamados e eles tinham que cantar as músicas em japonês, sem acompanhamento nem nada, só usando uma colinha. Não tinha como não concordar que a qualidade sonora era sofrível, assim como a visual. A maioria dos cantores eram caras barbudos de cabelo comprido e camisa de heavy metal, cantando músicas que abusam do agudo e da melo-dramaticidade. As poucas meninas que cantavam eram igualmente estranhas. O destaque é uma candidata chamada de Sakura, que interpretava a música de maneira graciosa enquanto cantava, dando vários rodopios no próprio eixo e levantando as mãos para cima.
Uma das poucas coisas legais a fazer no animekê era usar as plaquinhas para zoar com os cantores. Meu irmão, sob meu auxílio, fez horrores nessa hora, aproveitando que estávamos nas fileiras da frente. Rápido como uma flecha, ele escrevia os insultos e subitamente levantava com a mensagem virada para trás, levando a galera ao delírio. Um dos mais interessantes foi a de um cantor que usava uma espécie de pochete / cinto do Black Kamen Rider. Meu irmão não pestanejou e mandou: "Não é o cinto do Batman?". Ah rapaz, duvidaram até da masculinidade do pobre homem.
Continua...
11 de fevereiro de 2008
O estranho mundo dos seguidores de Aldebaran pt.1
Havíamos acabado de sair de casa quando minha irmã avista, em algum farol fechado do Ipiranga, um menino baixinho usando óculos escuros e uma camiseta verde marca-texto do Batman, sendo levado por um pastor alemão, que tinha quase o seu tamanho, para um singelo passeio na Praça do Monumento. Quando olhei para aquela imagem ridícula, fiz uma cara de decepção e disse: "Acho que podemos voltar. Já vi coisas bizarras o suficiente por hoje".
Na verdade, aquilo era somente uma prévia das imagens excêntricas que eu veria naquela tarde. Depois de muito insistir, com ameaças veladas de mortes, minha irmã me obrigou a acompanhá-la no Anime Dreams, um desses eventos de anime onde os tipos mais ridículos da sociedade nerd juvenil se encontram para aprontar altas confusões que até Deus duvida.
Não que eu tenha algo contra os animes. Inclusive, existem muitos desenhos japoneses bons por aí, que valem muito a pena serem assistidos. Mas como diz o Mané, o grande problema dessas coisas legais são os fãs ortodoxos, que não sabem onde começa o cafona e onde termina o ridículo.
Sei disso pois já tinha ido uma vez a um evento em 2006, mas achei tudo tão boçal que nunca mais cogitei pisar nesse tipo de recinto. Mas o pior é que, desde então, os chamados otakus passaram a ganhar um espaço gigantesco na mídia, como se fizessem algo realmente importante, e se tornaram um novo símbolo de identidade juvenil (ou coisa que o valha). É quase certo que os otakus serão os emos do futuro, se já não o são. Por isso, resolvi ver de perto como está a cena agora.
Quando chegamos perto de onde desembarcaríamos, na Unicsul da Anália Franco, já era possível sentir o vil aroma da anormalidade, com pessoas estranhas andando livremente por todos o cantos, sem serem reprimidas por olhares de desdém. E algo que realmente me preocupou: não havia bares ao redor da faculdade. Essa era uma péssima notícia, pois era quase certo que cerveja não seria vendida dentro do evento -- informação que depois eu confirmei, com enorme pesar. Uma jogada arriscada seria ir ao shopping me embriagar (junto com os famosos boêmios de praça de alimentação) e tentar entrar trançando as pernas, mas até lá o efeito do álcool já teria se dissipado e a mim só restaria uma cara vermelha e uma bexiga cheia.
Entramos no evento. Já era possível ver dezenas de pessoas de bobeira, nos cantos das escadas e no gramado do campus, como em qualquer universidade normal, mas trocando os universitários fazendo algazarra por jovens criados a leite com pêra usando trajes bizarros.
