28 de dezembro de 2009

Mapa astral

2009 foi o ano da morte do Michael Jackson, do Patrick Swayze e do Lombardi, da posse de Barack Obama, da gripe suína, dos escândalos no Senado, do mensalão do DEM, do fracasso da COP-15, da escolha do Rio como sede das Olimpíadas e de uma porrada de outras coisas que passaram reto pelo BcF. Mas nem tudo foi desinformação e inutilidade, pois em 25 textos (um recorde pessoal) tratamos de coisas bem interessantes (ou tentativas de) ao longo do ano.

Como estamos no Brasil, 2009 começou, no blog, só em fevereiro. E começou nervoso, com uma peleja insana envolvendo a divisão de ingressos entre times do Paulistinha. Opiniões parciais e argumentos enviesados esquentaram o pseudo-debate, como numa boa mesa redonda da televisão. Logo em seguida, rolou um texto que colocou no mesmo ringue Marcelo Camelo e Little Joy, mas que acabou em empate técnico graças ao meu relativismo cultural pós-kantiano.

Em março, em tom solene e piegas, saiu do forno uma homenagem tardia aos quatro anos de morte de Hunter Thompson – pessoa que é uma espécie de guru deste blog – com direito a considerações do jornalista André Pugliesi nos comentários. Falando no figura, surgiu depois a resenha de uma partida qualquer do Paulistinha que não valia nada e que ficou muito pior que as narrações empolgantes e acuradas do Jornalista de Merda. Em seguida, uma análise inicial sobre a temporada de F-1 apontou, com o dedo em riste, que essa história de nova F-1 que anunciam todo ano não passa de pura patifaria. Essa opinião seria complementada num texto posterior.

Em abril, foi postada uma crônica sobre o ócio que teve como ponto alto a citação de um livro de Lourenço Mutarelli. No mesmíssimo mês, apareceu uma corajosa resenha sobre o mítico CD do Ronaldo e os Impedidos, que foi massacrado pela crítica especializada e por mim também. E emendando o assunto, largaram por aqui um texto sobre o julgamento do Pirate Bay alinhada com uma trivial crítica à indústria fonográfica, dando corda à velha história que nunca termina.

Prova disso é que, em maio, um post que não era um post serviu para complementar o papo anterior sobre as gravadoras com um desenho do tinhoso no clássico estilão "soviet way of life". E mudando totalmente de assunto, repousou-se aqui uma peça acusadora sobre a novela da saída dos times mexicanos da Taça Libertadores da América de 2009, colocando todo o carma negativo nas costas da Conmebol. E para terminar o mês, uma resenha do álbum de estreia do Fleet Foxes, mais uma dessas boas bandas que surgem por aí de vez em quando.

Depois disso, o blog entrou em recesso e só voltou em agosto, com um texto ao estilo Seinfeld, sobre o nada. E ficou por isso mesmo.

No nono mês do ano, a pauta sobre F-1 ressurgiu em uma análise de meio de temporada com direito a uma abertura no melhor estilo kafkiano de escrever: "Hoje pela manhã, estava me desfazendo da janta e lendo o jornal". Depois, uma resenha da tão alardeada remasterização do catálogo dos Beatles, cheia de especulações e falsas certezas.

Em outubro, sobrevoou por aqui um estudo sobre a nova geração das animações em 3-D, tendo como pano de fundo o filme "Up! - Altas Aventuras". Depois, no melhor estilo David Letterman, mostramos as dez razões para não acreditar em listas. E ainda sapecaram um relato emocionante sobre os medos e delírios na Oktoberfest 2009, na qual estive de corpo presente e mentalmente nem tanto.

Em novembro, uma opinião polêmica sobre jogos adventures dividiu o blog. As divergências foram levadas às últimas consequências com um texto que atravessou os confins da web 2.0: começou no Twitter, continuou no Orkut e terminou aqui, sem vencedores ou perdedores. Depois de a paz ser selada em um bar, voltamos ao ritmo normal com uma análise fria, porém sincera, sobre as causas do São Paulo não ter sido campeão brasileiro este ano.

Por fim, em dezembro, um texto que mistura filosofia de banheiro, gatos tocando piano, duas garotas e um copo e Kevin Smith. E para finalizar, mais uma resenha de álbuns, desta vez da estranhíssima Susan Boyle, que fez uns covers à la Emmerson Nogueira só que ao estilo Andrea Bocelli. E tem também esta retrospectiva que você está lendo agora.

É isso aí, moçada. 2009 já era, agora só em 2010.