Aliás, essa é uma faceta comum desses eventos. Especialistas dizem que os otakus encontram-se nesse tipo de manifestação para procriar, pois os otakus são o tipo de nerd que se relacionam afetivamente com outras pessoas -- o que invalida qualquer tese darwinista da evolução da espécie. Para isso, eles usam a mesma tática de conquista dos pavões, que enfeitam suas plumas para atrair o sexo oposto. No caso deles, o costume trivial é usar roupas e adereços que não fariam sentido nem em uma festa junina no interior, estranhos até mesmo para um show do Rogério Skylab. O lado bom é que não é difícil encontrar menininhas graciosas vestidas de colegiais. O lado ruim é que eu nunca atrairia a atenção das divinas damas com meu figurino (uniforme nº2 da Inglaterra de 2006, bermuda e meias pretas) -- a menos que eu usasse como adorno uma bandana do Naruto ou uma mochila cheia de chaveiros.
Naquela altura, meu estômago pegava fogo de tanta fome. Logo detectei as barraquinhas de quitutes na parte lateral do prédio. O espaço era ridiculamente pequeno, mas quebrava o galho. Segui então até o caixa, onde trocaria dinheiro de verdade por dinheiro fictício. A minha sorte é que o câmbio estava 1 para 1, mostrando que o neo-liberalismo ainda não havia chegado por aqui. "Chupa, Consenso de Washington", pensei.
Enquanto esperava minha vez na fila, ocorreu uma cena típica de abordagem usando plaquinhas como meio de comunicação, bastante comum por essas bandas. Uma menina gordinha de cara bizonha (mas com olhos verdes penetrantes) e de toquinha de otaku apareceu ao lado dos dois caras que estavam na nossa frente e levantou uma plaquinha que perguntava: "Eu sou kawaii*"? Um dos caras olhou para ela, analisou a pergunta da placa e respondeu: "Não. Desculpa", e deu uns tapinhas carinhosos na cabeça dela. Desapontada ao extremo, ela voltou para onde nunca deveria ter saído.
Continua...
*Kawaii significa, na tradução literal, algo bonitinho, gracioso. É bastante conhecido pelos otakus porque é costumeiramente dito nos animes, e os malditos fãs não teimam em repeti-lo ad eternum.
23 de janeiro de 2008
Procedimento padrão nº 2
- Ahn... alô. Aqui é do Jornal Tudo Bem...
- Tudo bem.
- Er... não, você não entendeu. O nome do jornal é Tudo Bem.
- ...
- ...
- Ah, tá. Então aí é do Jornal Tudo Bem?
- Tudo.
14 de janeiro de 2008
Uma retrospectiva musical tardia
Pretensioso que sou, estava para escrever esse post antes da virada do ano, mas por um capricho da natureza acabou saindo somente agora. Bom, a idéia aqui é pegar os cinco discos que eu ouvi pela primeira vez em 2007 (ao estilo Alta Fidelidade), com suas devidas críticas e seus comentários:
5. Novos Baianos - Acabou Chorare (1972)
Fazer listas ordenadas e criteriosas é sempre um problema, vide esta ao qual escrevo. Por isso, recebi com algum ceticismo a matéria da Rolling Stone que lista os 100 maiores discos da música brasileira. Acabou Chorare, segundo álbum dos Novos Baianos, lançado em 1972, ficou com a primeira colocação, deixando para trás Tropicália ou Panis et Circenses (2º) e Chega de Saudade, de João Gilberto (4º). Um fenômeno, eu diria.
Mas de qualquer modo, resolvi ouvir o disco e constatar com meus próprios ouvidos, e acabei reconhecendo a qualidade do álbum.
Acabou Chorare começa com duas músicas de sucesso: "Brasil Pandeiro" e "Preta Pretinha". A primeira foi composta originalmente nos anos 40, e foi indicada pelo pai da bossa nova e padrinho da trupe, João Gilberto. A segunda foi escrita por Luiz Dias Galvão para uma moça que ele conhecera no Rio de Janeiro e tocou sem parar nas rádios, assim como a faixa-título, "Acabou Chorare". Outros destaques são "Besta é Tu", "Swing de Campo Grande" e "Mistério do Planeta", que exibem a criatividade de Moraes Moreira na criação de melodias.