15 de dezembro de 2009

O retrato de Susan Boyle

Acho que todo mundo sabe quem é Susan Boyle: aquela mulher feia e gorda que ficou famosa por ser feia e gorda mas ter uma baita voz. Pois bem, esse fait-diver ambulante recentemente lançou um CD, fato que foi noticiado com estardalhaço no mundo inteiro, mas que, aparentemente, poucos se prestaram a ouvi-lo, já que não lembro de ter lido de relance nenhuma análise séria por aí.

Então resolvi dar uma chance para Susan e conferir qual é a desse álbum. E a maior surpresa é que ele não chega a ser ruim e isso já é bastante coisa. A verdade é que ninguém (eu, pelo menos) esperava muito dela. Mas ela resolveu mirar para o pop, com covers de Rolling Stones ("Wild Horses"), Madonna ("You'll See") e The Monkees ("Daydream Believer") para atingir as massas ignárias e aculturadas que vivem em seu mundinho pós-YouTube (mas lógico que isso é pura especulação).

A grande verdade é que o disco não traz qualquer diferencial a não ser o tal fenômeno Susan Boyle. Todas as músicas seguem aquele estilão clássico modernoso, mas sem muita personalidade. O problema é que, embora Susan cante muito bem e todas as faixas sejam impecavelmente bem produzidas, na minha opinião faltou ousar mais, mostrar um estilo próprio – o que talvez ela não tenha ainda, já que se iniciou deveras amadurecida para a música. Não há qualquer alteração na melodia da voz, no estilo ou coisa assim – a única excessão é o jazz Cry Me a River, mas que ainda não bate a versão de Ella Fritzgerald. A impressão que fica é que "I Dreamed a Dream" é um álbum conservador para um público muito conservador.

Isso fica claro quando se compara as versões originais com as boyledianas. A interpretação do supracitado "Wild Horses", por exemplo, faixa que abre o CD, é interessante porque lembra pouco a do Mick Jagger e parece ter um toque mais pessoal (em entrevista, ela falou que se identificava muito com essa música). Mas, no restante, falhou-se enormemente neste sentido. O "You'll See" da Susan é quase o mesmo da Maddona – muito mais apoteótico, é verdade, mas em termos de ritmo e estilo são muito semelhantes. Ora bolas, isso até o Emerson Nogueira faz. Todo mundo sabe que o que torna uma versão cover legal é exatamente quando o artista dá uma cara pessoal à música homenageada, como faz o Me First and The Gimme Gimmes.

Mas é preciso reconhecer que o disco tem as suas qualidades. Como disse antes, a produção é bem feita e Susan tem talento. Portanto, não tem muito segredo: o produtor só precisa seguir o script e jogar com o regulamento debaixo do braço, sem precisar fazer grandes revoluções na mesa de som. Os arranjos, mesmo os feitos só pelo piano, são muito bons. Quando outros instrumentos se unem, o resultado fica quase cartático.

Para o bem ou para o mal, esse álbum de estreia mostrou a verdadeira face de Susan Boyle. Ela canta bem e de forma natural, mas seu estilo é cru. É óbvio que a gravadora quis lançá-la o quanto antes no mercado (ao invés de esperar ela se aperfeiçoar nesse aspecto) para aproveitar o máximo do fenômeno em torno de sua imagem – e, de quebra, descolar uma boa publicidade viral no vasco. Mas ele não deixa de ser uma boa opção de presente para o amigo secreto no Natal, ao lado de um disco do Roberto Carlos.

Diva?

Apesar de ter vendido bem, algo em torno de 700 mil cópias em uma semana,  a recepção dos críticos foi bem fria. A impressão que deu é que o pessoal considerou o álbum como mais uma desssas farsas da indústria fonográfica, do tipo Mallu Magalhães ou Lilly Allen, só que estas foram abraçadas pela mídia especializada. Não que Susan não seja uma farsa, mas tudo isso ajuda a mostrar qual é a real da música pop.

O fato é que em tempos de Auto-Tune saber cantar ou ter um mínimo de talento musical é um detalhe (Lady Gaga que o diga). Com algumas exceções, o que se dissemina no mundo pop é uma imagem estilosa, uma atitude de porralouquice e uma jovialidade rebelde de James Dean. Já Susan não passa de uma caipira de meia idade do interior da Escócia cujo único aditivo deve ser uma xícara de chá com leite.