É interessante ressaltar que o álbum marcou uma época de transição musical dos Novos Baianos, em que eles deixaram a pegada rock mais de lado e, graças a João Gilberto, começaram a fazer experimentações dentro de ritmos nacionais, mais notadamente na bossa nova e no samba. Lembrando que, nessa época, havia uma rivalidade entre os partidários da tropicália e da bossa nova, e os Novos Baianos conseguiram transitar como ninguém pelas duas vertentes.
Mas, mesmo assim, é difícil dizer se a primeira colocação é merecida. Como diz o texto da Rolling Stone, essas listas são reflexos da época atual e da maneira como vemos o passado. E com todo esse revival setentista, acabou sendo natural a consagração de Acabou Chorare, um disco de altíssima qualidade e envolto por um grande hype.
4. Radiohead - In Rainbows (2007)
A jogada do Radiohead foi perfeita para o lançamento de seu sétimo álbum, In Rainbows. Chamaram a imprensa e anunciaram como divulgariam o trabalho: entre outubro e dezembro, qualquer pessoa poderia baixar o CD e pagar o valor que quisesse, inclusive zero real - o popular, na faixa. Nessa brincadeira, eles arrecadaram 3 milhões de libras só em downloads - o maior lucro da história da banda, sendo maior que a soma de todos os outros seis discos juntos. Isso porque o CD físico foi lançado só no começo de janeiro.
Para aqueles que resolveram contribuir pagando pelo download do álbum (não foi o meu caso), certamente valeu a pena. Segundo a imprensa especializada, o álbum é um dos melhores desde Ok Computer, a obra-prima do Radiohead. E, como em todos os CDs anteriores, eles conseguiram inovar novamente, porém deixando aquela marca inconfundível da banda.
Exemplo disso é a música que abre o álbum, "15 Step", que começa somente com samplers, dedilhadas na guitarra e a voz de Thom Yorke. À primeira vista nem parece Radiohead, mas com a entrada hipnotizante do teclado, próximo do fim da faixa, notamos o contrário.
Depois vem "Bodysnatchers", uma música ao estilo grunge psicodélico-caótico, com efeitos sujos na guitarra e nos vocais. Mais para frente temos "Weird Fish / Arpeggi", excelente canção progressiva que vai crescendo de intensidade aos poucos - começa com bateria, baixo e guitarra - até cessar e entrar em um grandioso solo.
A "House of Cards", uma das melhores do álbum, é uma baladinha de amor envolta de muito psicodelismo, efeitos eletrônicos e de um riff simples. Na canção seguinte, "Jigsaw Falling Into Place", eles novamente voltam a se basear no grunge.
Por fim, em "Videotape", a curiosidade fica por conta da semelhança da música com as do Coldplay, que por outro lado sofreu inspiração do próprio Radiohead. Em outras palavras, a criatura inspirou seu criador.
3. Vanguart - Vanguart (2007)
"Com ousadia, Vanguart vai da folk music à psicodelia". Foi com essa manchete, do Folha Online, que fui fisgado a conhecer essa excêntrica banda de Cuiabá (MT). Afinal, os caras misturam duas coisas ao qual aprecio musicalmente: a batida rancheira do folk, representada por Bob Dylan e Neil Young, e a construção musical bem trabalhada do rock progressivo, como do Pink Floyd. E toda essa mescla dá certo.
Não é a toa que os caras alçaram rápido a condição de grandes nomes do rock brasileiro atual, tocando no Tim Festival e até na Rede Globo. O som é de qualidade, a vocal de Hélio Flanders é de arregaçar e as composições são tocantes, tanto em português quanto em inglês ou espanhol.
O CD, distribuído pela revista OutraCoisa (aquela do Lobão), abre com "Semáforo", uma das melhores e mais conhecidas deles. Começa somente com o violão, bateria e voz, mas com o decorrer da música, baixo e guitarra entram e ganham espaço, com uma letra que beira o delírio. Depois segue o mais puro folk-rock com pitadas de punk em "Just to see your Blue Eyes see", e a country "Hey Yo Silver". Outros destaques são a latina psicodélica "Los Chicos de Ayer", a balada "Enquanto Isso na Lanchonete" e a incógnita "Cosmonautas".
Um fato interessante é que todas as músicas são diferentes uma da outra. "Cachaça", por exemplo, tem uma cara de canção pop com algo de rock dos anos 70, enquanto que "The Last Time I Saw You" lembra muito Bob Dylan, com um violão dando o ritmo preciso. Isso, logicamente, é fruto da gama das (boas) influências musicais da banda, como Beatles, The Beach Boys, Velvet Underground, Nick Drake e Raul Seixas. O resto é consequência.
2. Gotan Project - La Revancha del Tango (2001)
Em 2007, o trio franco-suíco-argentino Gotan Project fez duas apresentações no Brasil - ambas memoráveis, segundo a imprensa. Na primeira delas, em junho, fiquei curioso em conhecer uma banda que recebeu tantos elogios e destaque na mídia. Misturando tango (vem daí o nome Gotan) com ritmos eletrônicos, a sonoridade é única, com belos arranjos tirados do bandoneón, do violão, do piano, outros intrumentos de cordas e de samplers.
No disco de estréia, La Revancha del Tango, a mistura eclética de ritmos criou um som envolvente e, por vezes, dançante. Os solos do bandoneón são dignos de um solo de jazz (bem ao estilo Piazzola), enquanto que a base criada pelas batidas, pelos efeitos eletrônicos, pelo violão e pela marcação do baixo criam um clima de contemplação.
Apesar dos intrumentos darem vidas às músicas, o vocal de Verônika Silva ajuda a completar a harmonia. Em "Una Música Brutal", ela demonstra alguma sobriedade, deixando a emoção de lado. Já em "Vuelvo Al Sur", a canção que fecha o álbum, sua voz aparece repentinamente aos 3min28s, cantando com imponência: "Vuelvo al Sur / como se vuelve siempre al amor".
Também se destacam as músicas "Queremos Paz", "Santa Maria (Del Buen Ayre)" e "El Capitalismo Foraneo", além das covers "Chunga's Revenge", de Frank Zappa, e do filme "Last Tango in Paris".
De fato, o álbum consegue atrair a atenção tanto de quem não é fã de música eletrônica, quanto de quem nunca se interessou muito por tango - como é o meu caso. Acho que mesmo para os mais puristas, a experiência é, no mínimo, interessante.
1. Arcade Fire - Neon Bible (2007)
Quando surgiu na mídia, em 2005, o Arcade Fire mostrou que era muito mais que uma banda alternativa, vinda de um país alternativo no cenário musical (Canadá). Eles mostraram que tinha qualidade e inovações para mostrar. Uma delas é que os sete membros tocam praticamente todos os instrumentos. É como se o Carrossel Holandês de Rinus Michels fosse aplicado em uma banda. Isso sem falar na sonoridade sem equivalentes de suas canções, graças as influências musicais que vão do pós-punk dos anos 80, passam pelo o folk-rock e pelo rock experimentalista dos anos 70 e desembocam nas bandas alternativas contemporâneas, como Sonic Youth, Radiohead e Belle & Sebastian.
Por isso, a expectativa com o lançamento do segundo álbum da banda, Neon Bible, era grande. Mas mesmo sentindo a pressão que era preceder Funeral, o aclamado disco de estréia, eles parecem nem ligar para isso. A sonoridade continua complexa, com o acréscimo de um órgão, uma sanfona (de corda) nos intrumentos, uma orquestra sinfônica inteira, entre outros. O resultado são músicas menos catárticas e depressivas, como em Funeral, e mais bem trabalhadas sonoricamente.
Um dos resquícios dessa época é "Black Mirror", que abre o álbum. A canção possui uma letra sombria, assim como a harmonia carregada dos instrumentos, mas ao fim a música começa a ganhar imponência e força. Depois vem "Keep the Car Running", uma das melhores do álbum. Os acordes da sanfona de corda e a marcação pelas batidas de palmas e pelo baixo são simples mas perfeitos, e o tempo acelerado da bateria parecem realmente fazer a música correr.