Por isso, acho quase impossível que ela consiga uma carreira musical sólida. No futuro, será mais fácil lembrá-la pelo viral da internet do que pela sua música, como aconteceu com o Rick Astley. Pra piorar, é natural que o hype em torno desses fenômenos midiáticos descresça com o tempo (a exceção talvez seja o vídeo do Batima, que ainda me proporciona alguma alegria adolescente). Então, não foi desta vez que a cultura pop ganhou mais um símbolo da resistência dos feios. E isso tanto por defeitos próprios quanto por estar muito fora do tal padrão.

Ouça aqui.

13 de dezembro de 2009

O embosteamento crítico (crítico no sentido do pensamento, e não da urgência)

Ganhei uma assinatura da Veja. A lei dos bons costumes diz que não se deve reclamar das coisas que você ganha no vasco. Fazia muito tempo que não lia uma Veja. Ainda me surpreendo como eles conseguem arranjar conteúdo (ou não) para encher tantas páginas, e ainda por cima misturar com muito mais páginas de publicidade (uns 75% da revista). Mas de graça é de graça. Fui dar uma cagada e levei a revista comigo. Cagar é um momento de reflexão, nunca deve ser encarado como uma simples necessidade natural, e enquanto lia a Veja estava mais interessado nos meus próprios pensamentos do que estava interessado em ler.

Entre um movimento intestinal e outro apareciam umas matérias engraçadas. Não digo engraçadas em um sentido cômico. Engraçadas porque eu não imagino que uma revista que se leva a sério como a Veja pode publicar matérias desse naipe. Uma delas era sobre gatos e sobre o apelo kitsch dos gatos, que fazem deles um bicho popular. Eu particularmente acho gato um bicho meio filho da puta, talvez por isso eu tenha algum respeito por eles. A matéria queria explicar porque gatos fazem sucesso na internet e porque pessoas gostam de gatos. Eu me contento mais com a minha explicação. Pessoas gostam de gatos porque gostam. O fato do gato tocar piano ou ser "fofo" não faz uma pessoa gostar de gatos, a não ser que o gato aprenda a tocar Mozart para agradar seu dono, algo que eu acho difícil, porque, como diz a matéria, gatos não aprendem truques para agradar os donos.

Enfim... a mulher escreveu na matéria que os gatos ganharam um novo status na sociedade e a prova disso são os vídeos muito acessados na internet, mas o que acontece na verdade é que as pessoas assistem esses vídeos porque, porra, é um gato tocando piano. Se fosse um cachorro, uma calopsita ou um peixe de aquário tocando piano, os acessos iam ser os mesmos, e ninguém ia gostar mais ou menos desses animais por causa disso. O raciocínio é muito simples: As pessoas estão vendo coisas que elas não veem com frequência, coisas que elas nem imaginam com frequência. Pode ser um gato tocando piano ou podem ser duas garotas e um copo. O fato de muitas pessoas assistirem isso não significa que a partir de agora a sociedade dará o devido espaço às pessoas que comem merda. O fato é que, como diz o gênio do cinema, não há motivos para usar a internet se você não usa ela pra olhar as coisas estranhas e grotescas que você não faria.

Aliás, uma coisa muito legal que se pode aprender dos filmes do Kevin Smith é isso: Você pode conversar com seus amigos todo dia, e todo dia a conversa pode começar com um "tudo bem?" pulando para o futebol, pulando para algum assunto aleatório, pulando para a lembrança de alguma coisa fora do normal que aconteceu com vocês no passado e indo finalmente para o "vamos fazer isso de novo daqui a alguns dias" OU você pode falar "outro dia eu estava cagando, lendo a Veja, que por sinal ganhei uma assinatura gratuita mas nunca pagaria para receber na porta da minha casa, e li uma matéria sobre gatos, mas eu não estava prestando atenção direito na matéria, porque na verdade estava pensando em escrever um texto sobre a vez que eu caguei lendo a Veja que ganhei de graça, e aí pensei em várias piadinhas boas de se fazer, e fiz uma referência ao vídeo mais escatológico da internet e ainda consegui citar uma frase de um filme em um contexto pertinente". Ao passo que meu amigo pode responder: "Então, o Flamengo foi campeão esse ano" OU ele pode adotar uma conversa fora do padrão e dizer "Nossa velho, uma vez eu fui cagar, não estava lendo a Veja, mas naquele momento íntimo de reflexão pensei sobre isso que você falou: as pessoas seguem um roteiro para conversar com outras pessoas. Eu sempre quis saber como é ter uma conversa ao estilo Seinfeld". E eu responderia: "Talvez se todas as pessoas no mundo fossem comediantes stand-up isso mudaria. Mas o que falta mesmo é as pessoas serem mais abertas e receptivas para falar e ouvir sobre o que estávamos pensando enquanto cagamos".
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