A lado mais dark e dramático do Arcade Fire retorna com a canção "Intervention", no qual o órgão é quem lidera os arranjos. A letra é forte, inspirada na situação calamitosa do Haiti, onde nasceram os pais da vocalista e instrumentista Régine Chassagne: "We can’t find you now / But they’re gonna get their money back somehow / And when you finally disappear /
Will they say you were never hear?"
Mais para frente temos "The Well and the Lighthouse", uma música muito bem trabalhada e que alterna um começo rápido e frenético com um fim mais melódico e lento. Em seguida, está "(Antichrist Television Blues)", mais uma canção cheia de nuances e com fino trato na parte dos arranjos instrumentais e vocais.
A penúltima música é "No Cars Go", também uma das melhores do álbum e exibe o lado mais puro rock da banda, sendo rápido, sem muita frescura mas com um belo trabalho de arranjo. E para fechar o CD, a canção mais depressiva: "My Body is a Cage", tocada quase que totalmente no órgão.
Uma vez mais, o Arcade Fire mostrou, com criatividade e estilo próprio, porque se mantém como uma das melhores bandas da atualidade, e que seus discos já se tornaram verdadeiros clássicos na história da música.
Menção Honrosa:
Velvet Underground - Velvet Underground & Nico (1967)
Não há muito o que falar desse álbum, tão revolucionário para a música que é uma pérola de 1967, juntamente com Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, e The Piper at the Gates of Dawn, do Pink Floyd. Apenas leia e ouça.
10 de janeiro de 2008
Diálogos memoráveis
Presidente Thomas 'Tug' Benson: Este é o nosso alvo.
Assessor: Esse é o Minnesota, senhor.
Presidente Benson: Droga, cara, essa é a parte genial do meu plano. Por que nós vamos até lá para lutar? Nós podemos fazer tudo aqui em casa, e ainda poderemos pescar.
Assessor: Mas, senhor, o inimigo está lá.
Presidente Benson: Então, mande-os para cá. E suas famílias também. Nós podemos ensiná-los a esquiar... Será que eu tenho que pensar em tudo?
9 de janeiro de 2008
O que estou ouvindo agora?
Uma das cenas mais célebres do já clássico Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992), filme de estréia de Quentin Tarantino, é aquele no qual um policial é torturado por Mr. Blonde dentro do galpão onde rola o filme. Mas, apesar da cena ser forte e dotada de sadismo, a música que embala o banho de sangue é de empolgar: Stuck in The Middle With You, tocada em um aparelho de som no canto. É impossível não se embalar com os passos da dança de Mr. Blonde enquanto ele retalha a cara do policial.
Apesar da notável qualidade da música criada pela dupla escocesa Stealers Wheel, ela só acabou ficando mais conhecida após o filme do Tarantino. No início da carreira, o Stealers Wheel aparentemente não tinha muita identidade. Normalmente, a imprensa se referiam a eles como a versão inglesa da banda de folk-rock Crosby, Stills, Nash & Young (grupo de onde saiu o Neil Young), enquanto o público confundia suas canções com as de Bob Dylan, por causa do vocal igualmente anasalado de Gerry Rafferty.
Até que Stuck in The Middle... virou um tremendo sucesso. Lançada em 1972, no disco de estréia do grupo, ela alcançou o top 10 das mais tocadas nos Estados Unidos e no Reino Unido. E deu início ao fim para o Stealers Wheel. A pressão da gravadora por outro estrondoso sucesso parecia demais para eles. E o fracasso foi inevitável. O segundo álbum, Ferguslie Park, lançado em 1973, vendeu mal e ocasionou a separação da dupla - e, conseqüentemente, o fim da banda, em 1975.
Por isso, Stuck in The Middle With You virou uma canção esquecida no imaginário do folk-rock dos anos 70. Mas com o sucesso provocado por Cães de Aluguel, a música virou cult e recebeu diversas referências. A mais notável é no Simspsons, como parte de um episódio especial do desenho ultra-violento Comichão e Coçadinha. Ganhou diversos covers de bandas meia-bocas e virou trilha sonora de outros filmes, além de seriados. Mas é impossível dissociar a música com orelhas sendo arrancadas com navalhas - assim como pensar em filme de Tarantino sem maletas ou lanchonetes.
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